Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente.
1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?
Conheci Henfil pela imprensa alternativa: Pasquim e Jornal Movimento. Eu fazia parte da JOC (Juventude Operária Católica). Além de Henfil, conheci Millôr Fernandes e outros comentaristas políticos que eram lidos por nossa turma no bairro. A Folha de São Paulo tinha um encarte no final de semana com cartuns de Laerte, Jota, Angeli e Glauco. Pois foi na grande imprensa que descobrimos o valor da imprensa alternativa, que falava a nossa voz e tinha um ponto de vista menos tendencioso ou censurado. Começamos a selecionar e analisar quais seriam estas publicações e passamos também a acompanhar as músicas com o maior apelo popular e engajamento com os anseios do povo. Dentre os cantores figuravam: Raul Seixas, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Betânia, João do Vale, Elis Regina, Milton Nascimento, o nosso “Clube da Esquina”. Nós éramos jovens da classe operária, de movimentos de base, do mundo do trabalho, militantes da JEC (estudantil), JOC (operária), JUC (universitária), pastorais, alguns movimentos sociais e estudantis. Neste horizonte é que conhecemos Henfil e seus personagens. Além da Graúna, Rango, Mafalda, Bob Cuspe. Para aquisição de discos e folhetins alternativos deste tipo, o nosso coletivo se cotizava. A gente fazia a famosa vaquinha. De posse destas HQs e jornais alternativos toca passar de mão em mão estas leituras, pra todo mundo discutir e comentar as últimas publicações. Era o assunto principal de pauta das nossas reuniões de “revisão de vida”, movidas pelo tripé: ver, julgar e agir.
2. Foi assim que os Quadrinhos politizados foram parar nas suas mãos?
Sim! Foi aí que pus as mãos nos gibizinhos: Fradins, Rango, Mafalda e outros. Como eu compunha o grupo de formação, tinha acesso a outros periódicos (até estrangeiros). Na medida do possível, a gente reproduzia dúzias de cópias de livros em mimeógrafos pra ampliar e agilizar a leitura no grupo, como o Pequeno Príncipe Príncipe, por exemplo. Só não reproduzimos “Guerra e Paz” de Tolstoi, nem “Casa grande e senzala”, mas a gente elaborava esboços. Nós tínhamos nossa logística: mimeógrafos a álcool, cópias sofisticadas em papel stencil e imprimíamos até em offset folhetos com cantos para a igreja, apostilas de formação para catequese. Assim que o adolescente terminava a catequese entrava em um grupo mais reflexivo, depois para a JOC e pra JEC era um pulo. Acima disso estavam as Pastorais e a Ação Operária. Já os grupos mais politizados eram uma opção de cada um.
E antes, como foram seus primeiros contatos com os gibis? Como começou a desenhar?
Quando criança tinha hábitos de todo garoto: soltar pipa, colecionar figurinhas, jogar bolinhas de gude e ler gibis infantis, como Tio Patinhas. Quando adolescente conheci os ‘catecismos’ em Quadrinhos do Carlos Zéfiro. E trocava até meu estilingue para adquirir gibi do Batman, Superhomem, Tio Patinhas. Na escola eu desenhava em todos os cadernos e nos livros. Criei alguns heróis que foram até copiados pela Marvel: o Super Zum (virou o tal do Flash super rápido) e o Homem-Borracha (virou o tal Mr. Fantástico, chefe do Quarteto Fantástico). O problema de ser pobre foi sempre esse, o de não poder registrar o que você faz. Aí vem o estrangeiro copia o que você fez e nem você pode mais desenhar seu personagem. Isso acontece até hoje, com a extração e utilização de plantas legítimas do Amazonas, até com nossa borracha e o café brasileiro.
3. E como essa formação militante se aplicava na macro-política?
Muitos militantes mais tarde participaram em 1983 da formação da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Conclat (Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora que depois mudou de nome para CGT), da Força Sindical e até de quadros de direção do PT, PCdoB e outros partidos de esquerda. Mas, nesta altura eu era só a liderança de um dos grupos de jovens do bairro que integrava a JEC e JOC. Estas publicações, que citei antes, passaram a compor a nossa pauta de informação e formação. Nesta época cheguei a entrar em contato com o Henfil, expus a opinião do nosso grupo sobre seu trabalho e a importância dos problemas abordados por seus personagens, conhecidos e queridos por todos no nosso meio.
4. E a repressão?
Nessa época atravessavamos uma “caça às bruxas” semelhante à que se fazia nos EUA, com o Macarthismo. Sabíamos das prisões efetuadas por lá, em todas as áreas, até nos Estúdios da Disney. Consecutivamente, isso nos proporcionou muita raiva e ódio dos personagens da Disney e grande decepção pessoal, porque eu começava a endeusar o “papai Walt Disney”. Uma ilusão. Toda essa farsa caiu depois das mentirosas acusações de comunismo a algumas pessoas de lá. Eu fazia um programa da Pastoral Operária na rádio da Diocese Católica de São Paulo, quando a Rádio foi invadida pela polícia e ocorreu minha prisão. Tanto a rádio quanto o jornal São Paulo não puderam publicar notícias de meu sequestro, prisão e tortura. Eram censurados pela ditadura militar, obrigados a substituir muitos artigos por receitas de bolo e poesias.
5. E foi aí que você escreveu pra revista do Fradim?
Sim, e a situação que descrevi de perseguição explica porque enviei a carta e pedi que fosse anônima. Por isso na revista do Fradim ele mudou meu nome, pra que eu não fosse investigado pelos órgãos de segurança e repressão. Nessa época comecei a assinar minhas charges com vários pseudônimos: Deda, Éton, Magnólia e outros. Contei que, além de operário, era chargista com publicação na Pastoral Operária e na Frente Nacional do Trabalho (FNT); que fazia apostilas, cadernos e cartilhas de formação para os sindicatos, movimentos de base, etc. Esta história tá contada em detalhes nas entrevistas que dei pro site Bigorna. Aqui: https://www.bigorna.net/index.php?secao=birazine&id=1172028015 E aqui: https://www.bigorna.net/index.php?secao=birazine&id=1242011127
Segue a íntegra da carta anônima ao Henfil:
Henfil, faço aniversario amanhã. Gostaria de poder criticar seu trabalho, no sentido de troca de ideia. Mas talvez não seja possível, trabalho na fábrica, estudo no Senai à noite e faço desenho pra um jornalzinho da FNT. Sobra pouco tempo. A ideia de te escrever veio porque, sei lá, eu senti que você penetrou aqui no meio da roda e tá presente no papo, tá se arriscando pela gente da fábrica e, no fim de tudo, me desanimo ao ver o povo falando em Elvis Presley, um filho da p. que não contribuiu em nada para com o interesse de todo esse pessoal aqui do bairro, que tá chorando por ele, pra essa moçada toda da fábrica. Pô, caceta, você taí já há um tempo se f… pelo interesse dum bem estar da gente, teve aí doente, ninguém no rádio, na tevê falou nada, não acompanhou, não chorou e mesmo assim tava aí gritando contra e a favor dos nossos dramas. E… Então sinto que é necessário apoiar, dizer que à medida que o operário deixar de ser boi na boiada, ele estará dando apoio a quem tá se solidarizando com a luta da gente. Vendo a diferença entre Chico e Elvis. Graúna, Fradins e Tio Patinhas. Queria mencionar o quanto achei bom você ter num Fradim aí mostrado a questão da mulher na sociedade. Isso é importante. A ideia sobre ‘sexo’. Uma nova concepção da Mulher, da moral sexual, vejo importância nesse assunto, pois se torna uma mudança parcial, se mudar um sistema de vida e se manter uma visão burguesa, em termo de sexo e da mulher. É bem fácil a gene conduzir uma coisa e esquecer da outra, marginalizando a mulher. Ela que na luta por uma mudança de situação, às vezes dá mais de si do que a gente. E acho muito interessante de muita gente não sentir essa ‘coisa’. Gostei de ver a resposta que você deu a um leitor que perguntou sobre o desenho. E você incentivou a criatividade, fugir das regras e coisas como “na escola de desenho se aprende somente a mexer com tinta e misturar cores”, a coisa mais importante tá dentro do cara. Mais uma vez feicito você pela luta que você tá tendo para não afundar, para sobreviver, a gente contribui do lado da gente, na fábrica, no bairro. Conversando com o pessoal que curte ‘rock’ e que tá se f… aí com o salário mínimo. A gente tá passando a revistinha e consultando o que o pessoal acha. Incentivando a compra, a importância do assunto tratado, tudo isso ajuda a clarear a visão da gente. As vezes, uma mesma revista faz um longo percurso, pois a gente às vezes não tem grana pra comprar, aí a gente reveza, um compra um mês, outro compra noutro. E não é como o Estadão e outras revistas que vão parar na privada, o seu Fradim tem sempre uma pessoa que não eu. O assunto nunca é velho e enquanto tivermos um salário de fome, um sindicato atrelado, vamos sempre tentar acompanhar pea imprensa nanica que tenta trazer os fatos até à tona com uma visão mais crítica sobre a atualidade. Espero não ter enrolado tanto a coisa que quis colocar procê. Tamos acompanhando suas histórias que vai ajudar a mudar a história. Incentivar o povo a ver que ele é o fator de mudança, o homem novo vai surgir depois que a gente souber ver, criticar, se definir, recusar e um monte de coisa assim que a gente só vem a descobrir fugindo das falsas mensagens da escola, televisão, que estão a serviço de quem quer desarticular a gente. Vai firme! Levantando a saia dessa turma toda. A gente tá na tua!
RESPOSTA DO HENFIL
Bão. Primeiro, já que você não pode colocar seu nome pra não sofrer represálias na fábrica, vou te dar um nome, Osvaldo, por exemplo. Osvaldo, quando um operário me escreve, tenho que confessar, fico numa emoção imensa. Talvez surpreso de ver operários lendo a revista. E aí vem uma coisa que queria chamar atenção da maioria dos leitores do Fradim, que são, acho, na maioria, estudantes e profissionais liberais. Notaram como tem operários conscientes? Sim, porque a ideia geral é bem paternalista em relação aos nossos operários. Pobres coitados, analfabetos, buchas de canhão e coitadinhos que se nós, a elite intelectual, não os proteger e os defender, serão usados e abusados feito bananas. Eu já tinha observado isto vendo a nova liderança sindical (como o Lula, do sindicato dos metalurgicos de São Bernardo) e principalmente conferindo os resultados das últimas eleições nos distritos operários. Eles sabem o que querem e dispensam a liderança messiânica da vanguarda intelectual. Há um novo operário brasileiro. E anotem: não é à toa que os sindicatos permanecem sob intervenção direta do governo. O governo, mais que nós, já descobriu, antes de nós, o alto grau da consciencia do novo operário brasileiro. Tanto que não estão dispostos a arriscar… Osvaldo, mais que os indices de vendagem da revista, uma carta de apoio como a tua me dá fogo no rabo pra criar mais e melhor. Fico agora mais cheio de cuidados ao saber que têm operários observando o meu trabalho. E numa alegria enorme quando vocês batem palmas para mim. Porque sei que vocês, quando aplaudem, não aplaudem por modismo, por grupo, que vocês não têm dessas sofisticações, não. Aplaudem aprovando. Essa é a maior gratificação que posso ter com meu trabalho: ver vocês me identificando como um dos “seus”. Tento provar em todos os meus desenhos e textos exatamente isto: que me identifico, me solidarizo com os que trabalham. Que sou pelo trabalho contra o capital. Pela tua carta veio o meu reconhecimento como um “dos nossos”. Parece bobagem, frescura, mas faz um bem… Me permitam, tô orgulhoso de mim. E mais não falo pra não quebrar o encanto.
FRADIM nº24 – Julho/1978
7. E a repercussão da carta?
Depois que Henfil respondeu minha carta, não demorou muito, fui preso pelo Doi-Codi. Era o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna. Mais um órgão nefasto do Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante a ditadura que se seguiu ao golpe militar de 1964. Fui torturado barbaramente como se fazia por lá, como se eles dissessem: ninguém sai daqui de graça! E prometeram pegar meus amigos. Nunca voltei para a comunidade depois disso. Virou uma rotina de gato e rato, só ia para ambientes com muita gente, nunça dormia no mesmo lugar. Um sufoco! Nesse ínterim a Oboré me convidou pra fazer parte do grupo. Era uma organização de jornais alternativos que publicava materiais de Henfil, Laerte, Paulo Caruso, Angeli, Glauco, Nilson e outros cartunistas. Não me fiz de rogado. Aceitei de pronto. Tinha uma família pra sustentar: mulher e filha. Não achei mais serviço na indústria, ninguém contratava ‘subversivos’ e nem podia. Lá na Oboré, Henfil propôs a cotização entre eles para me pagar um salário mínimo. O Serjão, coordenador do grupo, achou melhor que eu recebesse pelas charges feitas (como os outros cartunistas). Assim, passei a ilustrar inúmeros periódicos juntamente com Henfil é outras figuras famosas, jornalistas do traço, como se diz.
8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Home e Tanga, deu no New York Times?
Henfil, sem dúvida, era aquele artista de muitas mãos, parecia aquela deusa indiana azul, a Kali, mãe destruidora com dez braços. Lembrava Leonardo da Vinci contratado por reis e príncipes para fazer canhões, paraquedas, rolamentos para esteiras de tanques blindados, asa-delta, submarinos, batiscafos, helicópteros, tantas ideias… muitas nem saíram dos papéis. Se o artista não tiver ideia é só viajar no tempo. No interior do Brasil, da América-latina, da África, do Vietnã têm muitos camponeses com ideias brilhantes. Dizem que Deus deu ao homem sabedoria para se desenvolver e evoluir mas, as vezes, nós criamos nossos grilhões, argumentos que atrasam, represálias ao pensamento, auto-censura na criatividade e invenção. Se o ser humano encontrar terreno fértil, vai evoluir. Quando as mulheres são oprimidas com base em princípios machistas, elas não dirigem, não se emancipam com medo de quebrar as regras. Quando mulheres e negros não votam em si próprios é uma forma de controle de raça e gênero. Assim controlam as maiorias e as minorias.
9. Qual o legado de Henfil na Charge Sindical?
Na imprensa sindical o Henfil deixou seguidores: Laerte, Vargas, Nilson, Bira, eu outros tantos. E deixou caminhos a seguir. Henfil era uma mão na roda pros sindicalistas, colcoava aquela discussão em tiras, em poucos quadros, de fácil compreensão, sempre com uma pintada de humor. Ele traduzia uma ideia sempre com muitos desenhos e poucas palavras, ou com muito humor e poucas confusões de ideias. O uso de fotos e desenhos é o melhor remédio para textos prolixos de jornais sindicais, ou pra todos. O humor de Henfil é impagável, é ideológico sem ser panfletário, embora esteja compromissado com mudanças, é revolucionário sem ser chato. Este é um desafio posto a todos artistas que queiram sair do lugar comum.
10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época, o trabalho dele ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?
Esse livro da Editora Noir e tudo o que se mostra dele ajuda pacas, a homenagem que eu e a Marilia Andrade fizemos (a ilustração que ilustra a entrevista foi estampada no jornal Gazeta de Pinheiros em 1988), essa homenagem na época, valeu para aquela geração: uma lenda e um crédito pra Marilia e a gazeta de Pinheiros. Achei muito bom na época, porque os dois (Chaplin e Henfil) são artistas à frente de sua geração, abriram caminho para os outros irem atrás, acho que de vez em quando, de quando em vez, aparece uma luz no fim do túnel (não é sempre) abrindo passagem como uma lamparina, para os outros irem seguindo atrás. Atrás de Henfil, o nosso lampião, foi muito chargista. Ele deixou um legado, tornou um cangaceiro famoso, um lampião também da caatinga chamada Brasil, onde não há justiça e o cabra precisa agir por diversas vezes fora da lei, para fazer valer a voz dos oprimidos. Assim foi Henfil, a voz de todos que não tinham voz. Engraçado, irreverente e contundente nas críticas ao status quo do regime militarista implantado e sua tirania, é o que eu tenho pra dizer.
11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda?
Existe na Índia sociedade estamental milenar, uma sociedade de castas. Na sociedade capitalista usam adjetivos como “mérito”, #meritocracia”. São palavras diferentes para culturas idênticas: a de cercear pessoas, Sofremos isso na infância, nas estatais, em todos setores da sociedade humana. Com base nisto, filho e filha de pobre só vai ser operário, esposa comportada. No Colégio Católico ‘de padres’ onde passei a adolescência, fui violentamente reprimido ao demonstrar minhas aptidões para o desenho e a arte. Mesmo assim, se tinha teatro eu tava lá, se tinha História eu é que contava, o cineminha do orfanato que reuniu dezenas de crianças eu que fazia (com caixa de sapatos uma lâmpada dentro e um rolo do dois lápis, uma fita de desenho em papel fino) e projetava na parede. Era praticamente um slide arcaico. No teatrinho, eu fazia o roteiro é ensaiava as crianças para exibição para alunos, padres e freiras. Mesmo assim réguas foram inúmeras vezes quebradas na minha cabeça, por insistir desenhar e preparar estes espetáculos na sala de aula, não podíam admitir a ideia de um orfanato produzir artista, tinha que ser torneiro mecânico ou pedreiro. E eu queria mais. Se o pessoal formava grupos, eu era punido por isso. Isso não acabou. O Brasil continua ‘sick’ da vida.
12. Como é lembrar, falar de Henfil?
Escrever sobre Henfil é SEMPRE bom. O que somos agora, dependeu dele, ele ajudou a forjar a resistência dos nossos movimentos de base. Não acredito em um nonagésimo de milímetro que esta mania de Mangás (que tem a nossa adolescência) contribua de alguma forma pra porra nenhuma. Me apresentem, pelo amor de Deus, um Mangá ou alguma m… da Marvel que esteja engajada com alguma coisa que não seja seus lucros ou país de origem. Eu lembro do Tintim, personagem famoso da Europa, ele era racista, como seu criador Hergé. Já Asterix, o Gaulês (de Goscinny e Uderzo) ainda era uma resistência contra o colonialismo Romano, às vezes romantizando essa relação de escravidão. Como a Carmen Miranda com o samba, carnaval e favela. Tipoa música que cantava ‘Amélia que era mulher de verdade’. Se o povo prefere o Halloween ao Saci-Pererê, Caiporas, Boitatá, Bode Orelana, Graúna… o povo não tem nada. É cultura alienígena enfiada guela abaixo. Lembrar de Henfil é criar raízes, sem elas, caímos com o primeiro pé de vento. Pois ele era artista das nove artes…
1) Arquitetura – Espaço (Henfil arquitetava e diagramava suas páginas, seus cenários, espaços urbanos e sertanejos). 2) Escultura – Forma (ele esculpia seus personagens com a cara do povo que ele via nas ruas, nos trens nos ônibus, nos estádios). 3) Pintura – Cor (mesmo no preto e branco, seus desenhos tinham as cores da vida e da morte). 4) Música – Som (a musicalidade está expressa nas onomatopéias, nos gritos, nas exclamações dos grandes centros e nos silêncios da caatinga, nos choros silenciosos). 5) Dança – Movimento (o que falar de personagens que correm com cobrinhas nos pés, da animação dos personagens, no gestual das mãos e das expressões faciais que falavam tudo). 6) Poesia – Palavra (textos cuidados com esmero do poeta que quer dizer mais do que as palavras, que extrapola o racional, que voa o vôo solitário da negra graúna). 7) Cinema – Elemento formador (não só usou e abusou da telinha e da telona, como desenvolveu o elemento de formação de caráter, de ética e dignidade de lutar pelo povo sonhador). 8)Fotografia – Imagem (cada foto das cartas da mãe, cada foto com seu sorriso largo e olhar doce). 9) Historia em quadrinhos – Cor, palavra, imagem (brincou com cada uma dessas possibilidades, unindo-as de forma esplendorosa). Ficaram de fora, por falta do tempo avançar mais rápido e chegar lá com ele ainda vivo, apenas duas artes: 10) Video Games – Integração dos elementos de outras artes) e 11) Arte digital – Artes gráficas integradas ao computador e programas 2D, 3D).
13. Henfil se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical?
No bairro onde morei, depois da missa no fim de semana, os paroquianos tinha entretenimento garantido.. Eu escrevia roteiros e montava peças teatrais por lá. Fui criando o costume do cidadão pobre querer assistir e discutir com atores o trabalho teatral. Trouxemos outros grupos para apresentação de teatro, como o Grupo União e Olho Vivo. Eles falavam da história do Brasil e cultura popular, com danças folclóricas, capoeira, etc. Isso era sonho sendo realizado. Apesar de toda repressão que sofri, sonhar ainda me era permitido. Lembro de quando Charles Chaplin pode escolher um país pra viver, ao ser expulso dos EUA, escolheu outra nação: a Suíça, pois na Inglaterra (seu país de origem) foi apenas um órfão desamparado. Henfil era um sonhador. E mestre do roteiro, traço, arte cênica. Motivos para desistir tivemos muitos: censura, dificuldade logística, falta de dinheiro, perseguição. O próprio Henfil dizia ter recebido proposta milionária no exterior, mas preferiu trabalhar no Brasil em um arriscado projeto de cultura popular e de resistência popular. Ele foi, antes de tudo, um pioneiro no sentido de abrir caminhos com irreverência e ousadia. Estes são os adjetivos que nos ajudam a conhecer quem foi o artista e ser humano Henfil, quem foi o amigo e companheiro Henfil.
CONTATO COM ÉTON
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Éton (Edson Dias) foi cartunista do Jornal da FNT (Federação Nacional do Transporte), da Oboré, fez HQs pra revista Alô Mundo, chargista do Sindicato dos Bancários, Gazeta de Pinheiros, ilustrou com Bira Dantas Cartilha Direitos do Preso para a Pastoral Carcerária e As Tramas da Comunicação, de Regina Festa. Ilustrou como free-lancer para dezenas de Sindicatos, Oposições Sindicais, Centrais de Educação Popular – como Centro Pastoral Vergueiro e Sedes Sapientiae. Foi cartunista do Sindicato dos Condutores e do jornal Hora do Povo.