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AQC ENTREVISTA: TRILHO (*) SOBRE HENFIL

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Conheci o trabalho do Henfil num sebo aqui em Jundiaí. Tinha uns três números do Fradim, já tinha visto uma ou outra tira no jornal (não me lembro qual) mas foi no sebo que eu me encantei com os desenhos rápidos e soltos, como se o nanquim escorregasse no papel. Isso era diferente de tudo que eu já tinha visto!! Eu já estava aparecendo como cartunista. Tinha ganho o Salão de humor de jundiaí. O ano era 91.

2. Qual foi o impacto inicial?

Vi no desenho do Henfil algo que era mágico, o argumento e a crítica eram mais importantes que o desenho. O desenho só situava o leitor no ambiente seco da caatinga.

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

O que me chamou mais a atenção foi o texto rápido e inteligente, era um soco no estômago, coçava a inteligência e fazia rir e refletir ao mesmo tempo.

4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?

O trabalho do Henfil afetou minhas tirinhas diretamente, até o formato quadrado eu copiei (risos). Eu já estava negociando com o Jornal de Jundiaí, o ano era 96 e eu comprava todo quadrinho do Henfil que encontrava garimpando no sebo de semana em semana. Enfim, criei as tiras Brasil 2000 que se passava no País do futuro mas com problemas atuais, o texto era rápido e ágil, eu pegava um tema e discorria sobre ele. Às vezes produzia tiras para a semana inteira, outras vezes passava o dia inteiro para fazer uma única tira e assim era.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?

Foi total.Eu colaborava para o sindicato dos bancários e volta e meia via uma charge do Henfil reproduzida nos boletins. O trabalho do Henfil na imprensa sindical não era de diversão, era de formação, ver um boletim sem os personagens do Henfil era chato…

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

Tudo o que via sobre o Henfil era nos gibis do Fradim, o baixim e o cumprido era demais, mas gostava mesmo da Graúna e as críticas sociais que ela fazia ao sul-maravilha.

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Acho ótimo, pois eu que conheci o henfil através da obra poderei conhecer mais a pessoa do grande Henrique de Souza Filho.

8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Home e Tanga, deu no New York Times?

Acho que a influência do Henfil marcou gerações, ele sabia usar os meios de informação. Isso era radical.

9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

Para mim faz muita falta, adoraria ver como ele trataria esse atual (des)governo em suas tiras, em seus textos e como ele iria lidar com a espécie de liberdade de expressão que temos nos dias atuais.

10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época, o trabalho dele ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

Pode muito, mas também a colaboração dos chargistas para levar o projeto adiante, penso eu.

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

O povo está amortecido, temos uma grande parcela que pensa: “Está pior mas é melhor”! Espero que a nova geração, a cultura e os cartunistas vejam a esperança.

12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Essa pergunta prefiro responder nas minhas tiras do Brasil 2000 que faço até hoje.

13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

O humor entra muito nisso. Não falo do humor pastelão (aquele de costumes), mas sim o humor que traz a reflexão. Temos ótimos chargistas, temos assunto, ainda nos falta mais alcance, pois as redes sociais ao mesmo tempo que são um bem e um ótimo veículo de comunicação, têm servido para embates sem compromisso, os jornais impressos fazem falta pois levam o conteúdo todo às casas onde o leitor pode formar sua opinião com calma. Mas usemos as armas que temos. É o que temos. Não vamos abandonar a trincheira ao canto da sereia, há muito a ser feito. VAMOS À LUTA!

CONTATO COM TRILHO

trilhocid55@gmail.com https://www.facebook.com/TrilhoCesar

Chargista no Sindicato dos Servidores Públicos, Sindicato dos Metalurgicos, Sindgraf e Sindicato dos Bancários (todos em Jundiaí). Prêmios: 1º lugar salão de humor de Jundiaí por 5 vezes. 1º lugar salão de humor de hortolândia. 1° lugar são de humor de cerquilho. 2º lugar salão de humor de campo limpo paulista. trabalhou por dez anos para o jornal de jundiai regional com charges e tiras diarias,também publica diversos trabalhos para entidades e sindicatos. Menção honrosa no 14 th Humor festival “AT CARAGIALE`S HOME/ ROMÊNIA.2016 Selecionado para o mapa cultural Paulista por 5 vezes. Nascido em Jundiaí. Lançou três revistas em quadrinhos: Brasil 2000 vol.1 e 2 Cartilha da Natália vol. 1.

http://www.bloggdotrilho.blogspot.com.br/

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AQC ENTREVISTA: JOÃO ANTONIO BUHRER SOBRE HENFIL

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Venho de uma família pobre que não tinha muita leitura. Minhas irmãs, que trabalhavam na Prefeitura Municipal, traziam livros pra mim. Eram obras que sobravam das bibliotecas. Uma das irmãs começou a namorar um rapaz que morava numa grande cidade e um dia ele me mostrou a revista Fradim, que já era no formato horizontal, atípico nas revistas alternativas da época. Devo alertar que os dois primeiros números do Fradim foram no formato tablóide. A partir disso eu pedia a ele -sempre- que me trouxesse novos números, até que comecei a viajar pra grandes cidades e passei a comprar eu mesmo os números atrasados. No começo dos anos 1980 eu já sabia da existência da Imprensa Alternativa, acompanhava tudo desde 1976, mas não conseguia comprar porque não tinha um bom emprego. Quando comecei a trabalhar numa fábrica de cimento, um engenheiro da empresa me passava todos os Pasquins que comprava, ele lia e depois me dava de presente. Fiz uma amizade grande com este sujeito, chamado Antonio Carlos. Nesta altura, por causa do Fradim, que noticiava tudo que acontecia nas Imprensa Alternativa, já estava por dentro de tudo se publicava de importante.Na revista do Fradim havia de tudo; cartuns, quadrinhos cartas, textos do Henfil, de modo que a partir do pensamento dele começou a surgir em mim um pensamento político, que inclusive me levou a entrar para o Partido dos Trabalhadores. Me lembro perfeitamente de ter comprado no partido algumas cartilhas feitas por ele, uma delas era justamente informações sobre que era política. Na época eu acompanhava o Henfil pela sua revista como também pelo Pasquim. Seus livros ainda não tinham saído, demorou para aparecer o Henfil na China e o Cartas da Mãe. Seu primeiro “Hiroshima meu humor”, publicado ainda em Minas, anos 1960, na época era uma raridade, não havia como obter a edição original. Fui adquirir este livro só no final dos anos 1980, num sebo. Depois fizeram uma reedição. Um livro do Henfil que também foi importante no meu crescimento intelectual e político foi “Diário de um Cucaracha”. Na verdade o germe deste livro está na própria revista do Fradim, pois nela Henfil discutia tudo, até da própria profissão. Ou seja, Henfil na sua revista tentava organizar a esquerda, e a mim organizou o pensamento e me formou como um cidadão. Dali em diante passei a acompanhar as entrevistas dele, onde brilhava com idéias novas e muito próprias, pra não dizer atrevidas. Suas entrevistas me levaram a colecionar entrevistas de outras pessoas, tenho hoje um arquivo enorme, em casa, dos mais diversos artistas e intelectuais. Uma papelada bem grande, pois na era gutembergueana eram os impressos que aprofundavam as idéias… Acabo de saber que a Folha de São Paulo não mais circula em papel…

2. Qual foi o impacto inicial?

O impacto da obra e do pensamento de Henfil foi enorme. Naquele momento (metade dos anos 1970), eu não tinha formação intelectual alguma. Pelos seus desenhos, suas idéias, pude começar a compreender o mundo. E aí fui para a literatura, cinema e pela cultura de uma maneira geral.

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

No caso do Henfil foi um combo, tudo que ele falava e criava eram novas para mim.O desenho e a forma de diagramar as idéias, a maneira de se utilizar dos mais diversos meios de comunicação. O traço então nem se fala, um desenho que não terminava, … Eu gosto muito da tipologia também do Henfil, muito própria, suas letras são lindas.

4. Seu trabalho teve influência direta em você?

Não sou cartunista mas jornalista, digamos que o lado jornalista de Henfil também me tocou, aprendi também a conhecer a Imprensa pelos seus olhos.Nas suas revistas e nos seus depoimentos, ele divulgava tudo que havia de interessante, dava dicas de leituras de jornais, gibis, revistas e livros.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda? E entre seus amigos? Quais eram os comentários das pessoas?

Pelo que li sobre o assunto, o impacto de Henfil sobre a Imprensa Sindical foi enorme, acredito que os desenhos de humor que começaram a aparecer nestas publicações sofreram e sofrem influencia direta dele, não conheço como eram antes da era em que ele apareceu mas o depois é flagrante até no traço dos artistas.

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa? O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Reunir o pensamento político e artístico de Henfil é mais que importante, é necessário. Num momento em que a mídia imprensa está declinando acho que é imperativo mostrar que ela já foi mais profunda, acredito que se Henfil fosse vivo e tivesse falando suas verdades não teria mais espaço na grande imprensa. Não interessa mais para esta chamada Grande Imprensa ouvir o Henfil organizar a política e a cabeça das pessoas, porque ele fazia isto,organizava as idéias. A maioria das entrevistas de Henfil que possuo foram da grande imprensa, excetuando uma ou outra da Imprensa Nanica, o que prova o quanto ela já foi melhor. Henfil também deu boas entrevistas para TV, como por exemplo ao programa Vox Populi, e deve estar no youtube na integra. Rever a inteligência e a ética dele em forma de livro acho valoroso, afinal a nova geração mal sabe quem foi Henfil. Tenho que confessar que foi uma idéia que tive há muitos anos, quando comecei a colecionar também estes depoimentos,e fico feliz que esteja sendo realizado agora de uma forma tão profissional.

7. O que achou do Henfil na telinha e na telona? Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

Sim, Henfil não tinha limites, como todo artista e intelectual de peso , era capaz de fazer uso dos mais variados suportes. No caso da TV Homem, um quadro que fazia parte da TV Mulher, na Globo, foi feito quando estava no auge da sua criatividade. Seus quadros são históricos,fazem parte da história do humor na Tv brasileira. Acho que apenas a TV Pirata, Juarez Machado e o quadro do Glauber no programa Abertura ombreiam com este trabalho dele. Eu trabalhava e na época não tinha VHS para gravar, de modo que acompanhei o programa uma vez ou outra, o que foi uma pena. Será que alguém compilou todos os quadros e fez um DVD? Mas o que vi achei fantástico, uma inovação no humor da TV, que era muito ligado no humor radiofônico, e Henfil como Juarez Machado por exemplo modernizaram a linguagem. Quanto ao filme do Henfil, acho que não deu muito certo, ele não estava bem de saúde, não conseguiu fazer um grande filme, foi na fase final de sua vida. Estava visivelmente envelhecido, falo naturalmente no físico não na criação. Não lembro bem mas acho que já estava infectado pela Aids.

8. O trabalho de Henfil é pouco compartilhado nas redes. O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode melhorar isso?

Acho que sim, trazer o pensamento de Henfil para hoje, num país mergulhado numa crise sem precedentes, só pode ajudar a esclarecer as coisas. É um pensamento límpido, direto, sem frescuras, vai ajudar sim as pessoas a compreenderem o que estamos vivendo. Henfil tinha lado, junto ao povo..

9. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

O povo não reage porque não tem emprego e quem tem não se mexe porque tem medo de perdê-lo. Esta é a nossa tragédia. Não sei se é possível piorar mais, não sei, acho que não temos mais Imprensa, a grande Imprensa mente, pior ainda que as chamadas fake news, e no tempo de Henfil ele tinha até um relativo espaço nessa grande mídia. Hoje não teria mais. O capital se apossou da Imprensa, hoje quem edita um jornal é o próprio capital. O povo não consegue se informar. Mudou a imprensa, o pensamento de Henfil circulava também pela grande mídia, hoje seria impossível.

10. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Acho que Henfil estaria nas trincheiras democráticas, não acredito que seria um anarquista. Acredito que estaria organizando a esquerda, que está sob ataque. Será que estaria em busca de um novo Teotônio Villela?

11. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical?

Como transformar um país tão desigual, sem sangue ou revoluções? Nossa elite deu mostras de que não cederá nem um centímetro, resta a esperança que um dia o povo caia em si e dê a volta por cima. O partido que Henfil ajudou a fundar continua na crista da onda, e tudo leva a crer que é o único capaz de enfrentar a direita, a ultra direita e este projeto anti Brasil.

JOÃO ANTONIO BUHRER DE ALMEIDA

É jornalista e pesquisador de Caricaturas e Histórias em Quadrinhos. Foi um dos primeiros blogueiros a explorar o mundo dos discos, livros e quadrinhos (Grapholalia). Através de seus “Arquivos Incríveis” tem compartilhado jornais, revistas e publicações de arte e quadrinhos por email e pelo facebook. Organizou várias exposições no CCLA (Centro de Cultura Letras e Artes de Campinas). Tem roteiros de HQs desenhados por Bira Dantas. Nasceu em Itapeva (SP), onde viveu até 1984, quando se mudou pra Campinas pra estudar jornalismo. Trabalhou como bancário e se aposentou como tal. Como jornalista atuou como pesquisador na edição em livro da “Senhor, uma Senhora Revista”, organizada por Ruy Castro.

CONTATOS NA WEB

jabuhrer.almeida@gmail.com https://grapholalia2.blogspot.com/ https://www.facebook.com/joaoantonio.buhrer

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AQC ENTREVISTA: MOUZAR BENEDITO (*) SOBRE HENFIL

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil? E o próprio cartunista em carne, osso e tiração de sarro? Lembra da ocasião?

Conheci o trabalho do Henfil pelo Pasquim. Os Fradinhos causaram um impacto enorme, não só em mim, acho que em tudo quanto é leitor. Depois veio a Graúna, o Zeferino, o bode Francisco Orellana… a gente se deliciava. Quando comecei a colaborar no Pasquim, em 1976, se me lembro bem, o Henfil morava no Rio Grande do Norte, não o conheci pessoalmente. Eu mandava meus textos para o Pasquim pelo correio, algumas vezes que fui ao Rio de Janeiro dei uma chegada à redação do jornal. Na primeira vez, me surpreendi: achava que ia encontrar todo mundo farreando na redação, mas não era nada disso. Estavam trabalhando em silêncio, cada um ocupando uma mesa, só o Jaguar destoava, era mais anárquico. Como eu trabalhava também no Versus, um jornal “sério”, achava gozado. Algumas pessoas achavam que no Versus a gente era tudo sério, só fazia discussões intelectuais e que no Pasquim era uma gandaia. E era quase que o inverso. Na redação do Versus, sim era uma quase farra, com gente bebendo, namorando no quintal ou no porão… Lá por 1980, conheci o Henfil “em carne e osso”. Foi quando a Global Editora propôs ao Quino a publicação da Mafalda aqui, o Quino disse que só toparia se o Henfil fosse o tradutor. Mas o Henfil não tinha tempo pra isso. O Paulo Schilling tinha acabado de voltar do exílio e publicou uns livros pela Global, e ficou sabendo disso. Sugeriu ao Zé Carlos, dono da editora, que eu fizesse a versão para o português e o Henfil desse um tapa, para sair de acordo com o que o Quino queria. Todo mundo topou e marcaram um almoço num restaurante em forma de caravela que tinha perto da avenida 23 de Maio. E nesse almoço me vi diante de dois dos meus maiores ídolos, o Henfil e o Quino, além do dono da editora.

2. Qual foi o impacto ao ver seus Quadrinhos?

O impacto, como já disse, foi enorme. Com traços quase minimalistas e uma certa agressividade, atraía demais. Seus quadrinhos tornaram-se referência, eram deglutidos com ânsia. Tanto que uma vez o Henfil se sentia cansado de fazer os Fradinhos e os “matou” atropelamento. Publicou isso no Pasquim, mas teve que ressuscitar os dois. E depois veio o Cabôco Mamadô, que não perdoava ninguém que flertasse com os ditadores. Chupava o cérebro deles. Chupou o cérebro de muita gente, até da Elis Regina, que fez uma concessão uma época, não me lembro qual. Depois, soube-se que ela foi chantageada pela ditadura e ela e o Henfil se tornaram amigos.

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

Seus quadrinhos chamavam a atenção pelo traço, inicialmente. Mas depois a gente era pego pelo conteúdo. O sadismo do fradinho Baixinho e a “bondade” do Cumprido faziam a cabeça da gente. O Cumprido sempre se ferrava. Depois, morando no Nordeste, ele usou a Graúna, o bode Francisco Orellana e o Zeferino para mostrar a realidade da região de uma forma lúdica mas muito crítica.

4. Como foi trabalhar com Henfil na versão em português da Mafalda? Como a editora Global procurou vocês? Ele mudava alguma coisa da sua tradução? E os prazos? Tem alguma história pitoresca?

Já contei sobre nosso primeiro contato na primeira pergunta. O Henfil propôs ao Quino que a gente fizesse uma versão meio em portunhol, na edição brasileira. Argumentou – e eu pensava isso também – que a Mafalda era totalmente argentina, as versões da revista que tentaram naturalizá-la perdiam a força. Vi versões de Portugal e da Itália e achava isso. Não era a mesma coisa. O Quino acabou topando e fizemos a versão mantendo a acentuação em espanhol, com ponto de exclamação e de interrogação de cabeça pra baixo no começo de frases em que esses pontos entravam no fim, e mantivemos algumas palavras originais, quando eram inteligíveis para o leitor comum. Levava a tradução para o Henfil, que morava num apartamento em Higienópolis, ele dava uma geral e mandava para a editora. Eu tinha argumentado com o Zé Carlos, dono da Global, que o tipo de letra faz parte do desenho, que era preciso que o letrista fizesse igualzinho às letras originais do Quino, mas ele resolveu economizar nisso, saiu com letras diferentes das que o Quino fazia e acho que isso diminuiu um pouco o impacto da nossa Mafalda em portunhol. Na contracapa da revista saía um quadrinho com os créditos: “Versão brasileira de Herbert Richt… Não!… Epa… É isso… Versão brasileira de Henfil e Mouzar”. Era uma brincadeira porque a Herbert Richers era responsável por muitas versões de filmes.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda? E entre seus amigos? Quais eram os comentários das pessoas?

Em todos os meios, era pura admiração. Tanto pelo humor ácido quanto pelo compromisso com a democracia, com a visão de esquerda que tínhamos. Quando saiu a Mafalda e meus amigos viram que eu tinha feito a versão junto com o Henfil, ficaram pasmos, admirados, passei até a ter mais “crédito” com eles… rê-rê…

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa? E as cartas?

De entrevistas, eu não me lembro. Lembro-me bem de suas cartas aos amigos, quando foi fazer tratamento médico nos Estados Unidos e morou lá uns tempos, muitas delas publicadas no Pasquim e depois incluídas no livro Diário de um Cucaracha. De volta ao Brasil, ele procurou as pessoas para quem tinha escrito e elas lhe entregaram as cartas, menos o Jaguar, que tinha lido e jogado fora. O Henfil ficou surpreso e acho que até meio brabo com isso, e o Jaguar lhe respondeu: “Pensei que você tinha escrito pra mim, e não pra posteridade”.

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Acho a ideia ótima. Para a geração que conviveu com o Henfil, será uma ótima lembrança, e para os que vieram depois uma descoberta, uma revelação. Li a Guerra dos Gibis, do Gonçalo Júnior e fiz a revisão do Maria Erótica. Gostei muito dos dois e acredito que o livro sobre o Henfil vai ser igualmente ótimo e com muito conteúdo. O Gonçalo Junior é craque.

8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. Como foi atuar nas produções do cartunista em TV Homem?

Trabalhei com o Henfil na TV, dei uma de ator. Ele tinha aquele programa diário de um minuto, chamado TV Homem, dentro do programa TV Mulher, da Marta Suplicy. Uma época, a Editora Abril comprou 4 horas diárias da TV Gazeta, para programas jornalísticos e alguns outros, e levou o Henfil para lá. Nessa época, início dos anos 1980, o Pasquim estava em crise financeira e pediu aos antigos colaboradores que topassem colaborar de graça. Voltei a escrever pro Pasquim e me orientaram a, em vez de mandar os textos pelo correio, levar para o Henfil, que mandava por malote para o Rio de Janeiro. Aí passei a ter contato semanal com ele. Eu me lembro que no primeiro encontro demos muitas risadas, e o Henfil ficou meio impressionado com o meu cabelão crespo e minha barbona preta. Então me convidou para participar do programa dele na TV Gazeta. Eu ia à casa dele na segunda-feira de cada semana e seguíamos juntos para o estúdio da Gazeta, na avenida Paulista. Lá encontrava o resto da turma. Ele levava os textos de cinco programas, para passar de segunda a sexta-feira. Não tinha ensaio nenhum, Ele lia o texto, dividia as funções e a gente improvisava. Do jeito que saísse, saía… não repetia nada. Eu era péssimo ator. Um dia fiz o papel de defunto e falei pra minha namorada, a Célia: “Desta vez você não pode reclamar, fiz bem o papel de defunto”, e ela respondeu: “Fez nada. Cada vez que caía um pingo de vela na sua mão, você piscava”. Nem para fazer papel de defunto fui bom ator. Depois de poucos meses lá, a Abril tentou censurar um desses programas, o Henfil brigou, parou com o programa, fomos pra casa dele e ele me deu o livro Diário de um Cucaracha, em que fez uma dedicatória me desenhando com o corpo de uma barata, que é cucaracha em espanhol. Tenho o maior orgulho dessa dedicatória, em que me chama de bom companheiro e outras coisas. E nesse dia ele me disse que estava terminando o roteiro do filme Deu no New York Times e queria que eu fosse ator, que me levou para a TV porque queria me acostumar a ficar diante das câmaras. No filme, haveria guerrilheiros e eu tinha cara de guerrilheiro. Mas com a mudança dele pro Rio de Janeiro acabei não participando do filme. Na TV, o programa dele era tão impactante quanto nos quadrinhos. O filme acabou sendo relativamente pouco visto, mas é muito bom.

Como foi a saída de Sampa e como ele contraiu o vírus da AIDS?

Lembro aqui uma coisa… Apesar de pertencer ao governo paulista, sempre de direita, a TV Cultura tinha uma certa independência, tanto que Vladimir Herzog era diretor de jornalismo lá. Por incrível que pareça, isso mudou com a vitória do MDB nas eleições de 1982. O partido passou a controlar mais a TV Cultura. Antes da posse de Franco Montoro, o Henfil tinha proposto criar lá um programa de entrevistas, um “talk show”, como viria a ser chamado depois. Toparam. Mas no governo Montoro a TV Cultura foi entregue a uma ala do MDB que depois viria a ser o PSDB, e o Henfil foi lá para acertar o início do programa. Disseram a ele: “Como você, do PT, acha que vai ter um programa numa TV do MDB?”. Ele ficou indignado. Estive na casa dele e ele me falou que não queria ficar em nenhum lugar governado pelo PDS, partido que antes se chamava Arena e era a base política da ditadura, nem em estados governados pelo MDB, que se revelava horrível também. O único lugar não governado por esses dois partidos era o Rio de Janeiro, onde Leonel Brizola tinha vencido e o governo era do PDT. Foi um azar. Em São Paulo, Henfil tinha uma rede de amigos que lhe doava sangue quando precisava de transfusão, o que precisava muito porque era hemofílico.. No Rio, não tinha. Quando precisou, foi a um hospital e recebeu plasma contaminado com HIV, já que na época não havia tanto controle. Sempre digo que se não fosse a sacanagem que o então MDB fez com o Henfil aqui, talvez ele estivesse vivo até hoje, produzindo coisas maravilhosas.

9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

De vez em quando penso na indignação que o Henfil teria se vivesse nos tempos atuais. E também na sua produção. Acredito que acharia caminhos para produzir trabalhos demolidores. Com certeza, não estaria quieto, improdutivo. Não era o estilo dele. Ficava o tempo todo em ação, procurando sarna pra se coçar.

10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época, o trabalho dele ainda é pouco compartilhado nas redes e os mais jovens desconhecem. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

Está difícil chamar parte das novas gerações para conhecer muitas coisas e muita gente que teve muita importância para nós. Mas tem uma parte da juventude que está muito boa, muito interessada, politizada, comprometida. As chamadas mídias alternativas são um caminho para chegar aos jovens, mas parece que a esquerda não está tendo tanta competência quanto a direita para trabalhar com isso. Mas vamos tentando. O Gonçalo Jr. é um escritor de primeiríssima qualidade e seus livros são muito bons. Precisamos achar uma maneira de fazer com que eles cheguem mais aos jovens. Não sei como, pois nem meus próprios livros consigo divulgar.

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

Não acredito que chegando ao fundo do poço o povo reaja necessariamente para algo que preste. Com a manipulação das mídias sociais por uma direita truculenta mas hábil no uso delas, a gente já viu o que aconteceu em 2013, nas manifestações de maio; no impeachment da Dilma em 2016 e nas eleições de 2018, que alçou a besta do Bolsonaro à presidência. Eles sabem produzir fake news e boa parte do povo parece predisposta a acreditar mais nelas do que nas notícias verdadeiras. É bem possível que acabem atribuindo toda a desgraça produzida por essa canalha empoderada à esquerda. Não é novidade. A situação extrema de ruindade acabou gerando o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha. E naquele tempo eles nem tinham internet, Facebook, essas coisas que agora facilitam em muito a difusão de ódio, racismo, rejeição a direitos…

12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Não sei que canal ele teria para combater isso, talvez tivesse espaço em algum jornal, como a Folha de S. Paulo, onde tem gente como a Laerte, por exemplo, que faz um trabalho excelente, avassalador às vezes. Mas seria por aí. Na TV, com certeza Henfil não teria espaço nenhum, já que está tudo ou quase tudo nas mãos de uma direita explícita. Acredito que ele criaria novos personagens de quadrinhos que provocariam a mente das pessoas, além de produzir textos também provocadores.

13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

Há muito o PT parou de propor transformação radical da sociedade. Por causa disso, me desfiliei do partido no final de 1994. Hoje, se propõe em melhorar as coisas, sem transformar. Foi o que fez nos governos Lula e Dilma, que melhoraram bastante a vida dos pobres, deram acesso a universidades, a viagens de avião, à um mínimo de comida, com a Bolsa Família, ao tão proclamado churrasco com cerveja, a moradias… Mas os ricos continuaram cada vez mais ricos. Se foram bons governos? Claro que sim, mas minimizando os efeitos do capitalismo na vida da população mais pobre. Veja que mesmo assim muita gente passou a odiar o PT por causa disso. Parece exagero, mas não é: um pessoal de classe média que se sente de classe alta não suportava viajar de avião ao lado de pobres de sandália havaiana. Transformações radicais para um lado, digamos, positivo, estão difíceis, mas a gente não desiste, né? Vamos sonhando, com utopia, porque a vida sem utopia é muito ruim. E humor também. Sempre tento colocar humor em tudo o que faço, seja em livros ou matérias jornalísticas. O que essa gente cheia de ódio e esse governo negacionista querem é que a gente se sinta mal, triste, sem humor. Se a gente ficar assim, é uma alegria pra eles. Então, acho que o humor é revolucionário, nestas circunstâncias. Um humor comprometido com a evolução, com a dignidade humana, contrário à ditadura, ao pensamento terraplanista dominante….

14. E sobre a pronúncia do nome. Voce o chamava de Henfil ou Rênfil, como uns e outros?

A pronúncia do nome dele é Enfil. Havia já naquela época, e há mais hoje, uma tendência a “americanizar” a pronúncia de nomes e alguns falavam dele como o Rênfil. Umas pessoas que queriam mostrar uma certa intimidade com ele o chamavam como Henriquinho, pois seu nome era Henrique de Souza Filho, e a família o chamava de Henriquinho. Acho gozado essa tendência de dar pronúncia gringa aos nomes e a objetos, canais de TV… HBO, por exemplo, eu falo Agá Bê Ó, mas vejo muita gente falando Eigi Bi Ôu… Tenho uma parceria com o cartunista e ilustrador Ohi em muitos trabalhos e muita gente não sabe como pronunciar o nome dele, que é Ói. Já vi gente pronunciando Órri, e uma vez o chamaram de Orrai. Pois é…

CONTATO DO MOUZAR

mouzarbenedito@yahoo.com.br

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https://blogdaboitempo.com.br/category/colunas/mouzar-benedito-colunas/ Geógrafo e jornalista, mineiro de Nova Resende, Mouzar Benedito é o quinto entre os dez filhos de um barbeiro e uma dona de casa. Trabalhou ou colaborou em mais de trinta jornais e cerca de trinta revistas. Na imprensa alternativa participou do Versus, Em Tempo, Pasquim, Mulherio, Brasil Mulher e vários outros jornais. Na grande imprensa, trabalhou no Guia Rural Abril, Gazeta de Pinheiros (não tão grande mas muito influente), DCI… Na TV, foi editor regional do Jornal do SBT em Brasília e trabalhou na coordenação de rede da TV Record, em São Paulo. Publicou 52 livros, o primeiro deles, de causos, “Santa Rita Velha safada”, em 1987, com apresentação do Henfil. Os temas de seus livros são variados, como causos (5 livros), romances (entre eles, “O voo da canoa – aventura e mistério no caminho do Peabiru”, em parceria com Ohi; “Pobres, porém perversos”; “Chegou a tua vez, moleque!”…), cultura popular (entre eles, “Saci, o guardião da floresta” e “Palavra de Caipira”; em parceria com Ditão Virgílio e Ohi), minibiografias de Luiz Gama, Barão de Itararé e Gino Meneghetti, a ditadura (“1968, por aí… Memórias burlescas da ditadura”, “Ousar Lutar – memórias da guerrilha que vivi”, em parceria com José Roberto Rezende, besteirol (entre eles, “Pequena enciclopédia sanitária”) e uma série policial, com pseudônimo Saphira Mind, tendo como personagem principal o detetive Bill Ferrer, Considera maiores glórias do seu currículo ter sido jurado do Festival de Cachaça de Sabará, em 1987 e ser um dos fundadores da Sosaci – Sociedade dos Observadores de Saci (2003), com sede em São Luiz do Paraitinga. Atualmente colabora no blog da Boitempo Editorial e no site da revista Fórum e é colunista da Rádio Brasil de Fato e na revista literária Conhece-te.

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AQC ENTREVISTA: BETANIA DANTAS SOBRE HENFIL

1. Como você conheceu Henfil?

Conheci os trabalhos de Henfil ainda pequena quando vi a efervescência dos movimentos em São Paulo pois meus irmãos viviam tudo isso. Aos 15 anos li Henfil na China antes da coca-cola e Diário de um Cucaracha, Cartas da mãe publicada pela Istoé, Hiroshima, Meu humor e os seus cartuns. Fiz murais com a Graúna e morria de rir com o analfabeto bode orellana que tudo sabia das notícias depois de comer o jornal.

2. O que mais te impressionou?

Fiquei impressionada com a crítica de Henfil sem nunca perder a ternura. Seu desenho era quase uma caligrafia. Queria entender Graúna: era ingênua ou lutadora? Ou as duas coisas? Era feminista. Que raiva de Zeferino, representante de tantos homens machistas! Mas é o antagonista que precisa existir nas criações artísticas e literárias até que o povo brasileiro repudie de uma vez por todas qualquer atitude opressora. Sobre o texto no jornal Henfil era amoroso e de repente queria explodir, aí vinha o humor. Uma mescla de revolta, denúncia e acalanto. Sentia uma amorosidade do texto Miguilim de Guimarães Rosa. É um amorosidade mineira que só quem os conhece sabe da fala ritmada.

3. O que chamou mais atenção?

Tudo chamava a atenção: humor escrito, gags visuais e traço. Eram três recursos que se apoiavam, tudo estava no lugar certo, o texto se mesclava as gags e ao traço. Era a palavra certa que batida na cabeça do Zeferino gerava gag com a linha toda estremecida e a fala. Unidade era a palavra certa.

4. Em que ele te influenciou?

As ideias políticas de empoderamento vêm dele. Era o sindicato, as pastorais e Henfil que conseguiam falar de perto, com muita facilidade. Com Cartas da mãe ele mostrou como é possível falar de coisas complexas em uma conversa simples. Graúna influenciou o nascimento de muitos personagens, ela era a primeira que eu desenhava em aula com a sua linda frase: tô vendo uma esperança! Contava sobre cada personagem, isso dá uma potência de criação aos alunos. Fazíamos personagens que nasciam de números, letras, escritas… traçava o perfil de cada um. Inspirar-se em seus personagens para criar outros. Sinto por não conseguirmos dividir a memória daquele momento, foi tudo muito lindo e forte, mas a atual geração não viveu e isso tem um impacto. Com toda a falta de materiais multiplicava o que tinha. Foi só ele que trouxe com leveza a beleza das pinturas chinesas sem moldura e como mudaram para sempre o seu modo de fazer quadrinhos xingando a maldita tradição norte americana das grades. Foi por Henfil que descobri o branco na arte chinesa e em seu trabalho.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical?

O trabalho de Henfil ajudou no fortalecimento da comunicação da imprensa sindical, enfrentando o regime militar e esperançando a liberdade de nosso país. Essa linguagem rápida, bem-feita e muito próxima do leitor não é fácil de ser encontrada. Pensar em uma arte que inclua todos é de uma amorosidade de que fala Paulo Freire e isso Henfil tinha. Ele revoluciona ao ter imagens que pedem um leitor mais participante ao criar os espaços não determinados por linha de chão. Conversar sobre as produções de Henfil entre os amigos e as amigas era sempre uma festa. Seus leitores tinham os credos mais diversos. A minha família ia para as manifestações com cartazes de seus personagens. Sua linha impactou as artes gráficas assim como foi Vkhutemas para o mundo.

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

Li e assisti algumas entrevistas. Ouvi-lo era sempre um aprendizado porque há ensinamentos, ele não tinha uma fala repetitiva, havia uma construção que você não sabia o que viria e isso é novo, havia criatividade até em sua fala. Mas o que me marcou foi a sua entrevista sobre como se faz humor político.

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro?

O Henfil era muito inteligente, aprendíamos novos conhecimentos em cada entrevista pois ele falava tão claramente que alfabetizava qualquer um sobre, por exemplo, a estrutura da comunicação no Brasil. A publicação da editora Noir sobre suas entrevistas é memorial. O Henfil fazia sínteses precisas. Eu realizei uma pesquisa sobre o desenho de humor na escola e Henfil não poderia faltar em meus estudos. Foi muito bom reler seus livros décadas depois.

8. O que achava de Henfil como profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema?

Um artista múltiplo. Subia naquela escadinha… era irreverente.

9. Qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

Henfil é insubstituível, se fosse verdade que as pessoas são substituíveis, ora, não estaríamos nesta ausência de mentes criativas e protagonistas. Ele morreu como muitos quadros que tanto faltam ao Brasil. Morreu com uma cidade de luta e politização, das pastorais, dos sindicatos organizados e combativos, na crença na alfabetização política dos trabalhadores, todas essas ausências é o tamanho de sua falta.

10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época, o trabalho dele ainda é pouco compartilhado nas redes. O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

Todos os esforços de publicação são importantes como a do Gonçalo Jr. Eu não quero entender essa lógica das redes sociais e não uso, mas acho que os trabalhadores que vivem do trabalho, jovens ou mais velhos, estão se deixando levar pelos algoritmos. Em 2006 as escolas públicas receberam livros de qualidade inclusive os de Henfil, fazer chegar esses livros é revolucionar. A Graúna e sua turma precisam estar nos livros didáticos (acho que deve sempre aparecer no livro de História), no Enem, nos concursos, na TV. Henfil é cultura brasileira.

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda?

São Paulo teve um movimento lindo que eu conheci pequeninha, ao chegar do Rio, e eu tenho saudade, uma parte dos que se foram levaram a práxis com eles. Fui leitora de Paulo Freire com 15 anos de idade graças a minha professora de Sociologia dos anos 80, vi o movimento operário de perto, estive nos sindicatos desde pequena, com 10 anos de idade nas greves meus irmãos me jogavam debaixo dos carros pra não aspirar bomba de gás lacrimogênio, vi partido orgânico se constituir, o movimento era de classe trabalhadora, essa organicidade se esvaiu. O que ocorreu? A pasteurização? Os discursos repetidos e desapaixonados? O desencantamento? A falta de identificação? Pode ser tudo isso. O povo era guiado pelas pastorais, eram experiências fortes, esperança transformadora e agora?

12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

A essa sanha fascista Henfil faria a diferença. O Brasil ficou muito estranho desde 2013. A direita se planejou com todos os seus golpes e a esquerda estava dividida. Essa divisão deu espaço para a articulação de grupos que ganhariam com as privatizações e o desmantelamento da previdência, a retirada das políticas públicas. Henfil veria isso com muita clareza. Acredito que ele faria as críticas “doa a quem doer” e tentaria repensar o que a realidade está nos impondo no séc. XXI. Continuaria com a sua máxima e sem conchavos: “O verdadeiro humor dá um soco no fígado de quem oprime”.

13. Henfil se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

Em minhas considerações não finais penso que a via política parlamentar é cruel: por um lado uma parte da esquerda se esfacela para garantir que parte das famílias trabalhadoras saiam da fome, tenham formação para que isso gere emprego. Mas o espaço político-partidário é cruel, a lumpemburguesia e seus representantes canalhas perseguem, armam mentiras. O humor é a capacidade de rirmos de nós mesmos e corrigirmos o que não é humano. A radicalidade que Henfil acreditava foi muito desestruturada com adequações ao governo burguês. As instituições brasileiras são raposas velhas e engendram suas articulações de manutenção do poder. A esquerda precisa reelaborar o projeto de acolhimento humanitário. A burguesia é a sombra do nosso país e ela não dorme, vai em Davos e planeja a sua revida na base da morte daqueles que vivem do trabalho, a classe dominante tem auxílio da CIA, é uma classe que não se importa com a fome de seu país. Atualmente se desconhece CLT, regras trabalhistas, sindicatos e ações coletivas. Só quando os desempregados brasileiros tiverem que lutar para a sua melhoria é que lutarão quando retirarem esses direitos, estarão de pé para lutar contra a perda de direitos. Tudo precisa ser mais trabalhado, cada pessoa beneficiada precisa saber o caminho que levou uma política pública para chegar até ela. Precisamos do horizontal sem líderes como falava Henfil. No séc. XXI acompanhamos os pequenos movimentos, sozinhos, faltando muita gente e acho que não temos mais os movimentos orgânicos do séc. XX porque eram construídos pela classe trabalhadora, pelas pastorais e por partido que nascia desse movimento. Então nesse contexto atual temos a desindustrialização, o surgimento da lumpemburguesia (“empresários” sem empresa) que vivem de investimento (tiram sua rentabilidade de nossa aposentadoria), se aliam a juízes corruptos treinados na CIA para retirar o bem social e aplicar a verba em rentabilidade.

CONTATO COM BETANIA DANTAS

betaniadantas@hotmail.com

Betania Dantas é professora e escreveu sobre arte, educação, liberdade, história e memória. Há algumas décadas participa de ações coletivas e libertárias que apoiem os movimentos de libertação dos trabalhadores e dos povos.

https://www.unifesp.br/campus/gua/docentes-educacao/369-betania-libanio-dantas-de-araujo

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AQC ENTREVISTA: ÉTON (*) SOBRE HENFIL

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente.

https://www.catarse.me/henfil

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Conheci Henfil pela imprensa alternativa: Pasquim e Jornal Movimento. Eu fazia parte da JOC (Juventude Operária Católica). Além de Henfil, conheci Millôr Fernandes e outros comentaristas políticos que eram lidos por nossa turma no bairro. A Folha de São Paulo tinha um encarte no final de semana com cartuns de Laerte, Jota, Angeli e Glauco. Pois foi na grande imprensa que descobrimos o valor da imprensa alternativa, que falava a nossa voz e tinha um ponto de vista menos tendencioso ou censurado. Começamos a selecionar e analisar quais seriam estas publicações e passamos também a acompanhar as músicas com o maior apelo popular e engajamento com os anseios do povo. Dentre os cantores figuravam: Raul Seixas, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Betânia, João do Vale, Elis Regina, Milton Nascimento, o nosso “Clube da Esquina”. Nós éramos jovens da classe operária, de movimentos de base, do mundo do trabalho, militantes da JEC (estudantil), JOC (operária), JUC (universitária), pastorais, alguns movimentos sociais e estudantis. Neste horizonte é que conhecemos Henfil e seus personagens. Além da Graúna, Rango, Mafalda, Bob Cuspe. Para aquisição de discos e folhetins alternativos deste tipo, o nosso coletivo se cotizava. A gente fazia a famosa vaquinha. De posse destas HQs e jornais alternativos toca passar de mão em mão estas leituras, pra todo mundo discutir e comentar as últimas publicações. Era o assunto principal de pauta das nossas reuniões de “revisão de vida”, movidas pelo tripé: ver, julgar e agir.

2. Foi assim que os Quadrinhos politizados foram parar nas suas mãos?

Sim! Foi aí que pus as mãos nos gibizinhos: Fradins, Rango, Mafalda e outros. Como eu compunha o grupo de formação, tinha acesso a outros periódicos (até estrangeiros). Na medida do possível, a gente reproduzia dúzias de cópias de livros em mimeógrafos pra ampliar e agilizar a leitura no grupo, como o Pequeno Príncipe Príncipe, por exemplo. Só não reproduzimos “Guerra e Paz” de Tolstoi, nem “Casa grande e senzala”, mas a gente elaborava esboços. Nós tínhamos nossa logística: mimeógrafos a álcool, cópias sofisticadas em papel stencil e imprimíamos até em offset folhetos com cantos para a igreja, apostilas de formação para catequese. Assim que o adolescente terminava a catequese entrava em um grupo mais reflexivo, depois para a JOC e pra JEC era um pulo. Acima disso estavam as Pastorais e a Ação Operária. Já os grupos mais politizados eram uma opção de cada um.

E antes, como foram seus primeiros contatos com os gibis? Como começou a desenhar?

Quando criança tinha hábitos de todo garoto: soltar pipa, colecionar figurinhas, jogar bolinhas de gude e ler gibis infantis, como Tio Patinhas. Quando adolescente conheci os ‘catecismos’ em Quadrinhos do Carlos Zéfiro. E trocava até meu estilingue para adquirir gibi do Batman, Superhomem, Tio Patinhas. Na escola eu desenhava em todos os cadernos e nos livros. Criei alguns heróis que foram até copiados pela Marvel: o Super Zum (virou o tal do Flash super rápido) e o Homem-Borracha (virou o tal Mr. Fantástico, chefe do Quarteto Fantástico). O problema de ser pobre foi sempre esse, o de não poder registrar o que você faz. Aí vem o estrangeiro copia o que você fez e nem você pode mais desenhar seu personagem. Isso acontece até hoje, com a extração e utilização de plantas legítimas do Amazonas, até com nossa borracha e o café brasileiro.

3. E como essa formação militante se aplicava na macro-política?

Muitos militantes mais tarde participaram em 1983 da formação da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Conclat (Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora que depois mudou de nome para CGT), da Força Sindical e até de quadros de direção do PT, PCdoB e outros partidos de esquerda. Mas, nesta altura eu era só a liderança de um dos grupos de jovens do bairro que integrava a JEC e JOC. Estas publicações, que citei antes, passaram a compor a nossa pauta de informação e formação. Nesta época cheguei a entrar em contato com o Henfil, expus a opinião do nosso grupo sobre seu trabalho e a importância dos problemas abordados por seus personagens, conhecidos e queridos por todos no nosso meio.

4. E a repressão?

Nessa época atravessavamos uma “caça às bruxas” semelhante à que se fazia nos EUA, com o Macarthismo. Sabíamos das prisões efetuadas por lá, em todas as áreas, até nos Estúdios da Disney. Consecutivamente, isso nos proporcionou muita raiva e ódio dos personagens da Disney e grande decepção pessoal, porque eu começava a endeusar o “papai Walt Disney”. Uma ilusão. Toda essa farsa caiu depois das mentirosas acusações de comunismo a algumas pessoas de lá. Eu fazia um programa da Pastoral Operária na rádio da Diocese Católica de São Paulo, quando a Rádio foi invadida pela polícia e ocorreu minha prisão. Tanto a rádio quanto o jornal São Paulo não puderam publicar notícias de meu sequestro, prisão e tortura. Eram censurados pela ditadura militar, obrigados a substituir muitos artigos por receitas de bolo e poesias.

5. E foi aí que você escreveu pra revista do Fradim?

Sim, e a situação que descrevi de perseguição explica porque enviei a carta e pedi que fosse anônima. Por isso na revista do Fradim ele mudou meu nome, pra que eu não fosse investigado pelos órgãos de segurança e repressão. Nessa época comecei a assinar minhas charges com vários pseudônimos: Deda, Éton, Magnólia e outros. Contei que, além de operário, era chargista com publicação na Pastoral Operária e na Frente Nacional do Trabalho (FNT); que fazia apostilas, cadernos e cartilhas de formação para os sindicatos, movimentos de base, etc. Esta história tá contada em detalhes nas entrevistas que dei pro site Bigorna. Aqui: https://www.bigorna.net/index.php?secao=birazine&id=1172028015 E aqui: https://www.bigorna.net/index.php?secao=birazine&id=1242011127

Segue a íntegra da carta anônima ao Henfil:

Henfil, faço aniversario amanhã. Gostaria de poder criticar seu trabalho, no sentido de troca de ideia. Mas talvez não seja possível, trabalho na fábrica, estudo no Senai à noite e faço desenho pra um jornalzinho da FNT. Sobra pouco tempo. A ideia de te escrever veio porque, sei lá, eu senti que você penetrou aqui no meio da roda e tá presente no papo, tá se arriscando pela gente da fábrica e, no fim de tudo, me desanimo ao ver o povo falando em Elvis Presley, um filho da p. que não contribuiu em nada para com o interesse de todo esse pessoal aqui do bairro, que tá chorando por ele, pra essa moçada toda da fábrica. Pô, caceta, você taí já há um tempo se f… pelo interesse dum bem estar da gente, teve aí doente, ninguém no rádio, na tevê falou nada, não acompanhou, não chorou e mesmo assim tava aí gritando contra e a favor dos nossos dramas. E… Então sinto que é necessário apoiar, dizer que à medida que o operário deixar de ser boi na boiada, ele estará dando apoio a quem tá se solidarizando com a luta da gente. Vendo a diferença entre Chico e Elvis. Graúna, Fradins e Tio Patinhas. Queria mencionar o quanto achei bom você ter num Fradim aí mostrado a questão da mulher na sociedade. Isso é importante. A ideia sobre ‘sexo’. Uma nova concepção da Mulher, da moral sexual, vejo importância nesse assunto, pois se torna uma mudança parcial, se mudar um sistema de vida e se manter uma visão burguesa, em termo de sexo e da mulher. É bem fácil a gene conduzir uma coisa e esquecer da outra, marginalizando a mulher. Ela que na luta por uma mudança de situação, às vezes dá mais de si do que a gente. E acho muito interessante de muita gente não sentir essa ‘coisa’. Gostei de ver a resposta que você deu a um leitor que perguntou sobre o desenho. E você incentivou a criatividade, fugir das regras e coisas como “na escola de desenho se aprende somente a mexer com tinta e misturar cores”, a coisa mais importante tá dentro do cara. Mais uma vez feicito você pela luta que você tá tendo para não afundar, para sobreviver, a gente contribui do lado da gente, na fábrica, no bairro. Conversando com o pessoal que curte ‘rock’ e que tá se f… aí com o salário mínimo. A gente tá passando a revistinha e consultando o que o pessoal acha. Incentivando a compra, a importância do assunto tratado, tudo isso ajuda a clarear a visão da gente. As vezes, uma mesma revista faz um longo percurso, pois a gente às vezes não tem grana pra comprar, aí a gente reveza, um compra um mês, outro compra noutro. E não é como o Estadão e outras revistas que vão parar na privada, o seu Fradim tem sempre uma pessoa que não eu. O assunto nunca é velho e enquanto tivermos um salário de fome, um sindicato atrelado, vamos sempre tentar acompanhar pea imprensa nanica que tenta trazer os fatos até à tona com uma visão mais crítica sobre a atualidade. Espero não ter enrolado tanto a coisa que quis colocar procê. Tamos acompanhando suas histórias que vai ajudar a mudar a história. Incentivar o povo a ver que ele é o fator de mudança, o homem novo vai surgir depois que a gente souber ver, criticar, se definir, recusar e um monte de coisa assim que a gente só vem a descobrir fugindo das falsas mensagens da escola, televisão, que estão a serviço de quem quer desarticular a gente. Vai firme! Levantando a saia dessa turma toda. A gente tá na tua!

RESPOSTA DO HENFIL

Bão. Primeiro, já que você não pode colocar seu nome pra não sofrer represálias na fábrica, vou te dar um nome, Osvaldo, por exemplo. Osvaldo, quando um operário me escreve, tenho que confessar, fico numa emoção imensa. Talvez surpreso de ver operários lendo a revista. E aí vem uma coisa que queria chamar atenção da maioria dos leitores do Fradim, que são, acho, na maioria, estudantes e profissionais liberais. Notaram como tem operários conscientes? Sim, porque a ideia geral é bem paternalista em relação aos nossos operários. Pobres coitados, analfabetos, buchas de canhão e coitadinhos que se nós, a elite intelectual, não os proteger e os defender, serão usados e abusados feito bananas. Eu já tinha observado isto vendo a nova liderança sindical (como o Lula, do sindicato dos metalurgicos de São Bernardo) e principalmente conferindo os resultados das últimas eleições nos distritos operários. Eles sabem o que querem e dispensam a liderança messiânica da vanguarda intelectual. Há um novo operário brasileiro. E anotem: não é à toa que os sindicatos permanecem sob intervenção direta do governo. O governo, mais que nós, já descobriu, antes de nós, o alto grau da consciencia do novo operário brasileiro. Tanto que não estão dispostos a arriscar… Osvaldo, mais que os indices de vendagem da revista, uma carta de apoio como a tua me dá fogo no rabo pra criar mais e melhor. Fico agora mais cheio de cuidados ao saber que têm operários observando o meu trabalho. E numa alegria enorme quando vocês batem palmas para mim. Porque sei que vocês, quando aplaudem, não aplaudem por modismo, por grupo, que vocês não têm dessas sofisticações, não. Aplaudem aprovando. Essa é a maior gratificação que posso ter com meu trabalho: ver vocês me identificando como um dos “seus”. Tento provar em todos os meus desenhos e textos exatamente isto: que me identifico, me solidarizo com os que trabalham. Que sou pelo trabalho contra o capital. Pela tua carta veio o meu reconhecimento como um “dos nossos”. Parece bobagem, frescura, mas faz um bem… Me permitam, tô orgulhoso de mim. E mais não falo pra não quebrar o encanto.

FRADIM nº24 – Julho/1978

7. E a repercussão da carta?

Depois que Henfil respondeu minha carta, não demorou muito, fui preso pelo Doi-Codi. Era o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna. Mais um órgão nefasto do Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante a ditadura que se seguiu ao golpe militar de 1964. Fui torturado barbaramente como se fazia por lá, como se eles dissessem: ninguém sai daqui de graça! E prometeram pegar meus amigos. Nunca voltei para a comunidade depois disso. Virou uma rotina de gato e rato, só ia para ambientes com muita gente, nunça dormia no mesmo lugar. Um sufoco! Nesse ínterim a Oboré me convidou pra fazer parte do grupo. Era uma organização de jornais alternativos que publicava materiais de Henfil, Laerte, Paulo Caruso, Angeli, Glauco, Nilson e outros cartunistas. Não me fiz de rogado. Aceitei de pronto. Tinha uma família pra sustentar: mulher e filha. Não achei mais serviço na indústria, ninguém contratava ‘subversivos’ e nem podia. Lá na Oboré, Henfil propôs a cotização entre eles para me pagar um salário mínimo. O Serjão, coordenador do grupo, achou melhor que eu recebesse pelas charges feitas (como os outros cartunistas). Assim, passei a ilustrar inúmeros periódicos juntamente com Henfil é outras figuras famosas, jornalistas do traço, como se diz.

8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Home e Tanga, deu no New York Times?

Henfil, sem dúvida, era aquele artista de muitas mãos, parecia aquela deusa indiana azul, a Kali, mãe destruidora com dez braços. Lembrava Leonardo da Vinci contratado por reis e príncipes para fazer canhões, paraquedas, rolamentos para esteiras de tanques blindados, asa-delta, submarinos, batiscafos, helicópteros, tantas ideias… muitas nem saíram dos papéis. Se o artista não tiver ideia é só viajar no tempo. No interior do Brasil, da América-latina, da África, do Vietnã têm muitos camponeses com ideias brilhantes. Dizem que Deus deu ao homem sabedoria para se desenvolver e evoluir mas, as vezes, nós criamos nossos grilhões, argumentos que atrasam, represálias ao pensamento, auto-censura na criatividade e invenção. Se o ser humano encontrar terreno fértil, vai evoluir. Quando as mulheres são oprimidas com base em princípios machistas, elas não dirigem, não se emancipam com medo de quebrar as regras. Quando mulheres e negros não votam em si próprios é uma forma de controle de raça e gênero. Assim controlam as maiorias e as minorias.

9. Qual o legado de Henfil na Charge Sindical?

Na imprensa sindical o Henfil deixou seguidores: Laerte, Vargas, Nilson, Bira, eu outros tantos. E deixou caminhos a seguir. Henfil era uma mão na roda pros sindicalistas, colcoava aquela discussão em tiras, em poucos quadros, de fácil compreensão, sempre com uma pintada de humor. Ele traduzia uma ideia sempre com muitos desenhos e poucas palavras, ou com muito humor e poucas confusões de ideias. O uso de fotos e desenhos é o melhor remédio para textos prolixos de jornais sindicais, ou pra todos. O humor de Henfil é impagável, é ideológico sem ser panfletário, embora esteja compromissado com mudanças, é revolucionário sem ser chato. Este é um desafio posto a todos artistas que queiram sair do lugar comum.

10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época, o trabalho dele ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

Esse livro da Editora Noir e tudo o que se mostra dele ajuda pacas, a homenagem que eu e a Marilia Andrade fizemos (a ilustração que ilustra a entrevista foi estampada no jornal Gazeta de Pinheiros em 1988), essa homenagem na época, valeu para aquela geração: uma lenda e um crédito pra Marilia e a gazeta de Pinheiros. Achei muito bom na época, porque os dois (Chaplin e Henfil) são artistas à frente de sua geração, abriram caminho para os outros irem atrás, acho que de vez em quando, de quando em vez, aparece uma luz no fim do túnel (não é sempre) abrindo passagem como uma lamparina, para os outros irem seguindo atrás. Atrás de Henfil, o nosso lampião, foi muito chargista. Ele deixou um legado, tornou um cangaceiro famoso, um lampião também da caatinga chamada Brasil, onde não há justiça e o cabra precisa agir por diversas vezes fora da lei, para fazer valer a voz dos oprimidos. Assim foi Henfil, a voz de todos que não tinham voz. Engraçado, irreverente e contundente nas críticas ao status quo do regime militarista implantado e sua tirania, é o que eu tenho pra dizer.

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda?

Existe na Índia sociedade estamental milenar, uma sociedade de castas. Na sociedade capitalista usam adjetivos como “mérito”, #meritocracia”. São palavras diferentes para culturas idênticas: a de cercear pessoas, Sofremos isso na infância, nas estatais, em todos setores da sociedade humana. Com base nisto, filho e filha de pobre só vai ser operário, esposa comportada. No Colégio Católico ‘de padres’ onde passei a adolescência, fui violentamente reprimido ao demonstrar minhas aptidões para o desenho e a arte. Mesmo assim, se tinha teatro eu tava lá, se tinha História eu é que contava, o cineminha do orfanato que reuniu dezenas de crianças eu que fazia (com caixa de sapatos uma lâmpada dentro e um rolo do dois lápis, uma fita de desenho em papel fino) e projetava na parede. Era praticamente um slide arcaico. No teatrinho, eu fazia o roteiro é ensaiava as crianças para exibição para alunos, padres e freiras. Mesmo assim réguas foram inúmeras vezes quebradas na minha cabeça, por insistir desenhar e preparar estes espetáculos na sala de aula, não podíam admitir a ideia de um orfanato produzir artista, tinha que ser torneiro mecânico ou pedreiro. E eu queria mais. Se o pessoal formava grupos, eu era punido por isso. Isso não acabou. O Brasil continua ‘sick’ da vida.

12. Como é lembrar, falar de Henfil?

Escrever sobre Henfil é SEMPRE bom. O que somos agora, dependeu dele, ele ajudou a forjar a resistência dos nossos movimentos de base. Não acredito em um nonagésimo de milímetro que esta mania de Mangás (que tem a nossa adolescência) contribua de alguma forma pra porra nenhuma. Me apresentem, pelo amor de Deus, um Mangá ou alguma m… da Marvel que esteja engajada com alguma coisa que não seja seus lucros ou país de origem. Eu lembro do Tintim, personagem famoso da Europa, ele era racista, como seu criador Hergé. Já Asterix, o Gaulês (de Goscinny e Uderzo) ainda era uma resistência contra o colonialismo Romano, às vezes romantizando essa relação de escravidão. Como a Carmen Miranda com o samba, carnaval e favela. Tipoa música que cantava ‘Amélia que era mulher de verdade’. Se o povo prefere o Halloween ao Saci-Pererê, Caiporas, Boitatá, Bode Orelana, Graúna… o povo não tem nada. É cultura alienígena enfiada guela abaixo. Lembrar de Henfil é criar raízes, sem elas, caímos com o primeiro pé de vento. Pois ele era artista das nove artes…

1) Arquitetura – Espaço (Henfil arquitetava e diagramava suas páginas, seus cenários, espaços urbanos e sertanejos). 2) Escultura – Forma (ele esculpia seus personagens com a cara do povo que ele via nas ruas, nos trens nos ônibus, nos estádios). 3) Pintura – Cor (mesmo no preto e branco, seus desenhos tinham as cores da vida e da morte). 4) Música – Som (a musicalidade está expressa nas onomatopéias, nos gritos, nas exclamações dos grandes centros e nos silêncios da caatinga, nos choros silenciosos). 5) Dança – Movimento (o que falar de personagens que correm com cobrinhas nos pés, da animação dos personagens, no gestual das mãos e das expressões faciais que falavam tudo). 6) Poesia – Palavra (textos cuidados com esmero do poeta que quer dizer mais do que as palavras, que extrapola o racional, que voa o vôo solitário da negra graúna). 7) Cinema – Elemento formador (não só usou e abusou da telinha e da telona, como desenvolveu o elemento de formação de caráter, de ética e dignidade de lutar pelo povo sonhador). 8)Fotografia – Imagem (cada foto das cartas da mãe, cada foto com seu sorriso largo e olhar doce). 9) Historia em quadrinhos – Cor, palavra, imagem (brincou com cada uma dessas possibilidades, unindo-as de forma esplendorosa). Ficaram de fora, por falta do tempo avançar mais rápido e chegar lá com ele ainda vivo, apenas duas artes: 10) Video Games – Integração dos elementos de outras artes) e 11) Arte digital – Artes gráficas integradas ao computador e programas 2D, 3D).

13. Henfil se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical?

No bairro onde morei, depois da missa no fim de semana, os paroquianos tinha entretenimento garantido.. Eu escrevia roteiros e montava peças teatrais por lá. Fui criando o costume do cidadão pobre querer assistir e discutir com atores o trabalho teatral. Trouxemos outros grupos para apresentação de teatro, como o Grupo União e Olho Vivo. Eles falavam da história do Brasil e cultura popular, com danças folclóricas, capoeira, etc. Isso era sonho sendo realizado. Apesar de toda repressão que sofri, sonhar ainda me era permitido. Lembro de quando Charles Chaplin pode escolher um país pra viver, ao ser expulso dos EUA, escolheu outra nação: a Suíça, pois na Inglaterra (seu país de origem) foi apenas um órfão desamparado. Henfil era um sonhador. E mestre do roteiro, traço, arte cênica. Motivos para desistir tivemos muitos: censura, dificuldade logística, falta de dinheiro, perseguição. O próprio Henfil dizia ter recebido proposta milionária no exterior, mas preferiu trabalhar no Brasil em um arriscado projeto de cultura popular e de resistência popular. Ele foi, antes de tudo, um pioneiro no sentido de abrir caminhos com irreverência e ousadia. Estes são os adjetivos que nos ajudam a conhecer quem foi o artista e ser humano Henfil, quem foi o amigo e companheiro Henfil.

CONTATO COM ÉTON

https://twitter.com/edsondias1953

https://www.facebook.com/dias.edson.315

Éton (Edson Dias) foi cartunista do Jornal da FNT (Federação Nacional do Transporte), da Oboré, fez HQs pra revista Alô Mundo, chargista do Sindicato dos Bancários, Gazeta de Pinheiros, ilustrou com Bira Dantas Cartilha Direitos do Preso para a Pastoral Carcerária e As Tramas da Comunicação, de Regina Festa. Ilustrou como free-lancer para dezenas de Sindicatos, Oposições Sindicais, Centrais de Educação Popular – como Centro Pastoral Vergueiro e Sedes Sapientiae. Foi cartunista do Sindicato dos Condutores e do jornal Hora do Povo.

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AQC ENTREVISTA: NILSON AZEVEDO (*) SOBRE HENFIL

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Havia um jornal aqui em Minas que, durante a década de 1960, era mais lido do que o conservador Estado de Minas, chamava-se Diário de Minas. Além da concepção visual moderna, a maior atração do jornal era uma coluna de futebol chamada Dois Toques assinada pelo torcedor do América Márcio Rubens Prado (um cronista do naipe de Rubem Braga e Fernando Sabino) ele era o ‘toque 1’ da coluna. Na parte de baixo da coluna vinha o ‘toque 2’: as charges de futebol do atleticano Henfil (que eu já conhecia da revista Alterosa, versão mineira de O Cruzeiro)… Nela o Roberto Drummond tinha forçado o Henfil a virar chargista e publicar pela primeira vez os dois Fradinhos. Além da charge de futebol, Henfil publicava diariamente mais cinco charges políticas. Os leitores compravam o jornal avidamente para ver o Henfil. Isso era antes do AI-5. O Henfil esculachava a Ditadura, chegando a ilustrar todas as piadas que se contavam sobre a burrice do Costa e Silva ou sobre o pescoço (ou a falta dele) do Castello Branco. Coisas que ficaram impossíveis depois do AI5. Na época (estou falando entre 1965 e 67), o movimento estudantil era muito forte e toda semana tinha passeata com forte repressão da polícia. Embora nunca tenham ferido ou matado alguém, os estudantes jogavam coquetéis Molotov nas viaturas da polícia que revidavam com cassetetes, cavalaria, jatos de água e gás lacrimogêneo.

E o Henfil retratava isso?

Sim, fazendo charges sobre as passeatas, Henfil colocou a população do lado dos estudantes. Eles usavam bodoques (estilingues com bolinhas de gude) contra a polícia. Henfil desenhava aqueles estudantes fraquinhos e serelepes com bodoques e cartazes enfrentando milicos enormes (que ele copiava dos bonecos do Claudius) e a população tomava o partido dos estudantes e, dos prédios, jogava saquinhos de leite ou de água em cima da polícia. Acho que Henfil só conseguiria influir na realidade, dessa maneira, anos depois com os símbolos dos times do Rio.

E isso durou até quando?

Até 1968. Com o AI-5 e a censura prévia isso tudo acabou. Henfil e o jornalista Márcio Rubens levaram a coluna para a edição mineira do JS (Jornal dos Sports), onde finalmente o conheci pessoalmente e por acaso. Eu estudava num colégio estadual e minha colega de sala, Nívia, namorava o Chico Mário, irmão de Henfil w Betinho. Assim, conheci o Chico primeiro. Voltando um ano atrás, em 1967, Ziraldo criou o Cartum JS, suplemento de humor do Jornal dos Sports. O Zira já tinha me publicado no último número do gibi do Pererê, então fui até a redação mandar minhas charges pelo malote aí tive a maior sorte: o editor era o cassado jornalista Euro Arantes do extinto semanário Binômio (*). Ele me adotou e me apresentou a seus antigos colegas (só feras) como Celius, Aulicus, Bley Barbosa e Vander Pirolli. Todos me adotaram. Nessa época eu trabalhava de office boy na Mendes Junior. Um dia entro timidamente na redação e o que vejo? O jornaista Marcio Rubens Prado e perto dele, Henfil desenhando numa mesinha. Quebrei a timidez e me apresentei. Descemos juntos pelo elevador. Henfil estava com uns óculos escuros, parecia o John Cassavetes, ator que fez o thriller O Bebê de Rosemary com Mia Farrow… (*) O provocativo jornal “Binômio: Sombra e Água Fresca” foi criado durante o governo Jusceino Kubistheck pelos jornalistas José Rabelo e Euro Arantes. JK havia lançado o Plano Binômio: Energia e Transporte. “O Binômio da mentira era o de Juscelino. O nosso era o Binômio da verdade”, declarou José Rabelo. O semanário foi publicado entre 1952 e 1964, quando foi fechado pela ditadura militar.

E aí, depois do encontro, do elevador e do óculos escuro tenebroso?

Desse encontro com o Henfil nasceu uma amizade que durou até ele morrer. Nessa coluna no Jornal dos Sports e na revista mensal do Atlético, Henfil criou personagens símbolos dos times mineiros: o Urubu pro Atlético, o Refrigerado pro Cruzeiro e o Gato Pingado pro América. O goleiro Raul bombava no Cruzeiro (nos jogos e fora deles), era a paixão de todas mulheres: lindo, com cabelo loiro e comprido tipo Beatles, não usava preto como todos os goleiros, usava uma camisa amarela. O Cruzeiro estava no auge com Dirceu, Lopes, Piazza, Tostão… e os atleticanos começaram a chamar o Raul de Wanderléa, Refrigerado e outros nomes. Então Henfil pegou um dos nomes desse preconceito (Refrigerado) e batizou o bonequinho do Cruzeiro (meu time), mais tarde se penitenciou disso. Urubu era o nome que os cruzeirenses chamavam torcedor do Atlético. Henfil fez o que sempre fez, pegava uma palavra que era uma ofensa e a revertia… nessa época o bonequinho do Urubu ainda era branco. Devido ao enorme sucesso, o pessoal do Rio chamou o Henfil para fazer a coluna lá e ele levou o Urubu, criou o Bacalhau, o Cri-Cri, recriou o Pó de Arroz e manteve o Gato Pingado para o América. No Rio, o Urubu ficou preto, veio o Caboco Mamador, o Pó de Souza, ele tomou conta da página inteira do Jornal dos Sports e marcou minha vida profundamente, assim como o Amigo da Onça do Péricles (que apesar de todo o sucesso se matou). Nessa época se casou com a Gilda Cosenza, no Rio. A gente de vez em quando se escrevia…

2. Quais eram suas influências no desenho? Qual foi o impacto de ver o desenho do Henfil pela primeira vez?

Minhas maiores influências na época eram Ziraldo, Phil de Lara (pra mim, o melhor desenhista do Pernalonga), Jack Bradbury (desenhista dos estúdios Disney), Carlos Estêvão (pernambucano que morava aqui em BH) e que cheguei a conhecer pessoalmente. Mas o traço e o raciocínio do Henfil eram algo novo, surpreendente, além da consciência aguda ele provocava gargalhadas. Leon Eliachar ganhou um concurso com a seguinte definição: “Humor é a arte de fazer cócegas no raciocínio dos outros”. Pois o humor do Henfil era um tapa na cara dos opressores, mas também na nossa consciência adormecida. Que radicalidade! Que cusparada na cara dos ‘cactus brochas’ que éramos nós, os leitores. Nunca conseguíamos prever o rumo da piada, era sempre uma surpresa a nos arrancar gargalhadas. E o traço? O que era aquilo? Ele chamava de desenho caligráfico… não estava preso ao traço europeu nem a esteticismos. Seu desenho era o essencial… era movimento puro, desenho animado sem ser.

3. E a genialidade das frases, das tiradas, das sacadas?

Nem o Amigo da Onça -que era bem popular- conseguiu ser tão genial. Henfil conseguiu mudar o vocabulário dos leitores, que era bem futebolístico, para um vocabulário de luta de classes. Codecri era Comitê de Defesa do Crioléu. E lançou República Popular de Ramos, Ipanema Beach, os torcedores começaram a fazer o que ele desenhava nas charges. Começaram a levar bandeiras enormes, tambores enormes e urubus para o campo. Era a vida imitando a arte. Na copa da Alemanha um torcedor quis mandar um urubu pelo correio. Não deixaram e perdemos a copa. Ele fazia cada coisa… Henfil passou a coluna do Jornal dos Sports pro Nani (cartunista Ernani Lucas) fazer… O Nani tirou férias e eu o substituí. Na redação me apresentam a presidente do JS… e qual era o nome dela? Cacilda… Cacilda!!!! Um dos palavrões que o Henfil usava no Urubu e no Pasquim. Rachei de rir. Quando morava com o Henfil, um dia lhe perguntei por que ele tinha parado com o Urubu e sua turma, ele me disse que ele teve medo da proporção que a coisa tava tomando e que ver o Médici na torcida no Maracanã foi a gota d’água. Vendo hoje a violência das torcidas organizadas penso que ele estava certo.

4. O que fazia a cabeça desses cartunistas, seus contemporâneos?

Antes do Golpe de 64 a charge não era tão importante. Tinha na revista O Cruzeiro um ótimo caricaturista chamado Appe, ele fazia umas charges mornas, quase ‘chapa-brancas’, retratava o senso comum. O que fazia sucesso mesmo eram os cartuns publicados nas revistas O Cruzeiro e Manchete. Ziraldo, Claudius, Fortuna, Jaguar publicavam na revista Senhor e ilustravam os livros do Stanislaw Ponte Preta. Embora todos cantassem ‘loas’ ao grafista Saul Steinberg (cartunista romeno, radicado nos EUA), todos eram influenciados pelo André François, Chacal. O único que parecia ter meesmo influência do Steinberg era o Millôr Fernandes, que reinava absoluto na O Cruzeiro (acho o Millôr melhor do que o Steinberg, que aliás veio primeiro da Romênia pro Brasil, não conseguiu emprego e foi pros Istazunidos onde virou o papa do cartum e artista plástico. Um simples rabisco dele num guardanapo passou a valer milhares de dólares. Por causa dessa raiz européia se fazia muito cartuns com mordomos, armaduras, ópera, orquestras sinfônicas etc e tal. Já o Péricles (criador do Amigo da Onça, o maior sucesso popular da época) tinha influência do Divito e da escola argentina de cartum. Com o golpe, Millôr foi expulso de O Cruzeiro e resolveu fazer a revista Pif-Paf, que durou 8 números. Antes do Millôr as duas páginas na O Cruzeiro eram ilustradas pelo Péricles. Carlos Estêvão também brilhava com o Doutor Macarra (que virou revista junto com o Pererê) e com seus cartuns na O Cruzeiro. Com o golpe, muita coisa mudou. A revista Pif-Paf não tinha mais cartuns com mordomos e armaduras medievais. Era tudo charge pauleira arrasando com os milicos e os Istazunidos. Henfil veio confirmar essa prevalência da Charge (editorial/noticiosa) sobre o Cartum (de costumes). Nas suas charges as críticas não eram específicas (contra esse ou aquele general ou político) eram amplas e gerais, expressavam uma postura de classe, assim como seus desenhos de operários e estudantes… Vendo Henfil vi a necessidade de ter um traço para os quadrinhos e um traço para charges e cartuns. Antes disso, o chargista não se dedicava muito ao tema futebol. Tinha o Otelo n’O Globo, o Otávio em SP, mas o chargista em geral não se ocupava de Futebol. Já o Henfil sempre dedicou tempo igual para a política e para o futebol e, assim, acabou politizando o futebol. Tenho muita coisa dele, agora, um livro que não consegui até hoje foi a biografia precoce do Chacrinha ilustrada pelo Henfil… ele adorava o jeito Chacrinha de comunicar. O Velho Guerreiro foi desprezado pelos intelectuais e com razão… eu não passo pano para o Chacrinha, acho que ele pisou muito na bola mas Henfil admirava sua penetracao no povão. Ele também adorava no rádio o programa do Adelson Alves, por isso foi fazer o Orelhão e, mais tarde, o Urubu no jornal O Dia.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?

Nesse tempo não tinha imprensa sindical. Essa mordaça durou até a ditadura Geisel. Para controlar os trabalhadores, desde 1964, os sindicatos sofreram intervenções federais e estavam tomados pelos pelegos nomeados pela Ditadura. Sindicato não fazia nada, não servia pra nada. Em 1976 ou 77 fundamos aqui em BH o CET (Centro de Estudos do Trabalho) e começamos a fazer cartilhas em quadrinhos. Era uma ONG que tinha padres, comunistas, positivistas, sociólogos, filósofos professores, quadrinhistas. Entre os cartunistas éramos eu, Lor, Melado, Ricardo, Berzé, Aroeira. Eu fiz a primeira cartilha contando a história do Primeiro de Maio em Quadrinhos, vejam só. Embora nosso trabalho não fosse clandestino nossa sede foi invadida pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social, criado em 1924 para combater ataques de ordem política e social ao Estado) duas vezes. A primeira aconteceu na calada da noite e a segunda foi oficial e prenderam o Aroeira por 24 horas.

Neste tempo várias oposições sindicais foram sendo formadas em todo o Brasil, fruto do movimento operário que os militares tentaram destruir durante a ditadura e começaram a vencer dirigentes pelegos em eleições sindicais que antes eram fajutas ou nem eram realizadas. O Sindicato dos Petroleiros de Paulínia foi criado livre em 1973. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri em 1977. Mesmo ano em que o Sindicato dos Metalúrgicos de S. Bernardo foi reconquistado pelos trabalhadores. O Sindicato dos Bancários SP, em 1979.

Quando cheguei em SP e fui morar com Henfil, Glauco estava lá e atuavam na Oboré. Era uma agência de comunicação e assessoria de imprensa sindical, fundada em 1978, que produzia material gráfico para vários sindicatos do Brasil sob a liderança do Serjão (jornalista Sérgio Gomes) e com Laerte carregando o piano nos desenhos. Laerte e Henfil fizeram uma cartilha sobre contrato coletivo pro Sindicato dos Metalúrgicos de S. Bernardo. A Oboré era transpartidária ou assim acreditávamos. Mas, em 1979, quando Lula resolveu fundar o PT e não entrar pro Partidão (Partido Comunista Brasileiro) como os comunistas esperavam, começamos a ser hostilizados por eles na Folha de SP e Oboré rachou… Laerte e Serjão se revelaram ligados ao Partidão (em 1985, com a criação de CUT e CGT o racha iria se aprofundar). Eu continuei colaborando por um tempo mas o Henfil se afastou logo. Também ele ‘tava fazendo a página da Isto É, Pasquim, Jornal da República e uma coluna num jornal de Brasília chamada Primo Figueiredo. Eu o convenci a voltar a fazer o Fradim e a escrever o livro “Henfil Na China”, além de tudo isso veio o convite pra fazer um progarama na TV Mulher, ou seja, ele não tinha tempo para mais nada…

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

No início, Henfil não dava muitas entrevistas, mas com o sucesso do Fradim, da Graúna e, principalmente, com a questão do Betinho e a Luta pela Anistia, ele passou a ser disputado para dar entrevistas… e eu não perdia uma. Lembro, por exemplo, a da revista Playboy, da Marília Gabriela, do Jô Soares e outras, mas as que me marcaram mesmo foram três: um Jornalzinho universitário publicou umas 20 páginas com depoimentos de várias personalidades inclusive de algumas que ele tinha enterrado no Cemitério do Cabôco Mamadô (como Rachel de Queiroz, Elis Regina e mesmo assim falavam bem dele) impresso em mimeógrafo. Nessa entrevista Henfil fala tudo de uma maneira que não seria possível na grande imprensa. A outra entrevista foi pra turma do Pasquim na véspera dele ir para os Iztazunidos. Bom, ele tinha uma vida espartana, de uma coerência incrível com o que ele pregava, isso motivou atritos com a turma do Pasquim, principalmente os mais burgueses. E nessa entrevista os colegas do Pasquim soltaram toda hostilidade contra o Henfil. Ficou tão pesado que acho que eles nem publicaram ou publicaram só uma parte. Só que não contavam com minha astúcia: um dia fuçando na redação do Pasquim achei duas fitas com a tarja “Entrevista com Henfil”. Pensei: Por que não roubá-las?” Roubei-as. Tirei uma cópia e devolvi as fitas ao mesmo lugar. Anos depois, em São Paulo, Henfil estava editando o Diário de Um Cucaracha com as cartas que ele enviou dos Istazunidos (inclusive com duas para mim) e falou da entrevista perdida e eu disse: “Eu tenho a cópia integral!” E está lá no livro. A terceira entrevista imperdível foi a que ele fez com o Teotônio Vilela pro Pasquim e onde cunhou o “Diretas Já”! Ele era genial! Como na charge com Zéferino, Bode Francisco Orelana e a Graúna e a pergunta “Tá vendo alguma esperança?” “TÔ!” E a esperança é a gente que tá vendo a charge!

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Tudo que puder lembrar gente como Monteiro Lobato, Barão de Itararé, Mark Twain e Henfil é sagrado. E se esse livro vem pela mão do GONCALO JUNIOR melhor ainda. Eu adorei A Guerra dos Gibis, infelizmente não consegui achar os livros que ele escreveu de ilustradores que fizeram parte da minha infância: Alceu Penna (também mineiro) e Benício…

8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Home e Tanga, deu no New York Times?

Henfil acordava às cinco da manhã para fazer o quadro ‘TV Homem’ na TV Mulher… e era impressionante pois ele não dormia antes da uma da manhã (só assim com o tanto de coisa que estava fazendo). E foi uma revolução na linguagem da TV e na ousadia dentro do TV Mulher que já era um programa ousado pra época. Mas fiquei chateado por que ele chamou todos os amigos para fazer figuração no programa e nunca me chamou. Henfil só fez duas coisas sem graça na vida: uma foi morrer e a outra foi o filme “Tanga deu no NYT”, ele já ‘tava com Aids, saindo de 6 meses no hospital e, na minha visão, o filme não engrenou. Acho que a única cena que deu certo foi uma do Haroldo Costa de padre falando na igreja. O Maurício Maia (filho do publicitário Carlito Maia) e que praticamente morava lá conosco acompanhou a feitura do filme e me contou que o script todo desenhado era hilariante, puro Henfil. Ele chegou a pensar em passar esse storyboard pra linguagem do cinema.

9. Qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

Puxa, a falta que o Henfil me faz como amigo… as longas conversas e provocações mútuas! Uma vez ele veio à BH, eu estava publicando os quadrinhos do Negrim do Pastoreio no jornal Estado de Minas (meu maior sucesso). Nos encontramos e ele ficou quase 2 horas analisando cada página apontando cada falha e cada acerto… foi muito importante para mim. A partir daí tive uma evolução importante no meu traço, ele fez isso de uma maneira tão terna e bem humorada. Foi muito importante para minha autoconfiança. Pra confiar em mim e na profissão que escolhi. Henfil era uma lâmpada na terra. Lembrei do poeta Pablo Neruda que falou de Lautaro, o jovem líder indígena mapuche, que enfrentou os espanhóis de Valdivia no Chile e matou o sanguinário comandante espanhol. De Lautaro disseram: “Aquello que es una lámpara en la tierra”. Henfil, bem como Lautaro, como Lobato, como Darcy Ribeiro, como Paulo Freire, como Chico Buarque foram e são lâmpadas nessa terra. Ele tinha uma percepção, uma intuição que beirava o sobrenatural. Ele achava a clareza dos caminhos, principalmente para nós cartunistas, clareava esses caminhos e partia pra ação…

Ele partia pra ação direta?

Sim, Henfil agia. Num processo de organização grevista conheci Lula e outros sindicalistas como Arnaldo Gonçalves (Metalúrgicos de Santos), o Joaquinzão (pelego do Sindicato dos Metalúrgicos de SP), o Alemão, o Osmarzinho numa reunião sobre a estratégia para a greve. Henfil sugeriu que fizessem greve entrando nas fábricas, ocupando, ficando lá dentro sem mexer uma palha. Ao contrário dos piquetes e enfrentamento com a polícia violenta, que era sempre arriscado. Fizeram isso anos depois e deu muito certo. Greve por dentro! Me lembro da Elis Regina trazendo a renda do show de Primeiro de Maio no Rio e entregando pro Henfil para ele repassar pro Fundo de Greve dos Metalúrgicos. E não era só isso. Me lembro da mulher do Theodomiro, um guerrilheiro que cumpria pena na Bahia, ela estava apavorada. Ao ser preso, atirou acidentalmente num soldado e os seus carcereiros prometeram que eles iam matá-lo antes que recebesse a anistia, que estava para sair. Henfil conversou com ela e lhe deu dinheiro para ajudar na fuga do marido. Isso tudo era muito arriscado, ainda era o general Figueiredo no poder… Ahhh, o Theodomiro escapou, tem até um documentário sobre isso! Um dia fomos ao presídio Carandiru levados pela Ruth Escobar pra assistir uma peça feita pelas presas. Elas eram do grupo de teatro que a Ruth tinha criado lá dentro. Henfil ficou apaixonado com o grupo e principalmente com uma atriz do elenco, linda, enorme, negra. Assistimos tudo atrás das grades, conversamos com elas… ele participava de tudo ativamente.

O que ele faria hoje, aqui no Brasil?

Henfil crescia sob a pressão. Ele dizia ter nascido para ser piloto de provas de fábrica de supositório. Frente a qualquer situação dramática que abateria qualquer um, ele crescia, virava fera… coisa da hemofilia talvez! Acho que estaríamos menos ignorantes sobre o que fazer se ele estivesse aqui nos ajudando a decifrar esse pesadelo. Acho que daria um braço pra saber o que o Henfil diria sobre o que estamos vivendo no Brasi.

10. O livro organizado pelo Gonçalo Jr, com campanha no Catarse pela Editora Noir, pode ajudar a melhorar isso?

Goncalo Junior escreveu o melhor livro sobre quadrinhos e jornalismo do Brasil: A Guerra dos Gibis. Ele me pediu orientações, dicas, seguiu todas e arrasou. Como disse na resposta 7, onde ele bota a mão é excelência na certa. Um dos melhores jornalistas que os Quadrinhos já viram!

O humor sempre teve um lado sarcástico e irônico, muitas vezes politicamente incorreto, mas tem um setor de humoristas que resolveu explorar o preconceito de forma descarada. O que acha disso?

A pior praga que aconteceu no humor brasileiro foram os Cassetas e Picaretas, depois do TV Pirata. Eles fizeram andar pra trás tudo de bom que o Pasquim tinha feito pra avançar no humor brasileiro. Não foi por acaso a ascensão meteórica da gangue que contaminaria até mesmo a linguagem publicitária, culminando nessa farsa cometida com a cumplicidade do Nelson Mota chamada ‘Simonal ninguém sabe o dedo duro que fui’. Ali começou a falsificação da história recente que deu nos Pondés, Lobões, Danilos Gentili, Marcelos Tas, CQCs da vida, surfando na onda politicamente incorreta e finalmente na ignorância autocultivada e falsificação dos fatos feitas pela horda bolsonarista.

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

Guimarães Rosa dizia que o sapo não pula por boniteza porém por precisão. Precisão no sentido de necessidade. Diz o ditado: “sapo apertado é que pula”. Estamos num situação em que é difícil atacar. Conseguimos, com muito esforço, resistir para estarmos vivos pra quando a maré mudar… talvez haja um dia marcado pra gota d’água acontecer. Como dizia o Millôr: “Estamos cercados não deixem o inimigo escapar.” Darcy Ribeiro estava asilado em Cuba durante o ataque norte-americano à Baía dos Porcos… antes do ataque ele perguntou a uma menina negra franzina com uma arma na mão: “O que você vai poder fazer quando chegarem aqueles marines gigantescos armados até os dentes?” Ela olhou pra ele e respondeu: “Não sei… só sei que o meu, eu esgano!”

12. Como foi quando a emenda ‘Diretas Já’ do deputado Dante Oliveira estava pra ser derrotada no Congresso Nacional?

Diretas Já… tinha uma reunião aqui em BH convocada pelo Ziraldo com todos os cartunistas para apoiarem o Tancredo Neves (via Colégio Eleitoral) pra fazer campanha e tal. Ao chegar no local dou de cara com o Henfil e a Lucinha, sua mulher. E ele puto com o Ziraldo, virou para mim me provocando e perguntou se eu também tinha aderido. Eu disse que não sabia o que estava havendo, mas se ele era contra eu tava com ele. Não fui na reunião. Antes de fazer o filme ‘Tanga’ ele veio aqui em BH e fui encontrarcom ele. Henfil já sabia que estava com Aids mas não me falou nada… Junto com jornalistas do Diário de Minas (o jornal onde ele tinha começado a carreira) fizemos uma de suas últimas entrevistas. Nesta conversa enorme ele diz que o Tancredo era uma libélula e que o PT era a nave mãe de onde sairiam outros partidos mais aguerridos. Sua posição que lhe custou o emprego na Isto É. Foi demitido por um cara que ele tinha ajudado quando exilado. Sua posição era que o povo não devia sair das ruas, devia fazer como o povo português na Revolução dos Cravos: ficar nas ruas até conseguir as Eleições Diretas pra Presidente de República.

13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

Sou fundador e filiado ao PT. Acho que o Henfil nunca se filiou oficialmente. Mas na fundação, estávamos lá com gente como Mário Pedrosa, Sérgio Buarque de Hollanda, Apolônio de Carvalho, Gonzaguinha e tanta gente da melhor estirpe. Anos depois, o discurso que LUla fez logo após sair o resultado das urnas… Lula falou dos três irmãos de sangue (Betinho, Henfil e Chico Mário, os três hemofílicos, os três foram infectados pelo vírus da AIDS em transfusão de sangue) a começar por Henfil…chorei de me acabar, abri o bué… Os vira-casacas tipo Arnaldo Jabor, Nelson Motta, Fernando Gabeira não vão gostar da gente fuçar lembrando do Henfil. Tão logo acabou a Ditadura eles se sentiram livres para aceitar umas sinecuras na Globo ou na Folha e quando Henfil lhes cobrou um mínimo de coerência o Cacá Diegues criou o termo ‘Patrulhas Ideológicas’ para provocar e xingar o Henfil. Imagino o que o Cabôco Mamadô estaria fazendo hoje com os Raimundos Fagner, Elbas Ramalho, Toquinhos, Zezés de Camargo, Marcelos Madureira, com a família Bozo e com os bolsominions… Ia ser uma festa no Cemitério dos Mortos Vivos. Pode ser que hoje eu seja só um velhinho revoltado, mas dentro do meu coração eu repito comigo mesmo: “REVOLUÇÃO CONTINUO TE QUERENDO!”

NILSON AZEVEDO

Membro da Revista Pirralha. Cartunista, chargista e quadrinhista nasceu em 1949 na vizinha cidade de Raul Soares. Em 1967 estreou no Cartum JS. Criou as HQs Negrim e A Caravela (quadrinhos sobre as Grandes Navegações do ponto de vista dos marinheiros). Em sua incansável “guerrilha do traço”, ele publicou charges e cartuns no Pasquim e em alguns dos principais jornais do país, além de ser um dos criadores do Humordaz e companheiro de Henfil na luta contra a Ditadura. Colaborou intensamente em jornais alternativos e com oito colegas formou o “Humordaz” que foi fechado pela censura. Desde 1978 tem se dedicado a educação popular, realizando cartilhas, gibis e audio-visuais. Ganhou em 1989 o concurso de cartum do Salão Carioca de Humor e em 1990 concurso do Piauí.

Nilson Azevedo no Foicebook.

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Blog de Charges

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Nilson no Youtube:

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AQC ENTREVISTA: ESTER RAQUEL (*) SOBRE HENFIL

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Conheci o trabalho do Henfil na faculdade, na aula de jornalismo de revista. O professor estava dando exemplos de posicionamentos políticos em veículos de comunicação através do jornal O Pasquim e O Jornal do Brasil.

2. Qual foi o impacto inicial?

O impacto foi ocasionado pelos traços fortes e provocantes, o humor que chega a ser agressivo mas muito efetivo no contexto político. A ousadia e os personagens marcantes, inclusive o uso de palavrões no texto, essa liberdade desafiadora justamente o combate e de denúncia a ditadura, a elite e despertar essas problemáticas.

3. O que chamou mais atenção: o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

Acredito que o maior destaque seja para o traço agressivo, humorístico característico como rebelde que compõem personagens brasileirismos como Cumprido e Baixim. Com um estilo atemporal, personalizado e orgânico junto a uma dimensão gráfica do desenho marcante que está diretamente associado a ele, sem se desvencilhar do artista Henfil.

4. O trabalho do Henfil teve influência direta no seu? Se teve, em que sentido?

O meu trabalho sobre a importância de recursos visuais como a charge e cartum na imprensa sindical e alternativa teve influência direta de trabalhos como do Henfil, da Laerte, do Glauco, do Angeli, o Aroeira e inúmeros outros que democratizaram a informação por meio da ilustração, do humor e da sátira contra a ditadura e abusos da elite com a população, principalmente com os grupos minoritários. Atendendo a necessidade de momentos históricos, promovendo integração social e provocando modificações e diálogos mais do que necessários.

5. Qual foi o impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?

Um dos impactos do Henfil na imprensa sindical por volta da década de 70 e 80 é a sua participação na instituição OBORÉ, ao lado de outros cartunistas que também fundaram esse projeto social de apoio às produções sindicais. Participando também no levantamento de partidos populares, pelos direitos trabalhistas sendo um artista politizado e que sempre se manteve do lado que se identificou e lutou pelo lado certo da história.

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa? Alguma lhe marcou?

Acho que a entrevista mais marcante para mim, de Henfil, foi a da revista Veja (edição 138 em 28 de abril de 1971) em que, durante a entrevista, o artista relaciona os personagens Cumprido e Baixinho (conhecidos também como Fradinhos) a fases da sua vida, do seu trabalho e criatividade como humor escrito e visual que passou por transformações, a maneira como que ambos foram partes de suas inseguranças e que como o humor se adaptou para se tornar jornalístico.

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Acredito que a iniciativa desta compilação de entrevistas num livro é mais do que necessária. Ilustrar as pautas e pontos de vistas defendidos por Henfil nesses momentos tão interessantes e articulados. O livro da Editora Noir é uma ótima produção para introduzir os leitores na visão desse artista, até mesmo para compreender as problemáticas atuais que são heranças do passado por alguém que viveu no que hoje é a história.

8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Home e Tanga, deu no New York Times?

O filme é uma nítida crítica à situação política da época, trazendo para o audiovisual o humor do cartum acentuando como o conhecimento é poder e a sua capacidade de manipular os sistemas sociais ainda mais por se tratar de um jornal estadunidense. Mesmo não sendo um sucesso de bilheteria durante o lançamento, ainda hoje é um filme que continua com sacadas muito pertinentes, sem falar da proeza de escrever, dirigir e protagonizar o próprio filme.

9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

O tamanho ocasionado pela falta do Henfil no cenário da comunicação é de um profissional revolucionário, até mesmo contra o próprio editorial, que não se limitava a caixas ou definições. Um artista de multifacetas, personagens e veículos existindo essa real necessidade de se comunicar, transcendendo as histórias em quadrinhos.

10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época, o trabalho dele (apesar do enorme esforço do Instituto Henfil, criado pelo filho Ivan Cosenza) ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

Eu acredito que aplicar os seus trabalhos e ideais nos dias de hoje, seria uma boa maneira de popularizar o Henfil novamente priorizando o instituto e expondo todas as causas que o mesmo representou, inclusive a luta na prevenção da contaminação pelo vírus HIV. O livro ‘Tô Sick da Vida’ -com toda certeza- vai auxiliar nesse processo de reconhecimento, neste compilado de entrevistas reunidas pelo Gonçalo Jr que vai introduzir para as novas gerações a personalidade e essência do artista.

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

Como diria a personagem Graúna “Que país foi esse?” Nos recordamos de movimentos como as Diretas Já, os caras pintadas, as manifestações sobre os preços das passagens do transporte público. Essas revoltas populares marcantes parece que se perderam entre tanto descaso e desgaste por parte da população, mas nas circunstâncias atuais, como os ataques à democracia, está mais do que na hora de uma mobilização e principalmente que compreenda que essas segregações só servem para enfraquecer a força do poder público.

12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Certeza que estaria do lado certo da história novamente, agindo contra as opressões e atos de crime contra a democracia junto das mobilizações e movimentos antifascistas. Influenciando nos diálogos sobre essas problemáticas, que muitas pessoas ainda insistem que são assuntos indiscutíveis sobre a velha percepção de que política, religião e futebol não se discutem… e sabemos muito bem que não é assim que funciona na vida real.

13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

Acredito que ainda seja possível realizar transformações nesse país, mas no cenário atual por mais que uma mudança radical fosse o ideal, as modificações progressistas e duradouras podem ser o caminho a ser trilhado até esse ato revolucionário. O humor sem dúvida é uma ferramenta fundamental para essa transição, ainda mais neste momento que a comunicação é tão visual como os memes (que são praticamente um vocabulário à parte da língua portuguesa) e por esse apelo tão grande com os jovens, que são ainda grande esperança para o futuro.

Contato

esterraquuell@gmail.com

(*) Ester Raquel é estudante de jornalismo na Universidade Cruzeiro do Sul (SP).

Quadrinhos e charges fizeram parte da alfabetização de Ester Raquel e foram o início de sua relação com os jornais. Seu trabalho de TCC enfoca a imprensa sindical, a trajetória da cartunista Laerte Coutinho e suas percepções sociais e políticas nos 40 anos de publicação na imprensa tradicional e alternativa.

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AQC ENTREVISTA FLAVIO MOTA (*) SOBRE HENFIL

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil? Lembra da ocasião?

Eu conheci o trabalho do Henfil muitos anos após sua morte. Apenas conhecia o seu nome até então e na verdade tive o meu primeiro contato, bastante breve, em 1990, na casa do meu professor de desenho na época, o quadrinhista Ismael dos Santos. Naquela época eu viajava quase todo final de semana para estudar na sua escola que ficava na Lapa e geralmente eu dormia na própria escolinha. Num desses finais de semana ele me convidou para dormir na casa dele, pois os filhos estavam em viajem de trabalho ou alguma coisa assim e teria como usar o quarto deles. Na manhã seguinte eu fiquei no estúdio que ele tinha nos fundos da sua casa, um lugar repleto de materiais de desenho, livros e revistas. Ali eu encontrei um exemplar de uma coletânea de tiras do Henfil e fiquei entretido enquanto o Ismael ainda não havia chegado no estúdio. Para mim foi extremamente impactante, porque a leitura era fácil, rápida, com um desenho leve, simples, rápido e ao mesmo tempo seu humor era pesado, denso, conseguia transmitir a tensão daqueles anos de chumbo que ele publicou no Pasquim. Eu fiquei anos sem ter contato com nada dele até que alguns anos mais tarde numa edição da Bienal do Livro eu encontrei a coleção de suas tirar publicadas em uma série de livros. Comprei todos. Eu considero aquele momento minha real interação com a obra do Henfil.

2. Qual foi o impacto inicial?

Não sei se dá para descrever porque o desenho era simples e rápido, quase feito de qualquer jeito, no entanto, era cativante, gostoso de ver, engraçadíssimo. A criatividade do Henfil era preponderante no seu trabalho. Não era necessário um grande e complexo cenário, personagens cheios de detalhes, truques e mais truques como enquadramentos radicais, diagramações arrojadas. Tudo estava ali servindo da maneira mais simples e direta possível, apenas sendo usado para contar uma história, e bem contada. Mas havia a história, o contexto histórico, o humor. mas não um humor boboca, sem direção, sem função. Seu humor era certeiro, ácido, porque não dizer incômodo porque mexia com alguns padrões que eu tinha como sendo a maneira de se fazer tiras, com muitas nuances, muitas camadas. Até o espaço vazio funcionava. E o traço… era magia pura. Eu fiz da experiência de ter a coleção dos trabalhos do Henfil uma oportunidade de aprender tudo o que me era possível. Tanto que hoje quando vou montar um layout de HQ eu faço como imitando os desenhos do Henfil.

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

Impossível dizer uma coisa só. Era a obra, não tem jeito. O resultado final chama atenção. Mesmo se você não quiser ler, sem que você perceba já está lendo as tiras. É impossível resistir. O desenho chama atenção a ponto de você ler e continuar lendo tudo até o fim, o trabalho dele é magnético, te prende e ao mesmo tempo soa despretensioso.

4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?

Evidente que teve, muito mais do que dá pra se imaginar. Na composição dos layouts de quadrinhos eu costumo usar muito a maneira dele montar as sequências das cenas muitas vezes baseadas apenas nas expressões dos personagens, usar a diagramação a serviço da história, perceber que uma imagem pode ser resolvida com poucos traços, aliás montar uma imagem com poucos traços ajuda a resolver uma cena, mesmo que o desenho final não seja composto de poucos traços. Eu também aprendi a valorizar a “sujeira” no desenho, aquela sujeira do desenho que parece não ter sido terminado, a beleza do traço corrido e a valorizar textos e sequências que possam ser um pouco mais pesados de uma maneira que seu peso não fique tão evidente. Eu juro que ainda não cheguei a seus pés, mas que isso me influencia, me influencia. Inclusive existe um projeto que está parado por um tempo de desenvolver uma espécie de fanzine com um grupo de artistas periféricos de um coletivo que eu me relaciono aqui em Bauru que terá um trabalho de tiras de quadrinhos meus representando a realidade da periferia, do povo preto, pobre e periférico que é a reprodução do estilo do Henfil sem tirar nem por. Eu penso que realizar esse projeto adotando o estilo do Henfil é o maior presente que eu posso dar ao projeto, porque mostra uma realidade crua de uma parcela considerável da população brasileira com um tipo de arte que ao meu ver melhor representa essa brasilidade, essa simplicidade, essa crueza.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda? E entre seus amigos?

A maioria das pessoas que eu conheço talvez não conheça o seu trabalho e se conhece não conhece muito a fundo. Eu tenho contato com muita gente de idade bem mais nova e gente que não teve a mesma sorte de uma formação artística tão privilegiada como a minha, tanto que meu desejo é fazer de alguma maneira com que essa nova geração tenha um canal para conhecer certas coisas, certas realidades e certas linguagens, dentre elas a linguagem desenvolvida pelo trabalho do Henfil. Quanto a imprensa sindical e nada posso dizer, eu não tenho contato com ela. Na esquerda eu vejo que o trabalho do Henfil é mais influente entre os mais velhos, não está muito presente entre o pessoal mais novo, parece que faz parte do imaginário da esquerda sem que eles saibam exatamente do que se trata. As novas gerações demonstram muito poucas referências com coisas anteriores de suas gerações, coisa que não havia na minha geração, o que me preocupa porque eles perdem muito em termos de repertório de tudo.

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

Eu não tive como, eu sou de uma outra geração. Quando eu ouvi falar do Henfil pela primeira vez foi quando saiu a notícia da sua morte.

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Mais do que necessário, essencial para que sua imagem, sua obra e sua mensagem possam permanecer.

8. Sabia que Henfil era um profissional multimídia, atuando também na TV e no Cinema?

Não tinha conhecimento disso.

9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

Do tamanho que faz a falta de uma esquerda combativa e atuante num momento histórico como o atual.

10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época, o trabalho dele ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

É preciso ir até aonde o povo está, como já dizia Fernando Brandt. Seu trabalho precisa existir nos meios digitais, mídias sociais, nos sindicatos, escolas, faculdades, grêmios estudantis, etc. Seu trabalho precisa habitar os locais mais variados, as periferias, os movimentos sociais. As pessoas precisam conhecer o que foi e como foi a resistência na época da ditadura para compreender como se faz uma resistência, porque a esquerda está muito dissipada, muito pouco aguerrida, precisa atuar, precisa de uma injeção de inspiração. O povo precisa sonhar, precisa aprender a lutar pelos seus direitos, a correr atrás, a se manifestar, mostrar sua indignação, ser protagonista do seu próprio país.

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

Da maneira como a coisa está, infelizmente, ainda vai piorar e piorar muito mais. Não existe mobilização, não existe consciência de classe, não existe politização, não existe ação, não existe combate, não existe nem mesmo um ensaio para que o nosso lado construa um projeto de país verdadeiramente democrático e livre. As pessoas se contentem apenas em deixar de perder mais direitos e nem isso estão conseguindo. Nosso país está se transformando no inferno na terra e todos continuam querendo, insistindo em viver suas vidinhas como se fosse possível haver normalidade. É muito triste tudo isso, os demônios criaram coragem, estão dançando e rindo de tudo e todos enquanto que os bons criaram vergonha de saírem a luz do sol. Eu nunca poderia imaginar que fossemos chegar a esse ponto. E a tendência é piorar porque o lado de lá está apenas começando e eles não irão parar os ataques enquanto a esquerda não virar o jogo. Não irá aparecer nenhum salvador vindo dos céus para nos libertar de todo mal e iniquidade. É melhor que todos nós acordemos.

12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Eu acho que ele estaria fulo da vida com tudo isso e principalmente, com a incapacidade de mobilização do nosso lado.

13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

É possível, mas para isso ser possível é preciso ser radical, parar de fingir que não existe luta de classes, parar de ficar propondo conciliação porque a nossa burguesia foi quem ultrapassou os limites de institucionalidade. Está tudo errado. O sistema está errado. Não dá para querer salvar o que está destruído. Se o PT quiser MESMO salvar este país vai ter que ser bem mais radical em suas propostas e em suas ações do que foi em 2002. O Brasil não é o mesmo, o mundo não é o mesmo, não há mais espaço para uma normalidade que ninguém está disposto a bancar, vai ser preciso jogar duro e pesado porque o lado de lá já está jogando pesado, sem seguir nenhuma regra, estamos sob o vale tudo de gente que não teme nem a morte e se a gente não fizer alguma coisa não sobrará esquerda para contar a história, provavelmente não sobrará nem Brasil, talvez não sobrará história.

CONTATO

(*) Flavio Roberto Mota é ilustrador, chargista, cartunista, membro da AQC e da Revista Pirralha. flaviormota@gmail.com Oferece serviços de ilustração e quadrinhos através do Estúdio Tris. https://www.facebook.com/FlavioMotaIlustra

Trabalhou como ilustrador, web-designer e assistente de estúdio em Carillo Pastore Euro RSCG, Totem, Terra Networks, McCann Erickson. Estuda na UNESP. Estudou Animação 2D/3D no CAV – Centro de Audiovisual São Bernardo do Campo.

https://www.facebook.com/flaviormota Criou a página de Charges e Cartuns: https://www.facebook.com/Groselha.Grafica

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AQC ENTREVISTA: NILSON MAIA SOBRE HENFIL

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Foi no início da década de 70. Adolescente, de família e colégio politizado, sempre esperava ansioso O Pasquim que era lido e compartilhado com os colegas da escola.

2. Qual foi o impacto inicial?

Foi como um contra-ponto das longas análises econômicas ou sociais dos longos textos que se conseguia ler (Caio Prado, Graciliano Ramos, etc..). Era uma coisa moderna, cheirava a novo. O humor sério fazia contra-ponto com o humor de galhofa que era comum na época. Henfil fazia a crítica social e econômica, clara, resumida, em poucos traços ágeis que conseguia driblar a censura prévia a que todas as publicações estavam sujeitas na época

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

O traço simples (que nós, moleques, conseguíamos copiar) e o texto quase telegráfico, mas completo, cheio de crítica.

4. Seu trabalho teve alguma influência?

Não percebo.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical e na Esquerda?

No movimento sindical não tenho condição de analisar. Mas na Esquerda, definitivamente, ajudou a tirar ranço sério e chato, compreensível pela situação que a ditadura impunha, que tinha a esquerda da década de 70.

E entre seus amigos?

Ajudou-nos a entender que o humor pode ser sério e que mesmo em situação tão grave como se vivia na ditadura militar, havia espaço para rir. Mesmo que fosse vendo o Fradim fazendo top-top para a gente.

Quais eram os comentários das pessoas?

“O Henfil é foda!”

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

Sim.

Teve alguma que lhe marcou?

Uma desenho o Orelana e a Graúna no ombro do Zeferino de costas, olhando para o horizonte dizento “Há uma esperança”

Porquê?

Era o final da década de 70, ou início de 80 e se antevia a possibilidade do fim da ditadura

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro?

Ótimo!

Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Um registro histórico importante que trará reflexões sobre a atual situação política, econômica e social de hoje, que de certa forma tem muito em comum com a da época do surgimento de Henfil e seus personagens

8. Conheceu o Henfil multimídia, atuando na TV e no Cinema?

Pouco acompanhei essa faceta do Henfil. Fui um voraz consumidor do Henfil no papel.

9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

É uma falta sem dimensão. Infinita.

10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar a mudar esse panorama?

Sim. Tudo que relembrar Henfil, além de satisfazer os velhos, fará com que os jovens percebam a dimensão universal e atemporal de sua obra. Henfil é uma espécie de Quino brasileiro.

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda. A coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

Não.

12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Gosto de acreditar que se Henfil ainda desenhasse nos dias de hoje, teria criado um militar fascista, um político miliciano e, certamente, um pastor louco!

13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical?

Apesar de difícil, o PT provou que é possível modificar o país e diminuir a indecente concentração de renda. Apesar de não ter dado conta da reação da “elite” econômica e ter sucumbido, ao meu ver, com muita mansidão ao golpe de 2016, ainda há espaço para avançar e formar novas lideranças progressistas dentro do próprio PT. Afinal, por mlelhor que seja, Lula não é eterno.

O humor entra nisso?

O Humor está em nós. Vocês (Bira e seus colegas cartunistas) só ajudam a nós -seres rudes e insensíveis de tanto calo nas costas- a percebermos melhor a divindade do Humor que está em tudo e em todos. Forte abraço, meu amigo (e parceiro de uma charge!!). Saudades.

Nilson Borlina Maia é Engenheiro Agrônomo (ESALQ 1981). Mestre e Doutor em Solos e Nutrição de Plantas Especialista em destilação e produção de óleos essenciais de Plantas Aromáticas.

Sócio Fundador da Linax Óleos Essenciais – Direção Científica Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas – Seção de Plantas Aromáticas e Medicinais. 1988-2019 Professor de Ecologia PUCAMP 2000-2001 Professor de Ecologia da PUC – SP 1995-2002 Pesquisador Embrapa- Programa Energia 1985-1988 Centro de Tecnologia Copersucar 1982-1985

Detalhe: a foto de perfil de Nilson Maia no Facebook é a Graúna, personagem imortal de Henfil, o apelido do Nilson na ESALQ era Fubeca e o colega de ESALQ Luiz Rangel cometeu o desatino de deixar sua rara coleção de Fradins, que agora vai presentear o cartunista e amigo Bira.

https://www.facebook.com/nilson.maia.54

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AQC ENTREVISTA: LOR SOBRE HENFIL

1) Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Conhecia Henfil pelo Pasquim, admirava seu trabalho e encontrei com ele num dos salões de Piracicaba, em 1976, talvez.

2) Qual foi o impacto inicial?

Uma pessoa agressiva e crítica, duas qualidades naquela época.

3) O que chamou mais atenção: o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

Os cartuns e personagens de quadrinhos, além do traço, é claro.

4) Seu trabalho teve influência direta?

Sim, e muita. Queria ser crítico como ele, fazer desenhos simplificados e diretos como os dele. Estive hospedado em sua casa em São Paulo por uns dias e recebi muitas dicas dele sobre como fazer um quadrinho politicamente engajado. Trocamos algumas cartas sobre isto. Veja aqui um relato sobre estes momentos https://lorcartunista.blogspot.com/2018/01/henfil-o-palestino.html

5) Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?

Henfil influenciou a todas os cartunistas da minha geração que tinham uma perspectiva de esquerda. Tentamos fazer em nossos nichos o que ele fazia no Pasquim e na grande imprensa.

6) Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa? Teve alguma que lhe marcou?

Sim, tudo o que ele falava era importante para nós. Sua tentativa frustrada de trabalhar nos Estados Unidos foi a maior lição sobre colonialismo cultural que poderíamos ter ao vivo.

7) O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Boa ideia: será um prazer rever e repensar aquele tempo.

8) Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Homem e Tanga, deu no New York Times?

Achava sua tentativa de se adaptar a outras mídias atrevida e necessária, mas os resultados não foram bons. Deu no New York Times é um desastre como filme. A TV Homem tem momentos muito bons.

9) Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

Peço novamente que veja o texto que escrevi no Blog sobre sua morte. Minha dor está colocada lá e não estou com forças para reviver tudo aquilo neste momento.

10) As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de exposições e do enorme esforço do Instituto Henfil, criado pelo filho Ivan Cosenza, o material de Henfil ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso?

Acho que toda arte, incluindo os cartuns, são manifestações históricas. Somos datados. Cada época tem a sua linguagem, suas questões e soluções. Acho ilusório tentarmos recuperar o impacto do Henfil ou de qualquer um de nós numa época diferente daquela em que ele atuou com grande repercussão popular.

11) O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda… Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Acho que estaria reagindo com as armas que dispunha (e dispomos): escrevendo, desenhando e se posicionando contra o bolsonarismo. Apesar de sua argúcia política, tenho a impressão de que ele se surpreenderia com a parcela da população que se revelou de extrema direita no Brasil.

12) Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Provavelmente com a fúria dos justos que ele exibia diante da ditadura e da miséria social.

13) Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

Sim, Henfil foi um dos fundadores do PT e hoje talvez estivesse num partido mais combativo (como o PSOL, talvez) por causa dos acordos que o PT fez com o centrão e outros desvios bem conhecidos do sonho inicial. Quanto a transformar o país, acredito que uma nova sociedade pode evoluir do capitalismo, mas somente se isso for acontecendo aos poucos e transformando o mundo como um todo. Os desafios são aparentemente insuperáveis. Há momentos em que fico cético de que conseguiremos superar a crise climática e a desigualdade econômica, sem falar no poderio militar nuclear que ainda existe sobre nossas cabeças. Construímos uma sociedade cujo funcionamento depende do crescimento exploratório das pessoas e do planeta. Não sei se existe uma maneira de mudar esta estrutura que se tornou automática. Além de tudo, somos guiados pelo acaso com nenhum ou pouquíssimo livre arbítrio. Não creio que estejamos bem equipados para mudar o mundo antes que sejamos extintos como civilização. Mas não me resta nenhuma opção além de acreditar que devemos tentar.

Contatos:

rodrigues.loc@gmail.com https://www.facebook.com/luiz.rodrigues.77736https://lorcartunista.blogspot.com

LOR é cartunista desde 1973, publicou 5 mil charges, ilustrações e cartuns em diversos órgãos de imprensa. Foi premiado em salões internacionais de humor e recebeu o “Troféu Angelo Agostini” de Mestre do Quadrinho Nacional em 2006 (SP). Publicou livros com cartuns e quadrinhos, ilustrou livros de ciências e literatura; cartilhas sobre saúde, direitos humanos, preservação ambiental e construção da cidadania. LOR também é médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais em 1972, foi Professor Titular na UFMG. Foi Pesquisador do CNPq, publicou artigos e realizou orientações de iniciação científica, mestrado e doutorado.