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Troféu Angelo Agostini

Lista de quadrinhos nacionais publicados em 2023

Estamos começando a organizar a 40ª edição do Troféu Angelo Agostini e você pode nos ajudar a manter essa como a mais democrática premiação de quadrinhos do país. Publicamos uma lista de todos os quadrinhos nacionais publicados em 2023, que servirá de base para a comissão de seleção escolher os indicados deste ano ao prêmio.

Até o final de julho, manteremos um formulário aberto para que sejam indicadas eventuais omissões ou erros na lista (é muita HQ, então pode ter algum errinho aqui ou ali 😅). Clique aqui, leia com atenção as explicações referentes à lista e, se for o caso preencha o formulário (apenas atualizaremos, após conferência, informações enviadas pelo formulário – não envie e-mails ou mensagens diretas, por favor).

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A identidade visual do Troféu Angelo Agostini

Enquanto nos preparamos para iniciar as atividades do 40º Troféu Angelo Agostini (muito em breve), vamos conhecer um pouco sobre a identidade visual do prêmio nas palavras do designer Flavio Roberto Mota, que cuida disso desde a 35ª edição.

* * *

O desenvolvimento da identidade visual para a 39ª edição do Troféu Angelo Agostini foi um trabalho que vale a pena deixar registrado.

Quando eu comecei a trabalhar no design da AQC, a ideia era criar uma lógica visual que permitisse que, a cada edição, desse para criar visuais temáticos, para que determinados gêneros, artistas, movimentos, etc. dentro dos quadrinhos pudessem ser evidenciados, homenageados, ganhassem maior visibilidade desde a identidade visual, podendo se expandir também para os movimentos artísticos, manifestações culturais e demais linguagens que influenciam as HQs.

A primeira edição que esse material foi aplicado foi a do 35º AA, mas, como ainda estava tudo bastante incipiente, as mudanças começaram tímidas para aos poucos se tornar mais evidentes. Quase todas as edições iniciais foram baseadas em composições e arranjos com retículas coloridas, enquanto que o grande diferencial estava por conta da criação do selo do Troféu, até então inexistente.

Eu aproveitei para ajustar o logo da AQC, para que ela permitisse uma identidade visual completa. Com o ajuste realizado, foi possível determinar uma fonte para usar no título “Troféu Angelo Agostini” (Penumbra Sans) e para as demais aplicações (Gotham Family Font).

No entanto, a pandemia estremeceu todo o esquema de trabalho que já estávamos acostumados na AQC, tanto que tivemos que nos adaptar ao formato da premiação à distância e em estabelecer uma produção digital que não estava nos planos da equipe. Muita gente teve dificuldades, seja ela financeira, seja de saúde, seja mental, todos ficaram extremamente abalados. Muitos planos tiveram que ser adiados e até mesmo cancelados e essa dificuldade se refletiu na organização, assim como também na identidade visual das edições do Angelo Agostini que seguiram esse período.

Justamente por conta desse período extremamente atribulado, quando enfim, a COVID recuou, as mudanças na política assinalaram pelo menos que alguma civilidade seria possível de ser resgatada, nós sentimos novamente que era preciso deixar claro a importância de se respirar um ar puro e livre da convivência pacífica entre os diferentes, que é possível haver democracia, com liberdade e respeito à todos, todas e todes. Era preciso comemorar, celebrar o fato de que somos um país multicultural, multifacetado e que todos são bem vindos e aceitos.

A 39ª edição seria a primeira a ser celebrada depois dessa era das trevas, era como se a primavera surgisse de um longo e tenebroso inverno, e, como em toda primavera, era necessário novas luzes e cores, para a alegria reinar, inspirando e resgatando a esperança a todos os seres. Isso nunca havia ficado tão evidente para mim, e, por consequência, senti a necessidade que essa edição inaugurasse avanço maior na identidade visual, que nós pudéssemos demarcar um novo tempo, um novo movimento, uma nova realidade, para que as trevas da ignorância, do medo e do ódio nunca mais retorne das suas próprias trevas existenciais.

Logo, a intenção ao criar a identidade visual para o 39º Troféu Angelo Agostini foi de representar as principais massas populacionais que construíram esse país: os negros, que vieram expulsos de seus lares por 400 anos de uma escravidão desumana, dos indígenas, nossos verdadeiros pais, avós e bisavós, que mesmo vendo seu mundo se destruído, suas terras expropriadas, sua identidade, cultura e espiritualidade reduzida quase que a pó, tiveram a grandeza de nos dar toda a base para que fôssemos o povo que somos, por mais que a grande maioria dos brasileiros sequer tenha consciência do peso da herança indígena em nosso espírito coletivo. A terceira massa populacional homenageada foi a dos nordestinos, que numa onda migratória gigantesca, por décadas e décadas forneceu a mão de obra e o intelecto necessário para que os grandes centros pudessem desenvolver todo o arcabouço da sua civilidade e que passou sempre inviabilizado, desprezado, humilhado e explorado.

O caminho para essa representatividade foi usar como referência os grafismos relativos a sua cultura, pesquisar dentre o tipo de grafismo de cada um desses povos, elementos que fossem mais comuns neles que permitam ser agregados no nosso material.

Os grafismo africanos revelaram principalmente um uso característico de cores com uma carga alta de saturação e predominância de tons terrosos, os grafismos indígenas já eram mais restritos no quesito cor, enquanto que o grafismo nordestino era o que apresentava uma maior gama de tons, geralmente numa paleta mais clara, dando a impressão de certa luminosidade. Com relação às cores foi escolhida uma palheta não muito saturada para os logos e mais clara para o fundo, sendo esse predominantemente amarelo com alguns elementos puxando levemente para tons frios enquanto o logo ficou com as cores vermelho e verde um pouco mais escurecidas, complementadas por branco.

Com relação aos desenhos a escolha foi um pouco mais difícil. Nos grafismos africanos havia uma quantidade e variedade de elementos que permitia uma possibilidade gigantesca de padrões gráficos, como os exemplos a seguir.

Alguns elementos chamaram atenção, como as espirais que algumas vezes compunham grafismos que podiam se assemelhar ao sol ou alguma flor, por isso foi escolhido esse tipo de representação para ser utilizada no fundo amarelo, mas sem grande destaque.

Em compensação, o elemento que demonstrou-se presente na maioria dos grafismos foras as formas geométricas concêntricas. Logo, criamos um padrão de quadrados concêntricos dispostos em tamanhos diferentes para margear o fundo. Essa mesma ideia serviu para também criarmos um fundo com quadrados concêntricos alinhados de maneira uniforme, que foi aplicado ao logo do 39º AA.

Analisando os grafismos indígenas percebemos um curioso ponto comum entre eles.

Os desenhos em si variavam também de maneira ampla, embora não houvesse representações de figuras como o sol ou algum animal. O que saltou aos olhos é o fato de que, seja qual fosse o padrão indígena, a disposição de linhas diagonais era predominante, bem mais do que nos grafismos africanos. Por isso, a escolha foi a de representar os traços diagonais alinhados se revezando no seu sentido. Como variação para ser aplicado ao logo do 39ª AA, fizemos um padrão usando os mesmos quadrados concêntricos, só que agora na posição diagonal.

Ainda estava faltando acrescentar a identidade visual um toque de brasilidade representando os imigrantes nordestinos que fugindo da fome e da miséria que sofreram por tantos anos de secas, se espalhando pelos quatro cantos, ajudando a construir esse país com muito suor, dedicação e muitas vezes até mesmo sangue.

Tivemos a oportunidade de conhecer um pouco mais da arte popular do nordeste, seus quadros, artesanatos, gravuras, a literatura do cordel, e nos chamou atenção a produção do Movimento Armorial, que teve como um dos expoentes o mestre Ariano Suassuna.

Embora os elementos gráficos da estética da arte nordestina seja riquíssima, um elemento persistia quase que onipresente em praticamente todas as suas manifestações, que é a presença do ponto, seja ele redondo, em forma de traços curtos, folhas, estrelas ou cruzes, essa pontuação parece remeter a uma herança medieval, assim como muitos dos elementos, para nos lembrar que a nossa origem européia não é nobre, mas popular, ibérica e moura.

De posse dessas três formas de representatividade, foi então realizada a finalização do selo oficial para o nosso 39º Troféu Angelo Agostini, que celebrou a diversidade e resgatou essa conexão com a base dos artistas de quadrinhos premiando mulheres em suas principais categorias, num resultado surpreendente até mesmo para o restante da equipe organizadora, além de ter sido a primeira cerimônia, ainda virtual, em que trouxemos a questão da realidade e dificuldades dos trabalhadores de quadrinhos no Brasil, para que a democratização ultrapasse os limites da representatividade e possa ser construído também pela luta da categoria visando conquistas reais para os artistas que representamos.

É preciso que essa caminhada, no entanto, prossiga, solidificando esse processo de representatividade e democratização para os quadrinhos nacionais, e, vamos agora para a 40ª edição montar mais um trabalho, com a ajuda e participação de todos que assim desejarem e quiser construir uma AQC e um Troféu Angelo Agostini cada vez mais brasileiro, reforçando que os quadrinhos também fazem parte da cultura brasileira e que precisa ser devidamente valorizada.

– Flavio Roberto Mota

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Vencedores do 39º Troféu Angelo Agostini

Os vencedores do 39º Troféu Angelo Agostini acabaram de ser anunciados na live. Para quem não teve a oportunidade de assistir (o vídeo está aí em cima, por sinal 😉), trazemos abaixo a relação de todos os premiados.

Lançamento: Nos Olhos de Quem Vê (Helô D’Angelo / editora HarperCollins)

Lançamento independente: Amarras (Cecilia Marins, Barbara Teisseire e Giulia Tartarotti)

Lançamento infantil: Afeto (Natália Sierpinski e Vivi Melancia / editora Outside.co)

Fanzine: Papo de Mulher: Almanaquezine de fotonovelas (Danielle Barros, organizadora)

Web quadrinho: As Tiras da Helô D’Angelo (Helô D’Angelo)

Roteirista: Helô D’Angelo (Nos Olhos de Quem Vê)

Desenhista: Helô D’Angelo (Nos Olhos de Quem Vê)

Colorista: Mariane Gusmão (O Menino Rei)

Cartunista, chargista ou caricaturista: Laerte Coutinho

Prêmio Jayme Cortez: PerifaCon

Mestres do Quadrinho Nacional: Adriana Melo, Érica Awano, Laudo Ferreira e Nilson Azevedo

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Cerimônia on-line de anúncio de vencedores do 39º Troféu Angelo Agostini

Na próxima terça-feira, dia 30 de janeiro, será comemorado o Dia do Quadrinho Nacional. A data foi criada em 1984 pela Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo (AQC-ESP) fazendo referência à publicação da primeira história em quadrinhos feita por Angelo Agostini, que ocorreu nesta data em 1869.

Como forma de celebrar a data, a AQC-ESP realizará a cerimônia on-line de anúncio dos vencedores do 39º Troféu Angelo Agostini no dia 30 de janeiro, a partir das 19 horas. A atividade, que ocorrerá ao vivo através do canal da AQC no YouTube, trará a divulgação dos vencedores pelo voto popular e serão apresentadas algumas novidades referentes à próxima edição do evento (afinal, será a 40ª edição, então vai ser ainda mais especial 😉).

Não perca: Dia 30 de janeiro de 2024, a partir das 19 horas, no canal da AQC-ESP no YouTube.

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Mestres do Quadrinho Nacional de 2023

Mestres do Quadrinho Nacional 2023: Adriana Melo, Érica Awano, Laudo Ferreira e Nilson AzevedoEm toda edição do Troféu Angelo Agostini, além da votação popular em dez categorias, também são escolhidos os novos Mestres do Quadrinho Nacional, prêmio destinado a pessoas que tenham se dedicado aos quadrinhos há pelo menos 25 anos.

Este ano, os quatro novos Mestres são:

  • Adriana Melo
  • Érica Awano
  • Laudo Ferreira
  • Nilson Azevedo
  • Clique nos nomes acima para saber um pouco mais sobre cada um deles.

    Parabéns a todos 😊

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    Votação do 39º Troféu Angelo Agostini

    Se o formulário não aparecer, clique aqui para votar.

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    AQC ENTREVISTA: CRAU DA ILHA SOBRE HENFIL

    Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

    1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

    A primeira vez que li aquele nome estranho (Ênfil? Rênfil? Enfíu?) no livro Dez em Humor eu, era criança ainda. Depois descobri que estava também no Pasquim, que a passava de mão em mão, assim como o tablóide Grilo, que pirateava todos os gringos do underground. Isso acontecia no colégio técnico Iadê (de desenho de comunicação) e arredores, onde prolongávamos o expediente estudantil, o bar Riviera. O Iadê por sinal produziu vários profissionais engajados. Eram nossos contemporâneos e colegas os cartunistas Sizenando, João Zero (fanzine Boca), Patrícia (revista Crás), Grillo (Notícias Populares), e a Crau aqui. Todos a seu modo tiveram influência do Henfil. A gente fazia curso extracurricular de teatro e eles encenavam os Fradins. Muito legal, aquele jeitinho sádico do Baixim, tudo feito ao vivo, isto me marcou bastante. Também vieram do Iadê o articulador da classe Alfredo Nastari (AGRAF), os jornalistas Silvia Poppovic e o Luiz Fernando Silva Pinto. Era muito forte a expectativa de você ser atuante. Dentro do colégio tinha um pensamento único e geral de que aquela situação de ditadura não podia persistir. Todo mundo tinha visão de esquerda, na vida mesmo, na forma de se relacionar e na arte. Era um publico adolescente aberto à influência da esquerda e de todos os movimentos modernos, de Jean Paul Sartre, da escola de Frankfurt, aos tropicalistas e a turma do Pasquim. A gente tinha uma visão muito avançada para época, se dizia vanguardeira. Vale lembrar que era a época da ditadura bem fechada e que a gente tangenciou o perigo em várias circunstâncias. Mas nesse contexto sombrio também brotavam movimentos nacionalistas libertários como o dos Secos e Molhados, dos baianos, de Milton Nascimento. Boa parte da juventude da época se sentia alinhada a todo esse movimento.

    2. E qual era sua proximidade dos movimentos de cartunistas na época e depois?

    Você sabe que, exceto nas ocasiões em que participei de projetos específicos como O Bicho, As Periquitas, 2º Encontro Lady’s Comics (mesa “As Precursoras”) e agora na Revista Pirralha, grande parte da minha vida estive bastante periférica em relação a todos esses movimentos, o que não me impediu de acompanhar à distância. Como a categoria dos cartunistas foi a primeira que me acolheu profissionalmente, em idade pouca, quase saindo das fraldas, sempre me senti parte da turma e, talvez por isso, acabei estando presente em outros momentos pontuais, específicos que se me gravaram indelevelmente na memória.

    3. Qual foi o impacto dos Quadrinhos do Henfil que você sentiu?

    Do ponto de vista profissional, não preciso dizer que o conhecia como qualquer um de nós: um mito sagrado. A princípio confesso que o sadismo do Fradim baixinho me chocava. Mais tarde me ocorreu que o cumprido seria o Betinho e Henfil o baixinho, com toda sua irreverência.

    4. O que você mais lembra do Henfil?

    O que eu consigo me lembrar do Henfil, além do seu programa de manhã na Globo. Lembro em especial de um no dia do casamento da Lady Di. Depois de sua morte, no primeiro Salão do Rio de Janeiro que levou seu nome. Este Salão ficava em algum lugar na Vieira Souto, em Ipanema. Parece que ele vivia em um apartamento, praticamente sem móveis, por ali também.

    5. E você chegou a estar com Henfil?

    Apesar de já ter estado perto dele algumas vezes (por alguns instantes) quando a redação do Bicho era n”O Pasquim, no segundo andar da casa da Saint Roman. Para mim, uma guria de 19 anos que tinha acabado de chegar, ele era uma entidade sagrada, além de muito bonito, mas que eu tinha vergonha de abordar.

    6. Ele trabalhava junto com todo mundo no Pasquim?

    Não, ele trabalhava incessantemente e sozinho numa sala vizinha à sala do Bicho, no segundo andar, e só entrava na nossa para usar a máquina copiadora Xerox. Me olhava com olhos prescutadores e profundos, se nos cruzávamos na escada, por exemplo. Eu arregalava os meus e uma vez ele perguntou se eu estava assustada. Foi a primeira vez que me dirigiu a palavra. Na hora do café, todo mundo -cartunistas, editores, secretarias, os moços do escritório, o vigia- ia para a cozinha, que tinha uma porta que abria para a vista do morro. Alguém sempre tinha comprado pãozinho fresco com manteiga e tomávamos com o copo de café com leite mais gostoso do mundo. Lembro de ser um momento de muita camaradagem -em que as diferenças se acabavam- e o que eu mais fazia era observá-los. Henfil tratava a todos com muita amizade e respeito, sobretudo os funcionários mais humildes.

    7. E o reencontrou mais alguma vez?

    Anos depois, ao voltar da China, encontrei-o em Piracicaba, Ele veio e sentou-se ao meu lado na platéia do anfieatro que ouvia o Nássara. Naquele ano, creio que 1977, eu ja não morava no Rio. O Henfil. me fez uma festa, como se já tivéssemos sido bastante íntimos. Me abriu um sorriso “Você por aqui?” Eu já mais desinibida, respondi: ” E você por aqui?” E eu quis saber sobre a China. Ele estava realmente impressionado. Mais um par de anos à frente vi-o num fim de semana na colônia de férias no sindicato dos metalúrgicos, na Praia Grande, durante um encontro com lideres sindicais para o qual que Laerte me convidou e me levou a participar. Henfil demorou a chegar porque havia tido um acidente e precisou receber uma transfusão de sangue no hospital. Mas veio, chegou com uma bengalinha e participou do encontro. Acho que cheguei a jogar ping pong com ele. Ao menos lembro dele no pátio, perto da mesa. A ideia que me passava é que ele era de uma humildade impar. Estava nessa reunião na posição de ouvinte. Só queria saber quais eram as reivindicações dos trabalhadores para ele poder desenhar o Ubaldo, o paranóico.

    8. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

    A entrevista que ele deu que mais me marcou foi a da revista O Bicho sobre sua estadia nos EUA, a relação dele com os Syndicates. Na época a gente estava na luta contra a dominação do Quadrinho estadunidense nas tiras de jornais brasileiros e em prol de publicar uma revista de cartuns e quadrinhos não-enlatados. Essa era a discussão que estava na pauta do dia pra gente. Então quando ele veio com aquela entrevista “Fiquei Sick da vida, meu irmão” e ele dizia que tinha ido lutar contra o Syndicate por dentro. Ele tinha muita consciência da luta contra o sistema e achava que ia romper com o capitalismo por dentro. Ele tinha muita fé neste poder do cartum e do desenho de humor em transformar consciências e mudar a realidade. E dizia “Eu indo nos EUA e sendo publicado lá por uma agência, eu conseguiria ser publicado no meu país”. Mas eu lia tudo que ele publicava no Pasquim e alguns dos livros que ele escreveu: Diário de um Cucaracha, Henfil na China. Ahhh e o livrinho pequeno “Como Se Faz Humor Político” entrevista que ele deu ao jornalista e crítico musical Tárik de Souza. Lá ele falava que a inspiração dele era um cachorro preto atrás das costas: o prazo do fechamento do jornal. Ele falava da experência dele em produzir charges e quadrinhos. A gente sempre tem aquele complexo de fazer as coisas de última hora. E chargista de jornal é de fazer as coisas em cima do prazo, em cima da última notícia, na hora que está pra ir pra gráfica. Às vezes dá uma sensação de inadequação, de deixar pra última hora. Isso faz parte do processo do cartunista, então dá bem pra imaginar que a hora do ‘fechamento’, o ‘dead line’ é um baita de um cachorrão nas tuas costas -pronto pra te devorar- tem uma plaquinha na coleira escrito ‘PRAZO’. E você faz o desenho naquela tensão, e acaba dando uma característica no traço, mais rápido e mais espontâneo. Isso me marcou muito. Em outra entrevista que ele deu, não lembro aonde, ele reclamava de pessoas que faziam gestos por reflexo condicionado, automáticos. Ele se irritava muito com isso, achava que cada gesto tinha de ser pensado.

    9. Qual é o tamanho da falta que o Henfil faz?

    É o tamanho da falta que faz um luzeiro, um clarão de muito brilho. Henfil foi um dos luzeiros das nossas gerações. Ele marca uma época. Representou a cara do Pasquim e continua muito atual. É uma falta enorme. Senti sua perda como a perda de uma amizade querida que eu não teria mais chance de desenvolver. Enfim. HENFIL é referência, era e continua a ser aquela sumidade a quem os cartunistas recorrem tentando imaginar o que ele faria se estivesse aqui. O Henfil era muito alerta pra vida, acho que tinha a ver com a condição de hemofilia dele, como se a vida estivesse sempre escorrendo por entre os dedos e tivesse que estar muito atento pra não deixá-la escapar. Isso fazia dele um cartunista único, com otraço completamente caligráfico de quem escreve rápido, que influenciou gerações de cartunistas. O que seria de nós sem Henfil?

    10. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Home e Tanga, deu no New York Times?

    Não vi nada dele no cinema. Eu já estava fora de São Paulo. Mas via TV Homem, dentro do programa TV Mulher da Marília Gabriela. Eu assistia todo dia e achava bem legal. Ficava feliz de vê-lo na TV, de ver o que estava fazendo. Lembro que encenavam uns quadros praticamente sem palavras. O quadro que me lembro era o do casamento da Lady Di, tinha uns caras todos vestidos de operários, começava a passar o casamento da Diana e príncipe Charles na TV, daí cada um pegava um companheiro e começavam a dançar uma valsa. Achei aquilo o maior barato. Fiquei refletindo como ele mostrava essa realeza no imaginário da população, que lhe chamava tanta atenção e desviava o foco de assuntos mais importantes e vitais. Mostrava um encantamento e alienação. Eram coisas que faziam a gente pensar. Henfil é isso: faz a gente pensar. Quem cumpre este papel hoje em dia é a cartunista Laerte. A charge dela não se esgota ali, você acaba sacando mais alguma coisinha. O Henfil, de outra forma, era mais panfletário mesmo! Todos trazendo isso da sua forma. É como se fosse a mola do pensamento que desperta. Isso não pode morrer jamais.

    11. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil e ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

    A gente tem de compartilhar, compartilhar e compartilhar! Eu confesso que não sou uma pessoa muito compartilhadeira não, fico muito cansada com estas coisas de redes sociais, mas o sticker da Graúna com o coraçãozinho é o que mais uso quando quero enviar um coração pra alguém. Este livro editado pelo Gonçalo Jr e Editora Noir pode ajudar muito. A gente divulgado este livro, vai colocando as pessoas em contato com o Henfil. Não sei se o livro tem ilustrações, deve ter né? Mas é bem importante sim pra conhecer tudo que ele fez, pensou e disse. É desses autores que a gente tem que mergulhar e conhecer tudo que fez pra entender uma parte da história, do Brasil. Eu gosto de mergulhar em autores, agora estou mergulhando na Isabela Allende, quero ler tudo que ela escreveu, e comecei a ter acesso a seus livros só recentemente. Henfil? A nova geração tem que abocanhar mesmo.

    12. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

    O Brasil tá doente sim. Tá puto da vida também. Mas eu acho também que os anticorpos estão em ação, né? Eu não tinha visto tanta juventude engajada como tenho vistohoje. E tá abrindo a cabeça para uma visão social. Eu acho que está ficando cada vez mais feio ser uma pessoa alienada. Por isso o Brasil tá sick da vida, tá puto, tá resistindo e tá reagindo, no sentido de responder a isso tudo. Existe o câncer e existe os combatentes ao câncer, estamos deste lado e não vamos largar mão!

    13. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

    Imagine se ele estivesse aqui, agora. Ele estaria à toda, produzindo mais do que nunca. Estaria em campanha em todas as mídias. Estaria na rua, em tudo quanto é lugar. Estaria mais ativo do que nunca e formulando outras formas de agir, outras ideias, estratégias. Ele continuaria a ser um militante full-time. Temos chargistas geniais, criticando o que está acontecendo, a gente os vê toda hora, brilhantes. Mas este engajamento dele muito dirigido, uma pessoa que não tinha nem móvel na casa, vivia pro desenho e pra conscientizar as pessoas. Não sei se temos alguém com este engajamento que ele tinha. Lembro dele no Pasquim, ele não tinha tempo nem pra conversar. Era ele desenhando o tempo inteiro. Desenhando, desenhando, desenhando. A gente passava pela sala com a porta aberta e só via ele de costas. Todos nós estamos segmentados em nosso interesses. Não sei qual de nós é assim… Mas tenho uma certeza, se Henfil estivesse entre nós, em carne, osso, estaria na Revista Pirralha! https://www.facebook.com/RevistaPirralha

    https://revistapirralha.com.br/

    https://www.instagram.com/revistapirralha/

    14. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima-quarta pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical?

    O fato do Henfil ser um dos fundadores do PT é um ponto importante pra se levar em conta, principalmente os que falam mal do partido. É bom lembrar que as melhores cabeças estiveram neste início do processo de redemocratização. Vários operários, sindicalistas, intelectuais como Florestan Fernandes e vários artistas como Henfil e muitos cartunistas, gente de todas vertentes e alas, né? Vieram de caminhos distintos, articulações distintas. Uns mais à esquerda, mais revolucionários, outros mais conciliadores. O PT foi o celeiro onde foi colocada toda essa gente que estava descontente e queria mudança. Na época o PT era visto como uma grande promessa, o Lula já despontava como uma liderança naqueles comícios no estádio de S. Bernardo do Campo. Isso aí eu vi no comecinho, quando participei daquele encontro durante o fim de semana na colônia de férias na Praia Grande. A carga emocional de união que tinha ali era enorme, mesmo pra quem estava só observando, mostrava que você estava ali tomando partido. Eram jornalistas e cartunistas misturados aos sindicalistas, conversando junto sobre o que estava acontecendo, tomando café junto, comendo junto, bebendo junto, dormindo junto e formulando os materiais que iam ser produzidos nos jornais sindicais e grande imprensa. Acho super importante conhecer esta realidade e acordar esta turma que fica falando bobagem por aí. Aliás, eles nem pensam no que falam, só repetem as bobagens que alguém plantou. Existe tanto anti-petismo baseado em fatos duvidosos divulgados amplamente pela imprensa. Demonizar um partido que tem uma história dessa é, no mínimo, falta de bom senso.

    Como foi a sua participação na administração petista da prefeitura de Ilha Bela?

    Quando começaram as denúncias do Mensalão eu estava filiada ao PT aqui na Ilha Bela, ajudando a candidata do PT à prefeitura. Nós fizemos uma reunião pra todo mundo decidir o que ia fazer. Estava todo mundo chocado. Eu entendi que o mensalão tinha sido a única forma de garantir votação de pautas sociais, não entendi como corrupção individual. Penso que não é assim que tem de ser. Alguns pularam fora e a gente achou que não, a gente tinha entrado com o propósito de fazer uma coisa séria. O fato de algumas pessoas terem feito coisas erradas, não queria dizer que todos filiados fossem venais. Depois foi esvaziando e não elegemos mais ninguém. O povo aqui da Ilha sempre foi muito ligado à classe dominante, se sente bem assim, se enontra na praia, não gostam de confronto… O PT foi fundado duas vezes aqui na Ilha e participei das duas. Perguntaram para uma senhora da idade da minha mãe por que ela estava se filiando ao partido e ela respondeu: “Porque eu tenho vergonha na cara!” O PT era um baluarte de ética na época. Apesar da gete saber que nem todas pessoas que estavam lá pensavam da mesma maneira. Tem quem entre na política de forma individualista ou corporativista. E acho que um governo que represente o povo brasileiro não pode ser corporativista, tem que ver a sociedade como um todo, ver todas as forças, considerar a parte ambiental que sustenta tudo. Nós temos que pensar como construir este governo enquanto sociedade civil participativa, enquanto membros de partidos que tenham algum poder, a gente tem que ajudar a reconstruir, remendar este Brasil, ressuscitar este Brasil. A gente tem este dever, porque nossos netos estão aí, né? O que vamos deixar pra eles?Tem uma humanidadezinha aí pra sobreviver, né? E um planetinha azul… Tomara que a maioria deles seja bem educada, bem consciente.

    QUEM É CRAU DA ILHA

    Crau França é formada em Engenharia de Aquicultura na UFSC e Tecnologia em Produção Multimídia no Centro Universitário Módulo, estagiária na empresa Hellenic Centre for Marine Research, fez Mestrado em Aquicultura no Instituto de Pesca -APTA-SAA-SP, foi diretora da CooperAqua, Secretária da Prefeitura de Ilhabela. Publicou cartuns e foi editora na revista O Bicho. Foi idealizadora e editora de arte na empresa Revista As Periquitas. Faz parte do Conselho Editorial da Revista Pirralha. Recebeu o Troféu da AQC como Mestra do Quadrinho Nacional no 36.º Prêmio Angelo Agostini.

    Perfil no FB:

    https://www.facebook.com/crau.dailha

    Crau no instagram:

    https://www.instagram.com/craudailha/

    Entrevista:

    https://ofolhademinas.com.br/materia/32285/coluna/crau-e-as-periquitas

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    AQC ENTREVISTA: MILTON GURGEL (*) SOBRE HENFIL

    Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

    1. Como você conheceu o trabalho do Henfil? Lembra da ocasião (onde, quem apresentou e qual era a revista ou jornal)?

    Lendo o Pasquim.

    2. Do que você mais lembra de ver no jornal?

    Lembro do Bode Francisco Orelana, de quando ele foi morar em Natal (RN). E quando ele dizia “O Rio tem uma Ipanema. São Paulo tem 200.

    3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

    Os escritos, no visual sou meio retardo.

    4. O trabalho do Henfil teve influência direta em você? De que forma?

    Na PUC, no movimento estudantil… HENFIL era comentado em prosa e verso.

    5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na esquerda? E entre seus amigos? Quais eram os comentários das pessoas?

    Os trabalhos do Henfil eram elogiados, de forma quase unânime. Só teve uma vez que ele criticou o Caetano, por conta do movimento Odara… deu um tereré! Mas passou logo…

    A música Odara (gravada no disco Bicho de 1977) foi um dos maiores sucessos de Caetano após sua passagem pela Nigéria. Parte da militância de esquerda na época não gostou da mensagem, pois a luta contra a ditadura estava no auge. De acordo com Caetano em seu site: “Nova polêmica se instaura. O termo odara acabara se tornando sinônimo de hippie, ou, para a ala dos esquerdistas, alienado; os odaras, por sua vez, responderão aos que lhe cobram posicionamentos políticos explícitos, chamando-os de patrulheiros ideológicos. Uma atualização da divisão entre os tropicalistas e os engajados da MPB, dez anos depois do movimento.” Já em 1978, Henfil reaqueceu as vendas do semanário ao abrir polêmica com os baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil e Glauber Rocha, aos quais acusava de “alienados” por externarem simpatias, em maior ou menor grau, com a abertura “lenta, gradual e segura” do general Geisel. Na contenda, Henfil cunhou a expressão “patrulha odara” como contraponto às “patrulhas ideológicas”, expressão usada pelo cineasta Cacá Diegues para definir o que ele considerava equívocos de esquerda patrocinados pelo sectarismo ideológico. Os patrulheiros odaras exigiam criações apolíticas e atitudes escapistas.

    A palavra Odara vem do dialeto yourubá e quer dizer ‘estar bem, relaxado, tranquilo’.

    6. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

    INFINITA enquanto dure.

    7.Como era a situação do tempo do Pasquim comparada com a de hoje?

    No tempo do Henfil não tinha essa direitosa, as pessoas tinham vergonha de ser assim.

    8. E a pressão da Ditadura?

    O cineasta Glauber Rocha sofreu muito. Henfil também iria sofrer demais.

    9. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tanto ataque deste atual governo. O Brasil tem saída além do aeroporto?

    A História é circular, dizem alguns autores. Ver ai: Chile, Argentina, México, tudo voltando para esquerda. O difícil, mas muito difícil mesmo, é mudar a estrutura do capital.

    10. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

    Sofrendo muito. Ele era hemofílico.

    11. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas.

    A produção de um artista representa o espírito de uma época. Nos anos 70, 80 tínhamos esperança. Hoje tenho certeza, o Brasil não tem amanhã.

    MILTON GURGEL

    Foi militante do movimento estudantil durante a ditadura. É advogado.

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    AQC ENTREVISTA: MARIA DA PAZ (*) SOBRE HENFIL

    Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

    1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

    Conheci na grande mídia e comentado pelos profissionais do setor de imprensa do Sindicato dos Químicos de SP e companheiros da diretoria. A partir daí comecei admirar o jeito peculiar de se revoltar contra o autoritarismo, Adorava, em especial, a Graúna. Pra mim era a personagem que mais me revelava a firmeza de continuar a luta incansável.

    2. Qual foi o impacto inicial?

    De saber que um profissional daquele, no auge de sua carreira, se dedicava praticamente à linha de frente em defesa de uma sociedade. Trabalhando na intenção de organizar um povo através de seus traços.

    3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

    O que mais me chamou atenção foram os traços. No meu entendimento quando uma história se mostra através de um desenho, ela se torna mais marcante, pois o artista se transporta de corpo e alma e se faz entender muito mais.

    4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?

    A influência dele no meu trabalho foi de absorver as determinações, a coragem de lutar por um objetivo. Aprendi que não se pode fraquejar diante de um obstáculo, mesmo que ele nos assuste.

    5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?

    Como disse, o pessoal que fazia o Sindiluta (jornalistas e chargistas) mostrava e comentava os Quadrinhos do Henfil. Eles produziam um boletim diário que tinha 15.000 exemplares diários distribuídos nas fábricas químicas e farmacêuticas do departamento de imprensa do Sindicato, sempre com charges e o personagens Chico Ácido e Maria dos Remédios. Ahhh, e pelos companheiros da diretoria também.

    6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

    Não lembro de uma entrevista em especial.

    7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

    A iniciativa da Editora Noir foi uma decisão acertadissima, corajosa. Pois, diante da confusão que vivemos nos dias de hoje com desinformacões absurdas, precisamos ter um norte. E quem não viveu a época do Henfil e das sua -nossa- Graúna, terá a oportunidade de saber como foi uma parte dessa história de luta e resistência.

    8. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

    A falta que o Henfil faz é exatamente do tamanho dele. Com idéias que foram abraçadas por quem precisava seguir a lógica daquele momento.

    9. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil e ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

    Pode ajudar sim, no sentido de mostrar para a sociedade o que esta é uma luta de classe esquecida por muitos. Pois diante do que estamos presenciando, é preciso voltar a conscientizar as pessoas com um trabalho incansável. Incansável! Exposições me parecem o ideal, acompanhadas de rede social. Me veio à mente, o trabalho de porta de fábrica que fazíamos. Hebfil precisa voltar às portas de fábricas.😊

    10. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

    O grande problema de uma sociedade é esperar acontecer o pior para entender o que acontece ao seu redor. O comodismo de uma sociedade muitas vezes traz sérias consequências.

    11. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

    A fundação do PT foi uma necessidade fundamental naquele momento pra sociedade. Ainda mais contando com uma mente transformadora de idéias como Henfil. Iniciei na luta sindical através de contato com companheiros Nilza, Domingos Galante, Zé Domingos e Margarida… Não tive dúvidas ao receber o convite para participar das reuniões da Chapa 2 de Oposição dos Químicos SP. A partir dali, fui trabalhando o meu consciente para adquirir mais conhecimento, pois os meus companheiros precisavam de apoio. O que mais me encantou foi a participação das mulheres naquela diretoria. Seis mulheres dando suporte na luta daquela categoria. Aprendi, participando daquela diretoria, o suficiente para não aceitar certos tipos de imposições. Uma sociedade não pode aceitar o autoritarismo. Já passamos por isso lá atrás na Ditadura. Estamos em outros tempos, mas a luta continua e não é nem um pouco diferente. Estamos às margens do absurdo, com pessoas desprovidas de conteúdo, a celebrar os fins dos direitos dos trabalhadores, tentando escravizar ainda mais este povo sofrido. Não permitiremos, CHEGA!! Estamos com a Graúna!

    (*) CONTATO COM MARIA DA PAZ

    https://www.instagram.com/dapazze4/

    Maria da Paz foi membro da Cipa na indústria Farmacêutica Laffi. Diretora do Sindicato dos Químicos e Farmacêuticos de SP por várias gestões, se aposentou e mudou para São Luiz, no Maranhão. Continua na luta por um Brasil melhor.

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    AQC ENTREVISTA: FAUSTO (*) SOBRE HENFIL

    Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

    1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

    A primeira vez que tive contato com o trabalho do Henfil, foi de uma maneira um tanto especial, como um estopim, para o começo de minha carreira. No ano de 1972, aconteceu algo incrível. Eu trabalhava no jornal Diário de Guarulhos (um tabloide de 4 e às vezes 8 páginas), uma espécie de Diário Oficial da cidade, embora não fosse. O jornal era produzido na base do clichê (nas fotos e artes) e chumbo (nos linotipos). Foi meu primeiro emprego. Fui contratado para ser desenhista, mas como não havia espaço para isso, acabei sendo um “faz tudo” na redação. Em um desses compromissos, de levar foto e desenho para virar clichê, fui até a na Clichearia Guarani (que ficava na Rua Três Rios, no Bom Retiro, em São Paulo), que acabei me deparando com um desenho do Henfil: um desenho simples, de um cara com um porrete, correndo atrás de um monte de gente. Bem simples: estilo Henfil.

    2. Qual foi o impacto inicial?

    Foi o estopim que faltava para meu desejo e oportunidade de virar cartunista. Isso acabou se realizando a partir de 1974, em um outro jornal da cidade, o Guaru-News, já com uma pegada mais profissional, com uma boa equipe. Logo em seguida, conheci o O Pasquim, com o Henfil e outros grandes nomes do desenho de humor: Jaguar, Fortuna, Millôr, Ziraldo, Cláudius… daí, aconteceu a grande guinada. Fui aprendendo de tudo, aos poucos, com a força dos amigos já profissionais, consagrados na redação do Guaru-News.

    3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

    O impacto inicial foi como explosão! Apesar de ser uma reprodução muito simples, me impressionou muito a estética e o grafismo do Henfil. Depois disso, passei a procurar e curtir tudo do Henfil, inclusive no O Pasquim. Entre todos os grandes do jornal, já conhecia o trabalho do Ziraldo, por conta da leitura da ” Turma do Pererê”, quando eu era criança em minha cidade natal, Reginópolis ( SP ). Foi também muito importante para minha formação de cartunista, esse reencontro com o Ziraldo.

    4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?

    Minhas primeiras influências nos desenhos vieram por conta da leitura dos gibis (Disney, Ziraldo, entre outros) desde os tempos de criança. Mas com toda a certeza, o diferencial foi o contato com o desenho do Henfil, que passei a ler mais e estudar seus traços, sua abordagem e observação de sua estética bem avançada.

    5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?

    Como homem de esquerda, o Henfil era extremamente preocupado com as questões sociais e as lutas pelos direitos trabalhistas naqueles momentos de plena ditadura nos anos 1970. Por conta disso, a atuação firme dos Sindicatos se fazia necessária. Pelo fato de ser agregador, Henfil conseguiu juntar grandes colegas cartunistas que, através das artes dos cartuns, cartazes, charges e quadrinhos, aumentaram essa atuação na Imprensa Sindical (especialmente pela agência Oboré), Sindicatos e imprensa no geral. As repercussões foram muitas e positivas: a comunicação através do cartum, mostrou sua força.

    6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

    A atuação do Henfil repercutiu muito e muitas entrevistas foram concedidas em todas as mídias. O Henfil (para além do cartum) tinha uma capacidade incrível de comunicação. Foram tantas, muitas e boas que até fica difícil citar a melhor. Ele consegui se tornar popular, pois soube lidar muito bem com isso: levando seu trabalho para a TV e trazendo para o Teatro, além de inúmeras publicações. Na época, eu era chargista do jornal Ultima Hora (do Grupo Folhas) e tive a honra de ser vizinho de página com o Henfil (ele publicava as Cartas ao Primo Figueiredo).

    7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

    Parabéns à Editora Noir por reunir, em livro, as entrevistas sobre o Henfil. Será um documento importante sobre uma figura incrível e marcante do cartum, das artes e das conquistas sociais. Com certeza cada admirador, cada colega, cada amigo, terá muito o que contar desse personagem de uma época marcante para o país.

    8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Homem e Tanga, deu no New York Times?

    Ser multimídia nas circunstâncias da censura e dos perigos da ditadura, não era fácil, mas o Henfil com seu enorme talento, tirava sempre de letra e… de cartum. E para ir adiante com seus inconformismos foi até os States fazer cinema. Uma coisa nada fácil. Não posso mensurar como foi o sucesso de “Tanga deu no New York Times”, mas TV Homem foi marcante, com boa repercussão sobre as abordagens dos temas.

    9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

    Um cara tão brilhante e genial como Henfil, faz muita falta nesse momento horroroso e em tempos de pandemia. Com certeza, sua postura firme e crítica, iria contribuir muito para o debate.

    10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil e ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

    É verdade, infelizmente as novas gerações conhecem pouco mesmo sobre o Henfil. Apesar de todas as exposições, publicações, documentários, livros e do bom trabalho do Insituto Henfil. Louve-se o esforço do filho Ivan Cosenza. Nesse momento de desvalorização da cultura, fica um tanto difícil chegar ao público. Mas acho que cada esforço dos admiradores podem fazer a diferença. De minha parte, como grande fã e até por me inspirado nos traços do Henfil, sempre apresento sua arte aos amigos.

    11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

    O momento que país esta vivenciando certamente é um dos piores da história da Republica. Por conta do negacionismo nas questões de saúde. É certo que a pandemia é universal, mas pelo fato do governo de plantão ter contrariado as questões da ciência, as consequências são desastrosas, com centenas de milhares de vidas perdidas. A luta pela preservação da democracia é questão principal. Certamente a presença do Henfil em tempos assim, faria diferença.

    12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

    Certamente o inconformismo do Henfil falaria mais alto: seu poder de comunicação estaria mais presente em favor da democracia. Novos tempos, novas dificuldades e por outo lado, mais facilidade por conta das redes sociais. As lutas contra a sanha fascista seria um de seus grande motes!

    13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

    Ainda é possível transformar o país, é claro, os desafios estão todos aí. Como um dos fundadores do PT, pelas transformações sociais seu empenho e desafios passaram a ser maiores. Ficou muito marcada a imagem da Graúna (personagem feminina do Henfil) olhando para a frente e exclamando “Tô vendo uma esperança”. Outras criações suas também acabaram por se tansformar em ícones: como a imagem do senador Teotônio Vilela, seu aliado importante nas batalhas políticas. Considerações finais. Tenho um agradecimento eterno ao Henfil, pelo fato dele ter sido meu grande inspirador e estopim para minha carreira de cartunista. Tive a honra de compartilhar alguns momentos pessoais com ele, ser seu vizinho de página no jornal Última Hora (edição de São Paulo), ser parceiro nas páginas do Folhetim (Folha de S. Paulo) e na Imprensa Sindical, através da Oboré Editorial. Em 1981, por conta do lançamento do livro “Macambúzios e Sorumbáticos” do cartunista Luis Gê, tivemos um encontro muito agradável no bar Espazio Pirandelo, de bom papo e de muitas histórias. O Henfil (com seu gênio indomável), nos faz muita falta.

    (*) CONTATO COM FAUSTO

    faube@uol.com.br https://www.facebook.com/fausto.bergocce

    Fausto Bergocce é natural de Reginópolis (SP), da safra de 1952. Iniciou sua carreira de cartunista em 1974 no jornal Guaru-News (depois Folha Metropolitana e Metro-News), como caricaturista e ilustrador. Em 1976, foi atuar na imprensa de São Paulo nos jornais Última Hora, Folha de S. Paulo, O São Paulo (jornal da Cúria Metropolitana), Diário Popular, Diário de S.Paulo, Imprensa Sindical (em especial na Oboré Editorial, onde produziu o Gibi do trabalhador com a Laerte), entre outros. No ano 2000, produziu para a Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo, o painel de 200 anos do Jardim da Luz. Premio HQ Mix como melhor livro de caricaturas pela edição do “Sem Perder a Linha”. Na TV Cultura, produziu charges animadas para os programas Vídeo Esporte e Jornal 60 Minutos. Como cartunista free lancer mantém atuação em palestras, exposições, publicações nas redes sociais e outros projetos. Fausto é autor de 14 livros.

    https://www.editoracriativo.com.br/produtos/exibir/187/fausto-bergocce-sketchbook-custom#.YbzJNpLP3IU