O Troféu Angelo Agostini acontece desde 1985 e tem sua origem ligada ao reconhecimento do trabalho dos Mestres do Quadrinho brasileiro (tendo premiado Jayme Cortez, Messias de Mello, Rodolfo Zalla e Eugenio Colonnese) e a partir de 86, foi enriquecido com as categorias melhor lançamento, melhor roteirista e melhor desenhista de Quadrinhos. Era a tentativa de reconhecer os produtores da Nona Arte, premiando os Mestres Gedeone Malagola, Nico Rosso e Júlio Shimamoto, as revistas Chiclete com Banana (Circo Editorial) e Medo (Press Editorial), o roteirista Júlio Emílio Braz e o desenhista Watson Portela.
O Troféu Ângelo Agostini foi criado em uma época em que começávamos a respirar um ar de abertura política, de esperanças no futuro e que o pior da nossa recente história já houvesse passado. Antes passamos por uma Ditadura civil-militar que prendia, torturava, matava, corrompia e censurava a imprensa, enquanto a corrupção ocorria sem denúncias. Passamos por uma linda campanha popular, com a participação de chargistas e quadrinhistas, na luta por Democracia e Diretas Já, culminando com o grande boneco de Teotônio Vilela e dezenas de charges em placas nas manifestações de rua, cada vez maiores.
Passamos pela morte de Tancredo e presidência de Sarney, com os escândalos da ferrovia Norte-Sul, remarcação de preços, inflação galopante e seus planos econômicos como o Cruzado I (que impulsionou o mercado editorial brasileiro) e o Cruzado II (cuja crise detonou com este mercado promissor). Passamos pelas camisetas provocadoras de Collor (o falso caçador de marajás), denúncias de corrupção, fiat Elba, cachoeira na Casa da Dinda e de um processo de impeachment que teve grande apelo popular e participação dos caras-pintadas. Passamos pelo Plano Real, estabilização da economia financeira, dois governos de FHC que ajudaram os bancos e muitas privatizações de grandes empresas como Telebrás, Siderúrgica de Volta Redonda e Vale do Rio Doce, todas ao preço de banana e ao custo do emprego do brasileiro.
Passamos por Lula, alto investimento em políticas sociais, pleno emprego, fortalecimento da empresa nacional (que deixou de vender matéria prima para vender produtos industrializados, um desenvolvimento que não se via desde os tempos de JK), mas ao custo de relações promíscuas e corruptas com grandes empresas de construção que envolveram gigantes como a Petrobrás. Passamos por Dilma, que investiu mais no PAC, Mais Médicos e em políticas sociais, mas tropeçou na falta de inve$timento na base congressista e foi denunciada e impeachmada por pedaladas fiscais, que em seguida foram legalizadas pelo mesmo Congresso.
Passamos pelo vampiro #ForaTemer que destruiu o sonho da aposentadoria do trabalhador brasileiro, mas recheou a aposentadoria de Michelzinho. Finalmente estamos passando pelo governo que mais atacou, trucidou e destruiu Educação, Cultura, Saúde e Moradia. Aquele que faz flexão de cabeça, diz que tem físico de atleta, defende torturador, reconhece que é racista, machista e que “o coronga não passa de uma gripezinha”, quem pega é “só jornalista bundão” a quem ameaça “encher a boca de porrada” se perguntar porque a primeira-dama recebeu 89 mil do Queiroz.
Pois bem, em nenhum destes 35 anos passamos por uma catástrofe da magnitude desta Pandemia de Covid19, nem de um governo que, intencionalmente ou por pura incompetência, dá de ombros ao seu combate, pois “todo mundo morre um dia, talquei?”. O fato é que o Brasil tem hoje mais de 5 milhões de infectados e quase 160 mil mortos. 160 MIL MORTOS. A pandemia teve seu início em março e até dezembro estima-se que seremos 200 mil mortos. A Guerra do Vietnã durou 20 anos e teve 240 mil mortos, entre vietnamitas e norte-americanos.
Os estados brasileiros tentaram mal e porcamente declarar quarentena, praticar o distanciamento social, uso de máscaras e álcool em gel (tendo o presidente como o mau-exemplo-mor, que refuta o uso de máscara a todo instante). Hospitais de campanha foram montados às pressas, mas o que se viu em vários estados foram UTIs de menos e esquemas de corrupção envolvendo tudo, da compra de máscaras a respiradores. Caricaturistas, ilustradores, animadores, professores e quadrinhistas se encolheram ainda mais em suas casas-estúdios, trabalhando e ensinando à distância, pedindo suas compras on-line com delivery em casa.
E o Troféu Angelo Agostini que iria acontecer em junho no Memorial da América Latina foi suspenso, bem como TODAS as atividades culturais em escolas, museus, bibliotecas, livrarias e centros culturais. Ficamos todos em suspenso, flutuando em ambientes sem gravidade, sem acreditar nisso tudo que estava acontecendo: um vírus que se assemelhava à peste negra medieval (dizimou entre 75 e 200 milhões de habitantes da Eurásia em 4 anos) ou da gripe espanhola (dizimou entre 17 e 50 milhões de pessoas em 3 anos).
Mas toda a produção do ano de 2019 foi registrada em eventos maravilhosos de norte a sul, leste a oeste do país e isso precisa ser noticiado, premiado e celebrado. Por isso, apesar do atraso, apesar da pandemia, apesar do isolamento, apesar dos que não se isolam e colocam os outros em risco, apesar do desânimo geral, apesar do desemprego que aumentou, apesar do auxílio emergencial que veio pouco e foi desviado para militares que recebem salários, de ricos que pediram e receberam… nós vamos fazer a premiação este ano, festejar o quadrinho nacional porque quadrinho é arte e arte é vida, aonde há vida há resistência, há fome e sede de liberdade, de democracia, de esperança num mundo melhor.
O nosso papel de artistas é lutar bravamente contra o obscurantismo, fazer despertar em cada um daqueles que lêem nossas histórias a esperança, o desejo de um mundo onde haja justiça social, liberdade de expressão, paz e muito amor, amor em forma de arte, de desenho, de vida. Por isso a nossa premiação de 2020 será de forma virtual, a uma distância segura, sem exposição de charges e quadrinhos nem a nossa exposição, sem troféu na mão, abraço apertado, aplausos dos presentes, nem homenagem aos que nos deixaram. Sem vírus, mas com muita esperança e vida!
O cartunista carioca, criador da Turma do Lambe-Lambe, Daniel Azulay teve covid19 e não resistiu. O cearense Arievaldo Vianna também nos deixou, além de Praxedes (o Bispo Xinês da Banda Excomungados), Williandi Albuquerque, Emanoel Amaral, Carlos Roberto Brandino da Silva, Ramsés Helenos, Paulo Cesar Santos, Bruno Liberati, Rodrigo Belato, Harald Stricker, Felipe Morcelli, Carlos Alberto Pereira, Joás Dias de Lima (o nosso Jodil), Zaé Junior… Devem estar se encontrando com Uderzo e Quino em algum lugar destas galáxias, para desenhar com as cores de algum rabo de cometa. É a vida e as peças que ela nos prega.
Sobre as novidades do Troféu Angelo Agostini, em breve enviaremos notícias.