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AQC entrevista: Junião sobre Henfil

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

O trabalho do Henfil eu conheci há muito tempo atrás, não existiu um marco. Minha família sempre foi muito esclarecida, desde a época da minha bisavó, minha mãe frequentava Universidade, trabalhava na Unicamp… então leitura de jornal, livro e essas conversas sobre ditadura militar, repressão, sempre foram muito frequentes dentro de casa. Eu sempre gostei muito de cartum e charge, né? E como disse no comço, sempre teve jornal em casa. E uma vez, não sei se por um comentário de alguém, mas chegou um trabalho do Henfil na minha mão. Não lembro se era O Pasquim, só lembro que vi e gostei muito do traço dele. Eu já gostava muito de outros cartunistas coo Angeli, Glauco, Laerte. Naquela época a gente ia muito em banca de jornal, não tinha dinheiro pra comprar revistas, mas ficava folheando as coisas. Então conheci o trabalho do Henfil meio nesta toada assim: olhando revistas em banca de jornal, o traço dele já me chamou muito a atenção na época. E lá com meus 14 ou 15 anos comecei a defender uma graninha e gastava nos sebos de livros e discos e aí, encontrei o Fradim e o cara que vivia com medo, O Ubaldo o Paranóico. Com 16, 17 anos comprei três livrinhos do Henfil. Achava o humor dle bem ácido, fazia rir, mas fazia uma crítica social muito pertinente. Foi nesta minha fase entre adolescente e adulto que folheando revistas nas bancas e conversando em casa.

2. Qual foi o impacto inicial?

Foi este que descrevi acima. O traço dele me chamou muita atenção. Dos traços que eu via na época era o que tinha mais personalidade, masi expressão. Sempre gostei muito de ver um traço que já fosse a assinatura do artista. E também o tipo de humor, ele criava personagens pra falar da história do Brasil e através deles contava histórias. O que mai me impactou foi a qestão do traço forte, da crítica social pertinente e o modo que ele usava personagens pra criar como se fosse uma novela. Eu sempre gostei muito de artistas, cartunistas que contam histórias. Iso me marcou muito.

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

Complementando o que falei antes, eu não separo essas coisas, traço, humor, texto. Todas têm suas funções, não são independentes, caminham juntas e dão o ritmo da história que você está contando. Eu costumo brincar que tenho uma herança da época do Henfil, que é esse modo de contar a história, com ritmo. Todos elementos citados: humor escrito, gag visual e traço dão ritmo na história. Henfil não é só traço, só gag, é ritmo. Eu acho sensacional esse ritmo dele tranmitir o que quer.

4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?

Obviamente meu trabalho teve influência. A gente vai crescendo e vai vendo o trabalho de outros artistas, de cada um a gente vai trazendo alguma coisa pro seu trabalho. E essas influências mudam. No meu início de carreira tive muita influência do Henfil por conta do que eu disse antes, do ritmo de contar histórias, do ritmo em que você trabalha o tema, de contar tudo de uma maneira que impacte o leitor. Isso é uma coisa que trago muito comigo de Henfil, Angeli, Glauco, Laerte, até de outros como Emouri Douglas, artista gráfico dos Panteras Negras, que tem um cartum e ilustração mais posicionados. O Henfil com certeza é uma das minhas influências nesta questão de como trabalhar o ritmo do cartum, das histórias e a intensidade do traço.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical?

Até então a imprensa sindical também foi uma referência quando eu ‘tava começando a produzir as minhas charges, buscando até informação política, porque eram textos, imagens e cartuns que você não via na imprensa tradicional. Na imprensa sindical a gente tinha oportunidade de enxergar e entender outras perspectivas que não era uma perspectiva branca, pró mercado, pró ‘status quo’ que a imprensa tradicional sempre teve, né? A imprensa sindical trazia esta outra perpectiva mais proletária, que falava mais ds divisões de classe. Na minha adolescência, minha formação política foi dentro de casa, mas foi na rua também. E esse era assunto recorrente, não só a imprensa sindical, mas jornais e revistas negras, que traziam tudo da imprensa sindical somada à questão racial. Acho que é uma falha que a esquerda de hoje ainda tem, que é muito branca. Não tem como discutir classe no Brasil se não discutir raça. São coisas que estruturam o capitalismo. Não tem como discutir um sem o outro e a nossa esquerda branca evitava essa discussão com argumento furado de que isso dividia o movimento. Minha formação então teve muita influência da imprensa sindical como referência, com os trabalhos de Henfil, Laerte, Bira, mas questão racial eu tinha de ver por outros modos.

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

Eu lembro muito pouco disso. Lembro do rosto dele, dele falando, mas não lembro de nenhuma entrevista que tenha marcado forte pra mim. Acho que mais por falta de acesso na época, porque ainda não tinha intenet e a gente não tinha dinheiro pra comprar revista. Não lembro de O Cruzeiro, mas folheava muita revista nas bancas e o que mais vi mesmo foram coletâneas com Quadrinhos do Henfil, do Fradim e de outros personagens. Eu não o acompanhava na recorrência semanal ou mensal das publicações, mas procurava seus livros e revistas em sebos, onde eu tinha mais acesso.

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Acho sensacional essa ideia da editora porque, como eu era muito novo na época, é uma chance de ter acesso a isso tudo. Tudo bem que hoje em dia a gente tem internet, tem vários canais, mas livro é livro, né, velho? E poder ler, poder entender melhor o contexto daquela época é muito importante. E o Henfil é um personagem, dentre vários personagens da história do Brasil, muito pouco trabalhado. Eu, pelo menos, vejo pouca gente falando sobre quem ele era. E é um cara que merece ter seu trabalho e sua vida mais discutidos.

8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Home e Tanga, deu no New York Times?

Eu sou meio suspeito pra falar. Eu atuo como cartunista, sou diretor de um jornal, tenho trabalho com música, um pé nas Artes Plásticas, então é natural que o cartunista procure novas formas e novas plataformas pra contar suas histórias, né? Eu acho também que o cartunista é um contador de histórias, mas a plataforma que é usada pra isso pode ser variada. Então, pô, tem que trabalhar com TV, tem que trabalhar com cinema, porque cada plataforma tem sua técnica, suas ferramentas, seu modo de funcionar e de atingir as pessoas. Talvez a televisão atinja uma população que o cinema não atinge, que o jornal não atinge, que o livro não atinge. E isso só tem a acrescentar, né? Quanto mais linguagens, quanto mais formatos, mais plataformas a gente consegue ter acesso, trabalhar e contar nossas histórias, mais polido vai ficando o nosso modo de dizer o que queremos dizer e assim, ter feedbacks diferentes de públicos diferentes, né? Acho isso sensacional. É uma das coisas que o Henfil fazia, a Laerte fazia, Miguel Paiva fazia, tem que misturar as coisas. Quanto mais a gente diversifica o nosso modo de atuar, diversifica o nosso modo de olhar, passamos ater uma noção melhor de qual é essa realidade que habitamos… de quantas populações atingimos e dialogamos. Acho sensacional isso.

9. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época, o trabalho dele ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

Esse é um problema não só em relação ao artista Henfil, é um problema que a gente tem aqui no Brasil. A gente tem essa desiguldade social que beneficia muito o que essa elite branca quer falar e quer mostrar. Pra tudo isso existe dinheiro, poder, espaço. Enquanto a gente tiver essas seis famílias que dominam a imprensa brasileira, uma elite branca, vinda da burguesia cafeeira que ainda está aí! Quem consegue virar cultura de massa hoje? Só quem essa elite quer. Assim como o Henfil, é muito difíci a gente ver artistas negras e negros que se destacaram dese a época do Brasil-colônia. Por que não temos essas pessoas nos livros de história? Porque é esse mesmo pensamento racista, misógino, homofóbico que impera desde a colonização do Brasil. É difícil você ter personalidades com destaque, que fujam dessa construção de imaginário dessa elite branca.O Henfil entra nesse rol porque era um artista que provocava essa elite e trazia uma reflexão em relação a essa elite. Não tem espaço pra pessoas que questionem o status quo. Assim, não tem espaço pra Henfil, pra Carolina de Jesus, Arthur Timóteo, pintor do começo do século, fazia parte das Belas-Artes, sabe-se muito pouco de Luiz Gama, de André Rebouças, porque foram pessoas que enfrentaram o sistema. É difícil colocá-los no imaginário popular hoje.

10. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda. Como seria ter Henfil conosco nos dias de hoje?

A gente precisa ir um pouco mais além, nossos vários núcleos de esquerda tem de entender o que queremos dizer com democracia, porque parece que democracia só foi ausente na época da ditadura militar e agora depois que o Bolsonaro tomou o poder.Mas se for perguntar pra galera da periferia, pra população preta, pobre e periférica, eles vão falar pra você qu e a democracia nunca existiu aqui no Brasil, sacou? Porque a violência policial, violência de estado, violência racial, vioência de gênero sempre estiveram aí, brother! Na ditadura, no governo bolsonaro, foi mais intensa, mas no Brasil sempre foi isso. Eu não gosto desta tese de que a democracia tá ameaçada agora. Ela sempre teve. A gente nunca teve democracia. O Brasil foi criado na base do derramamento de sangue, da violência do estupro. O Bolsonaro e a ditadura militar são refexos disso aí! O Brasil foi criado pra manter países ricos recebendo de bandeja o que a gente tem de melhor aqui. A gente vive num Capitalismo dependente, periférico. Ou seja, democracia aqui sempre passou longe. Mas claro, temos instrumentos pra lutar contra isso, trazer democracia de verdade, temos uma Constituição interessante, mas não gosto de falar que a democracia tá ameaçda não… Não é de agora. Taí a desigualdade social pra falar, as violências escancaradas. A parte boa é que os movimentos sociais estão com muito mais força, até pra esfregar isso na cara das esquerdas que nunca quiseram entender, sempre acharam que era um problema da classe, mas não. Vai ter que discutir raça, gênero e várias outras questões pra discutir democracia de verdade, que aqui nunca existiu.

11. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Henfil estaria com a mão pesada dele, criticando o conservadorimso, o fascismo, essa elite fascistas, mas também os dirigentes das esquerdas, não as bases, que depois do governo Lula deram uma sossegada no rolê e pararam de se comunicar com as bases. Não é voltar pras bases, é dialogar com as bases. São coisas muito diferentes. Esse diálogo tinha cessado, mas tá voltando porque os movimentos sociais estão pressionando os dirigentes.

12. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical?

Eu acho que é possível transformar o país de forma radical mas desde que, como dizia Garrincha ‘se combine com os russos’, né? O PT sempre foi sozinho. A elite petista sempre foi fechada nela mesma, e vai ter que negociar com o movimentos sociais isso aí! Tem varias vozes aí que sempre quiseram espaço e o próprio PT nunca deu. Só que agora esses movimentos estão batendo na porta de maneira diferente. Moviemto de negro, movimento indígena, movimento de moradia, eles descobriram: “Ou é com a gente ou não vai ter!” Acho que é possível sim, um movimento mais radical, mais ligado às questões sociais de fato, porque… com vida, você não negocia VIDA, né brother? Então quando a gente coloca na cabeça que não vai negociar vida, só isso daí já é radical, velho. Radical em termo de raiz, né? Em termos de igualdade e quidade de direitos. Os movimentos não estão pra brincadeira não! Se o PT quiser fazer algo nesse sentido, ele vai ter que estar COM os movimentos sociais e dialogar, abrir espaço, aí eu acho que vai ser possível sim. Até porque se o PT não fizer isso, vai cair de novo e vai cair feio, porque os movimentos sociais vão cobrar isso. É isso, espero que tenha respondido. Por whatsapp tudo fica mais frio, é sempre melhor ter uma conversa dessa tomando uma cerveja e trocando, frente a frente, até pra gente aprender junt. De consideração final fica aí meu desejo eterno de mudança, mas com muito otimismo. Pra mim, o bolsonaro já caiu, o problema é o bolsonarismo. Hoje em dia eu brigo mais com o bolsonarismo, essa galera que saiu das catacumbas, que me precupa. Muito jovem aí não viveu o governo Lula. Nosso trabalho é grande e árduo pra mirar nesta questão racista, classista que vem desde o começo do país, o bolsonaro colocou isso pra fora, colocoou essa bola. Já que colocou a bola, vamos chutar ela, pai! Pra gente começar a pensar em democracia de fato, e não ficar no banho-,aria de reforminha aqui, reforminha ali. Temos que colocar o Estado pra trabalhar pra nós!

CONTATO COM JUNIÃO

Nascido em Campinas (SP), é formado em Artes Visuais pela Unesp/Bauru e faz jornalismo ilustrado desde 1994. Atuou como designer e cartunista em veículos como Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, Veja e Courrier International (França). Ganhou o Salão Internacional de Desenho para Imprensa de Porto Alegre, em 2011, o prêmio Vladimir Herzog de 2005 e menção honrosa em 2006 (categoria artes), além do prêmio de cartuns sobre Aids do Ministério da Saúde, em 2004. Em 2018, seu livro infantil ‘Meu Pai Vai Me Buscar na Escola’ foi para escolas e bibliotecas públicas do país pelo programa PNBE2018. Tem textos publicados em livros coletivos no Brasil e Alemanha. Mora em São Paulo, e atualmente é Diretor de Arte e Coordenador de Projetos na Ponte Jornalismo.

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