1. Como você conheceu o trabalho do Henfil? Lembra da ocasião?
Eu não consigo dizer, precisamente, onde e quando eu vi pela primeira vez um desenho do Henfil. Ali na virada dos anos 70 pra 80, eu adolescente comecei a me interessar muito pelos cartuns que eu via nos jornais. Recortava tudo e guardava em cadernos. Também comecei a ir atrás de revistas. Foi assim que eu conheci mesmo toda aquela turma de cartunistas da época e a geração imediatamente anterior, do Pasquim. Henfil veio nessa onda. Tudo aquilo foi pra mim muito impactante, ao ponto de eu resolver que queria fazer também. Agora, na minha memória afetiva, o que mais me marcou com relação ao Henfil foi ver os desenhos dele iconicamente ligados à toda aquela luta pelo fim da ditadura empresarial-militar, por eleições diretas, por uma nova constituição…
2. Qual foi o impacto inicial?
Como eu disse antes, aquelas coisas todas foram fundamentais, fizeram eu decidir o que queria ser…
3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?
Tudo. O traço simples, a linguagem direta. Era um puta jeito de conversar com o povo.
4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?
Sobretudo com relação ao comprometimento político. Me mostrou que o humor gráfico precisa posicionamento, mais do que político em relação à conjuntura, posicionamento e compromisso ideológico. Neutralidade é balela. Eu procuro jamais me afastar desse compromisso.
5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda? E entre seus amigos? Quais eram os comentários das pessoas?
Como eu nasci profissionalmente na imprensa sindical, e meus velhos camaradas de sempre também sempre estiveram ligados nisso, Henfil foi referência pra todo mundo, pra todo esse meu círculo desde aquele tempo.
6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa? Teve alguma que lhe marcou? Porquê?
Acaba que eu vi muita coisa de arquivo, tipo entrevista no Vox Populi da TV Cultura de 78. Assim é impossível não ser marcante, sabendo o que rolava e o que veio depois…
7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?
Ótimo. A gente precisa desses documentos. É a nossa história, nossa como cartunistas e nossa como brasileiros.
8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Home e Tanga, deu no New York Times?
Engraçado essa coisa do multimídia, acho que nem se usava essa expressão naquela época, né? No fundo porque tudo é a mesma obra, muda a plataforma e o jeito de fazer algumas coisas. Talvez hoje o meio seja tratado com mais relevância do que o conteúdo. Henfil foi gênio, andou por qualquer plataforma com maestria.
9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?
Não tem como medir o tamanho dessa falta. Mas tem a obra, absolutamente atual. Não morre nunca.
10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época, o trabalho dele (apesar do enorme esforço do Instituto Henfil, criado pelo filho Ivan Cosenza) ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?
Sim, acho que pode ajudar mesmo. Agora, a geração atual desconhece ou passa ao largo dessa questão da autoria. Eu penso que isso é um problema bem resultado dessa cultura da internet meio terra onde as coisas circulam sem que se dê créditos pra quase nada como se tudo fosse meme. Uma encrenca isso…
11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?
Eu nem gosto de colocar as coisas na forma “o povo não reage”. Isso me soa um tanto elitista. O povo acerta e erra, como sempre foi, muitas vezes por questões práticas, imaginando na ideia vendida como solução para os problemas que tão pegando. Acho que a gente tem de jogar esse jogo, não tem por onde, e não entrar nessa de culpar o pobre quando a coisa sai errada.
12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?
Henfil estaria na luta. Aliás, acho que está de qualquer forma. Afinal ele também deixou legado, armas pra enfrentar essa onda…
13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?
A transformação é sempre a busca. A minha formação é em História, e eu penso a partir de uma visão contemporânea que refuta aquela antiga tradição positivista, linear. A coisa é um grande espiral. Nem se ganha nem se perde definitivamente, se joga sempre no jogo das tensões sociais. A luta não é escolha, é imperativa. A coisa da isenção é totalmente falsa. Nisso o papel da gente pelo humor, pela palavra, pelas ações, enfim, seja como for sempre vai ser parte disso.
(*) Paulo Batista é cartunista. Chargista colaborador do portal Brasil de Fato e do Blog do Menon. Edita e publica desenhos e HQs em livros e zines pelo selo PB Editorial. https://www.facebook.com/artepbatista @paulopbatista no instagram e no twitter.