Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil
1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?
A primeira vez que tive contato com o trabalho do Henfil, foi de uma maneira um tanto especial, como um estopim, para o começo de minha carreira. No ano de 1972, aconteceu algo incrível. Eu trabalhava no jornal Diário de Guarulhos (um tabloide de 4 e às vezes 8 páginas), uma espécie de Diário Oficial da cidade, embora não fosse. O jornal era produzido na base do clichê (nas fotos e artes) e chumbo (nos linotipos). Foi meu primeiro emprego. Fui contratado para ser desenhista, mas como não havia espaço para isso, acabei sendo um “faz tudo” na redação. Em um desses compromissos, de levar foto e desenho para virar clichê, fui até a na Clichearia Guarani (que ficava na Rua Três Rios, no Bom Retiro, em São Paulo), que acabei me deparando com um desenho do Henfil: um desenho simples, de um cara com um porrete, correndo atrás de um monte de gente. Bem simples: estilo Henfil.
2. Qual foi o impacto inicial?
Foi o estopim que faltava para meu desejo e oportunidade de virar cartunista. Isso acabou se realizando a partir de 1974, em um outro jornal da cidade, o Guaru-News, já com uma pegada mais profissional, com uma boa equipe. Logo em seguida, conheci o O Pasquim, com o Henfil e outros grandes nomes do desenho de humor: Jaguar, Fortuna, Millôr, Ziraldo, Cláudius… daí, aconteceu a grande guinada. Fui aprendendo de tudo, aos poucos, com a força dos amigos já profissionais, consagrados na redação do Guaru-News.
3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?
O impacto inicial foi como explosão! Apesar de ser uma reprodução muito simples, me impressionou muito a estética e o grafismo do Henfil. Depois disso, passei a procurar e curtir tudo do Henfil, inclusive no O Pasquim. Entre todos os grandes do jornal, já conhecia o trabalho do Ziraldo, por conta da leitura da ” Turma do Pererê”, quando eu era criança em minha cidade natal, Reginópolis ( SP ). Foi também muito importante para minha formação de cartunista, esse reencontro com o Ziraldo.
4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?
Minhas primeiras influências nos desenhos vieram por conta da leitura dos gibis (Disney, Ziraldo, entre outros) desde os tempos de criança. Mas com toda a certeza, o diferencial foi o contato com o desenho do Henfil, que passei a ler mais e estudar seus traços, sua abordagem e observação de sua estética bem avançada.
5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?
Como homem de esquerda, o Henfil era extremamente preocupado com as questões sociais e as lutas pelos direitos trabalhistas naqueles momentos de plena ditadura nos anos 1970. Por conta disso, a atuação firme dos Sindicatos se fazia necessária. Pelo fato de ser agregador, Henfil conseguiu juntar grandes colegas cartunistas que, através das artes dos cartuns, cartazes, charges e quadrinhos, aumentaram essa atuação na Imprensa Sindical (especialmente pela agência Oboré), Sindicatos e imprensa no geral. As repercussões foram muitas e positivas: a comunicação através do cartum, mostrou sua força.
6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?
A atuação do Henfil repercutiu muito e muitas entrevistas foram concedidas em todas as mídias. O Henfil (para além do cartum) tinha uma capacidade incrível de comunicação. Foram tantas, muitas e boas que até fica difícil citar a melhor. Ele consegui se tornar popular, pois soube lidar muito bem com isso: levando seu trabalho para a TV e trazendo para o Teatro, além de inúmeras publicações. Na época, eu era chargista do jornal Ultima Hora (do Grupo Folhas) e tive a honra de ser vizinho de página com o Henfil (ele publicava as Cartas ao Primo Figueiredo).
7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?
Parabéns à Editora Noir por reunir, em livro, as entrevistas sobre o Henfil. Será um documento importante sobre uma figura incrível e marcante do cartum, das artes e das conquistas sociais. Com certeza cada admirador, cada colega, cada amigo, terá muito o que contar desse personagem de uma época marcante para o país.
8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Homem e Tanga, deu no New York Times?
Ser multimídia nas circunstâncias da censura e dos perigos da ditadura, não era fácil, mas o Henfil com seu enorme talento, tirava sempre de letra e… de cartum. E para ir adiante com seus inconformismos foi até os States fazer cinema. Uma coisa nada fácil. Não posso mensurar como foi o sucesso de “Tanga deu no New York Times”, mas TV Homem foi marcante, com boa repercussão sobre as abordagens dos temas.
9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?
Um cara tão brilhante e genial como Henfil, faz muita falta nesse momento horroroso e em tempos de pandemia. Com certeza, sua postura firme e crítica, iria contribuir muito para o debate.
10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil e ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?
É verdade, infelizmente as novas gerações conhecem pouco mesmo sobre o Henfil. Apesar de todas as exposições, publicações, documentários, livros e do bom trabalho do Insituto Henfil. Louve-se o esforço do filho Ivan Cosenza. Nesse momento de desvalorização da cultura, fica um tanto difícil chegar ao público. Mas acho que cada esforço dos admiradores podem fazer a diferença. De minha parte, como grande fã e até por me inspirado nos traços do Henfil, sempre apresento sua arte aos amigos.
11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?
O momento que país esta vivenciando certamente é um dos piores da história da Republica. Por conta do negacionismo nas questões de saúde. É certo que a pandemia é universal, mas pelo fato do governo de plantão ter contrariado as questões da ciência, as consequências são desastrosas, com centenas de milhares de vidas perdidas. A luta pela preservação da democracia é questão principal. Certamente a presença do Henfil em tempos assim, faria diferença.
12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?
Certamente o inconformismo do Henfil falaria mais alto: seu poder de comunicação estaria mais presente em favor da democracia. Novos tempos, novas dificuldades e por outo lado, mais facilidade por conta das redes sociais. As lutas contra a sanha fascista seria um de seus grande motes!
13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?
Ainda é possível transformar o país, é claro, os desafios estão todos aí. Como um dos fundadores do PT, pelas transformações sociais seu empenho e desafios passaram a ser maiores. Ficou muito marcada a imagem da Graúna (personagem feminina do Henfil) olhando para a frente e exclamando “Tô vendo uma esperança”. Outras criações suas também acabaram por se tansformar em ícones: como a imagem do senador Teotônio Vilela, seu aliado importante nas batalhas políticas. Considerações finais. Tenho um agradecimento eterno ao Henfil, pelo fato dele ter sido meu grande inspirador e estopim para minha carreira de cartunista. Tive a honra de compartilhar alguns momentos pessoais com ele, ser seu vizinho de página no jornal Última Hora (edição de São Paulo), ser parceiro nas páginas do Folhetim (Folha de S. Paulo) e na Imprensa Sindical, através da Oboré Editorial. Em 1981, por conta do lançamento do livro “Macambúzios e Sorumbáticos” do cartunista Luis Gê, tivemos um encontro muito agradável no bar Espazio Pirandelo, de bom papo e de muitas histórias. O Henfil (com seu gênio indomável), nos faz muita falta.
(*) CONTATO COM FAUSTO
faube@uol.com.br https://www.facebook.com/fausto.bergocce
Fausto Bergocce é natural de Reginópolis (SP), da safra de 1952. Iniciou sua carreira de cartunista em 1974 no jornal Guaru-News (depois Folha Metropolitana e Metro-News), como caricaturista e ilustrador. Em 1976, foi atuar na imprensa de São Paulo nos jornais Última Hora, Folha de S. Paulo, O São Paulo (jornal da Cúria Metropolitana), Diário Popular, Diário de S.Paulo, Imprensa Sindical (em especial na Oboré Editorial, onde produziu o Gibi do trabalhador com a Laerte), entre outros. No ano 2000, produziu para a Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo, o painel de 200 anos do Jardim da Luz. Premio HQ Mix como melhor livro de caricaturas pela edição do “Sem Perder a Linha”. Na TV Cultura, produziu charges animadas para os programas Vídeo Esporte e Jornal 60 Minutos. Como cartunista free lancer mantém atuação em palestras, exposições, publicações nas redes sociais e outros projetos. Fausto é autor de 14 livros.