1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?
Conheci o trabalho do Henfil na faculdade, na aula de jornalismo de revista. O professor estava dando exemplos de posicionamentos políticos em veículos de comunicação através do jornal O Pasquim e O Jornal do Brasil.
2. Qual foi o impacto inicial?
O impacto foi ocasionado pelos traços fortes e provocantes, o humor que chega a ser agressivo mas muito efetivo no contexto político. A ousadia e os personagens marcantes, inclusive o uso de palavrões no texto, essa liberdade desafiadora justamente o combate e de denúncia a ditadura, a elite e despertar essas problemáticas.
3. O que chamou mais atenção: o humor escrito, as gags visuais ou o traço?
Acredito que o maior destaque seja para o traço agressivo, humorístico característico como rebelde que compõem personagens brasileirismos como Cumprido e Baixim. Com um estilo atemporal, personalizado e orgânico junto a uma dimensão gráfica do desenho marcante que está diretamente associado a ele, sem se desvencilhar do artista Henfil.
4. O trabalho do Henfil teve influência direta no seu? Se teve, em que sentido?
O meu trabalho sobre a importância de recursos visuais como a charge e cartum na imprensa sindical e alternativa teve influência direta de trabalhos como do Henfil, da Laerte, do Glauco, do Angeli, o Aroeira e inúmeros outros que democratizaram a informação por meio da ilustração, do humor e da sátira contra a ditadura e abusos da elite com a população, principalmente com os grupos minoritários. Atendendo a necessidade de momentos históricos, promovendo integração social e provocando modificações e diálogos mais do que necessários.
5. Qual foi o impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?
Um dos impactos do Henfil na imprensa sindical por volta da década de 70 e 80 é a sua participação na instituição OBORÉ, ao lado de outros cartunistas que também fundaram esse projeto social de apoio às produções sindicais. Participando também no levantamento de partidos populares, pelos direitos trabalhistas sendo um artista politizado e que sempre se manteve do lado que se identificou e lutou pelo lado certo da história.
6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa? Alguma lhe marcou?
Acho que a entrevista mais marcante para mim, de Henfil, foi a da revista Veja (edição 138 em 28 de abril de 1971) em que, durante a entrevista, o artista relaciona os personagens Cumprido e Baixinho (conhecidos também como Fradinhos) a fases da sua vida, do seu trabalho e criatividade como humor escrito e visual que passou por transformações, a maneira como que ambos foram partes de suas inseguranças e que como o humor se adaptou para se tornar jornalístico.
7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?
Acredito que a iniciativa desta compilação de entrevistas num livro é mais do que necessária. Ilustrar as pautas e pontos de vistas defendidos por Henfil nesses momentos tão interessantes e articulados. O livro da Editora Noir é uma ótima produção para introduzir os leitores na visão desse artista, até mesmo para compreender as problemáticas atuais que são heranças do passado por alguém que viveu no que hoje é a história.
8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Home e Tanga, deu no New York Times?
O filme é uma nítida crítica à situação política da época, trazendo para o audiovisual o humor do cartum acentuando como o conhecimento é poder e a sua capacidade de manipular os sistemas sociais ainda mais por se tratar de um jornal estadunidense. Mesmo não sendo um sucesso de bilheteria durante o lançamento, ainda hoje é um filme que continua com sacadas muito pertinentes, sem falar da proeza de escrever, dirigir e protagonizar o próprio filme.
9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?
O tamanho ocasionado pela falta do Henfil no cenário da comunicação é de um profissional revolucionário, até mesmo contra o próprio editorial, que não se limitava a caixas ou definições. Um artista de multifacetas, personagens e veículos existindo essa real necessidade de se comunicar, transcendendo as histórias em quadrinhos.
10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época, o trabalho dele (apesar do enorme esforço do Instituto Henfil, criado pelo filho Ivan Cosenza) ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?
Eu acredito que aplicar os seus trabalhos e ideais nos dias de hoje, seria uma boa maneira de popularizar o Henfil novamente priorizando o instituto e expondo todas as causas que o mesmo representou, inclusive a luta na prevenção da contaminação pelo vírus HIV. O livro ‘Tô Sick da Vida’ -com toda certeza- vai auxiliar nesse processo de reconhecimento, neste compilado de entrevistas reunidas pelo Gonçalo Jr que vai introduzir para as novas gerações a personalidade e essência do artista.
11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?
Como diria a personagem Graúna “Que país foi esse?” Nos recordamos de movimentos como as Diretas Já, os caras pintadas, as manifestações sobre os preços das passagens do transporte público. Essas revoltas populares marcantes parece que se perderam entre tanto descaso e desgaste por parte da população, mas nas circunstâncias atuais, como os ataques à democracia, está mais do que na hora de uma mobilização e principalmente que compreenda que essas segregações só servem para enfraquecer a força do poder público.
12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?
Certeza que estaria do lado certo da história novamente, agindo contra as opressões e atos de crime contra a democracia junto das mobilizações e movimentos antifascistas. Influenciando nos diálogos sobre essas problemáticas, que muitas pessoas ainda insistem que são assuntos indiscutíveis sobre a velha percepção de que política, religião e futebol não se discutem… e sabemos muito bem que não é assim que funciona na vida real.
13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?
Acredito que ainda seja possível realizar transformações nesse país, mas no cenário atual por mais que uma mudança radical fosse o ideal, as modificações progressistas e duradouras podem ser o caminho a ser trilhado até esse ato revolucionário. O humor sem dúvida é uma ferramenta fundamental para essa transição, ainda mais neste momento que a comunicação é tão visual como os memes (que são praticamente um vocabulário à parte da língua portuguesa) e por esse apelo tão grande com os jovens, que são ainda grande esperança para o futuro.
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(*) Ester Raquel é estudante de jornalismo na Universidade Cruzeiro do Sul (SP).
Quadrinhos e charges fizeram parte da alfabetização de Ester Raquel e foram o início de sua relação com os jornais. Seu trabalho de TCC enfoca a imprensa sindical, a trajetória da cartunista Laerte Coutinho e suas percepções sociais e políticas nos 40 anos de publicação na imprensa tradicional e alternativa.