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AQC entrevista: Suze Elias sobre Henfil

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Fui aluna, no final da década de 70, de uma escola pública em que o vice-diretor, um professor de Português, era um militar. Ninguém se dirigia a ele como Professor Fulano, era Coronel Fulano. Alguns de nossos professores lecionavam também em uma escola militar. Política não entrava em sala de aula, mesmo com um cenário nacional mais mobilizado pelo retorno dos exilados e com a palavra anistia sendo pronunciada cada vez mais com maior frequência. Pedia-se: “Anistia ampla, geral e irrestrita”. Foi nesse contexto, nas manifestações que começaram a ser mais frequentes, que tínhamos acesso às publicações sempre em papel jornal, e pequenos impressos como cartas abertas, que conheci e comecei a ler o “Pasquim”. Foi dado um exemplar, li e aí conheci o Henfil. Quando possível, comprava-se o Pasquim, bem como publicações independentes em algumas bancas de revistas. E tinha muita publicação bacana em algumas bancas de revistas! As publicações da Editora Codecri, eram encontrados nas bancas. E nesse final da década de 70 e início dos 80, muitas bancas de revistas sofreram atentados: vandalismo, incêndios, bombas… Não era fácil ler! Quem queria entender o país, lia Henfil

2. Qual foi o impacto inicial?

O traço e o humor do Henfil se confundiam com a luta pela democratização do país, com a crítica à condução da economia que empurrava a população mais pobre para uma situação de miséria absurda. O humor corrosivo nas tiras e charges não nos deixavam indiferentes.

3. O que chamou mais atenção: o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

O traço do Henfil é incrível! É econômico, mas tudo parece estar vivo, em movimento.

4. Seu trabalho teve influência direta em você?

A Arte do Henfil me informou e formou. Ele abraçou a luta pela anistia, as diretas, as greves do ABC… Foi exemplo de uma postura de não entrega, de olhar sempre criticamente para contribuir para a mudança. Entendo que a partir do meu lugar nesse mundo, tanto na minha experiência como professora, quanto agora como bibliotecária, minha consciência está comprometida com um ações que contribuam para um olhar mais crítico para o mundo.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical?

Henfil é um marco, em termos de fontes visuais na história do sindicalismo brasileiro. O sindicalismo desse momento tem forte impacto das charges. Não há como contar a história dos sindicatos, da luta pela democratização sem falar do poder comunicativo da arte do Henfil. Eu conheci e conheço colecionadores das publicações do Henfil. Os Fradinhos, a Graúna, o Bode Orelana, o desenho do Teotônio Vilela, o Ubaldo. A arte do Henfil não é só fonte de informação visual, ela faz parte de momentos de luta para muita gente, tem muita memória afetiva. Eu li todos os Fradins! Um vizinho e compadre: Antônio Augusto Schmidt me emprestou a coleção completa.

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

Eu não me lembro das entrevistas, mas Henfil sempre muito crítico, dava umas esculhambadas bem bacanas! Eu me lembro da expressão “patrulha odara” como resposta à “patrulha ideológica” do Cacá Diegues. Foi um embate que marcou a época.

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Democratizar e manter a memória no Brasil é um grande desafio! É de extrema importância que a Editora Noir consiga reunir o pensamento de uma personalidade que faz parte da história da imprensa no Brasil, em suas múltiplas possibilidades já que Henfil trabalhou em várias publicações periódicas de grande repercussão (jornal, revista, imprensa sindical), foi até para a TV! Henfil é um super personagem da história recente do país, alguém que pôs sua arte a serviço da democratização do país e foi para além do registro das questões de uma sociedade extremamente desigual, sua arte fez a crítica provocando e contaminando positivamente os diálogos. Mas fez isso de maneira tão especial que se pode revisitar suas charges e tiras e ver que muitas são extremamente atuais (infelizmente a política atual voltou para o pior aspecto de nosso passado). A Editora Noir vai nos presentear com fonte histórica! Muitos não conhecem a importância e ou o trabalho do Henfil, é uma forma de fortalecer nossa memória de luta.

8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Homem e Tanga, deu no New York Times?

O lado multimídia do Henfil vou me lembrar muito pouco. Vou me lembrar das tiras, charges e muitos personagens, que eram muito mais próximos de meu universo daquele momento, e das publicações em formato livro. Henfil foi um gênio num país de pouca memória. Acho incrível como ele se apropriou dos principais meios de comunicação à disposição para interagir, criticar e buscar mudanças! Fez uso dos jornais impressos, revistas, tv, cinema, fotografia… Imagino que hoje, o Henfil combativo e polêmico vislumbraria outras formas de ser um “influencer” e teríamos um campo santo enorme, cheio de influencers, celebridades., músicos… Henfil faz falta! Na França há a “Semaine de la Presse et des mídias dans l’Ecole” que atravessa todos os anos escolares com a preocupação do informar-se para compreender o mundo. Acho que é um grande exemplo de projeto em que é possível trabalhar, memória, informação e formação. Projetos em que a memória é posta em relevo devem passar pelas escolas e bibliotecas. Há muito conteúdo bacana nas redes, mas ficam ocultos ou isolados. O instituto Henfil https://www.facebook.com/instituto.henfil tem que fazer um esforço para ser sempre referenciado e tagueado. A articulação com outras instituições será sempre necessária. O livro continua sendo uma forma/ferramenta basilar de fazer circular a informação, são fundamentais para a manutenção da memória.

9. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

O povo está reagindo apontando Lula como nosso presidente nas próximas eleições. Ainda que a retirada de direitos, piora das condições de vida, embacem uma visão de tempos melhores; a movimentação de mulheres, do povo preto, do LGBTQIA+ e outras vozes que estavam silenciadas tem mantido a esperança e impedido um maior retrocesso. Bom sempre lembrar que o movimento pela anistia começou com um grupo de mulheres. O humor gráfico tem elementos que provocam outras formas de ver o mundo, seja pela mordacidade, imaginação ou na forma como trabalha nosso imaginário. São essas múltiplas formas de ver que podem levar à uma mudança, que não sei se será radical. O humor gráfico é parte desse processo.

CONTATO COM SUZE ELIAS

eliassuz.se@gmail.com

É bibliotecária e chefe do setor da Biblioteca Pública Municipal “Professor Ernesto Manoel Zink”. Organizadora da Semana do Quadrinho Nacional de Campinas, organizou uma Gibiteca dentro da Biblioteca Central da cidade e tem promovido exposições, debates, palestras e oficinas sobre Quadrinhos e Charge direcionado a alunos de Campinas.

https://www.facebook.com/suze.elias

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