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AQC entrevista: Geuvar OIliveira sobre Henfil

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Conheci por meio dos jornais, em tiras!

2. Qual foi o impacto inicial?

Impacto profundo, ficava olhando aquele traço preto com pinceladas rápidas, a leveza das personagens me chamava muito a atenção.

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

O traço era uma simbiose do humor, incrível como as duas coisas estavam interligadas diretamente. Era uma dança do traço no papel branco. Impossível esquecer.

4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?

Não tive. Eu conheci o trabalho do Henfil já adulto e descolado no desenho. Minhas referências foram mais os desenhistas italianos, depois estadunidenses, o Henfil, era como musas inacessíveis para mim, um “poeta” no chão. Da mesma forma acompanhei o trabalho do Ziraldo e do Bira, conheci o do Bira um pouco antes com as HQs dos Trapalhões, ria demais. O traço do Henfil é único, quase uma assinatura.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?

Poder. Tinha um poder enorme aquela leitura de grafite em muro, algo instantâneo, o poder daquela informação… era impossível ficar alheio. Não vi na imprensa sindical, porque na época eu morava em cidade pequena e não tinha uma parada dessas. Acompanhava soltos em revistas, livros didáticos tinha bastante coisas dele. Depois que fui para a segunda maior cidade do Maranhão, Imperatriz, passei a frequentar sindicatos e via sempre panfletos com os desenhos dele e jornais que o sindicato fazia a impressão.

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

Acompanhei poucas, não vi ao vivo. Como falei, morava em cidade pequena na época (anos 70 e 80), mas depois passei a assistir nos vídeos da internet, para saber mais sobre ele. Teve uma na qual ele conta que foi barrado nos Estados Unidos, por acharem seus desenhos muito agressivos. Ele é muito querido no Brasil.

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Isso é bacana demais, um legado desses tem que encontrar plataformas para continuar vivo. Tem um efeito agradável saber que existe essa preocupação em manter vivo o trabalho desse grande mestre.

8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Homem e Tanga, deu no New York Times?

Sensacional! Se não estou enganado tinha umas histórias em fotonovela, preto e branco. Sim, TV Homem era completo, vi algumas coisas dele no audiovisual. Olha aí acho que isso eu me inspirei dele. Sempre fui muito caído pelo audiovisual, agora mesmo estou fazendo um filme da Liga do Cerrado, com um amigo. Cara isso fica na retina da gente e um belo dia vem à tona. Talvez eu tenha essa inspiração dele.

9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

Nossa, cara, do tamanho de uma viagem à lua, ida e volta. Já pensou um mestre como ele nesse tempo de Bozos, Moros e generais entreguistas? Ia ser uma ajuda primordial.

10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil e ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

Demais! Porém, uma exposição itinerante pelo país seria bem da hora. Um livro é super legal, mas imagina uma exposição chegando aqui em Palmas e em outras cidades menores e as escolas disponibilizando estudantes para visitar? Aquelas pessoas conversando no momento exato de suas impressões é único e depois uma discussão em sala. Pensa nisso!

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda?

A coisa já estava ruim há muito tempo, os fascistóides só jogaram no ventilador. Eu considero que todo o problema é por causa da má distribuição de renda.

12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

E sanha religiosa também. Acho que Henfil estaria com todo mundo nas cordas e socando o estômago deles, entrando com gancho, voadora e tudo mais.

13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

Essa pergunta me fez lembrar uma coisa, como eu acompanho o PT há muito tempo, cansei de ver os cartazes do Henfil nos diretórios do partido, nas paredes, impressos, boa lembrança. Sim é possível, porém temos dirigentes sem muita vontade que fica ocupando o lugar indevidamente, mas é possível se o povo se politizar e amar o país, como ele deve ser amado. A classe trabalhadora não deve negociar o país com essas oligarquias, que estão empoleirada a muito tempo recebendo presentes para manter o país atrasado. Temos grandes problemas na política, porque o sistema financeiro tomou de conta do Congresso Nacional, impedindo que homens e mulheres realmente nacionalistas posso contribuir para o bem do país. Recentemente aconteceu uma coisa que me deixou muito preocupado, essa suposta intenção do Lula chamar o Alckmin para vice, corremos um sério risco de repetir um Sarney/Tancredo. Imagine o mal que seria se os votos da esquerda fossem transferidos para a direita governa, porque o titular sofreu um “acidente”? Estamos sofrendo com um grande atraso provocado pelo Temer, Bolsonaro, outra tragédia poderia ser fatal para o país. As gerações de nacionalistas poderiam está em xeque.

(*) CONTATO COM GEUVAR OLIVEIRA

https://www.facebook.com/GeuvarOliveira

Lorem Geuvar Oliveira é natural do Maranhão, mora no Tocantins desde 1997. Graduado em Letras pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e em Teatro pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). É membro da Revista Pirralha. Em 1980 desenhou o faroeste Matt Bill. Sua primeira HQ foi publicada em 1997, na revista Gira. Criou Quadrinhos da Liga do Cerrado (Homem Suvaco, Maria Paulada, Jeitosa, Homem Pochete, Homem Pichilinga, Senhor Gambiarra e Caryocal), Viagem ao Centro da Gramática e a trilogia Mugambi. É fundador da GComics, que tem o objetivo de representar o Brasil da cultura pop através de quadrinhos e livros. Nos anos 90, começou a produzir quadrinhos para o mercado publicitário e depois quadrinhos independentes. Geuvar trabalhou como chargista em diversos jornais impressos e em agências de publicidade como ilustrador e criador. Atualmente trabalha no seu grande projeto, uma HQ sobre um personagem iorubá.

https://www.geuvaroliveira.com.br/loja

https://www.instagram.com/geuvaroliveira/

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AQC entrevista: Maria Luiza Nery sobre Henfil

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Foi pelos anos 1974 ou 75. Eu estava terminando o Colegial (hoje Ensino Médio – acho) ou começando a faculdade de Psicologia, e sempre que dava ia ao Centro velho de SP em busca de novidades: a MAD americana, as primeiras revistas de informática, Pasquim… Conheci o trabalho do Henfil primeiro no Pasquim, depois as revistas. E ainda tenho vários exemplares!

2. Qual foi o impacto inicial?

O que mais me chamou a atenção foi o traço, tão rápido, tão urgente, como se o tempo fosse pouco, e cada vez menor, para colocar o que pensava, via e sentia no papel. Impossível não sentir a urgência no e do traço.

3. O que chamou mais atenção: o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

Principalmente o traço, mas em segundo lugar pertíssimo foi a percepção do mundo ao redor. Até hoje lembro de duas situações: a Graúna e o Bode Orelana caçando corruptos com uma visão bem seletiva de corrupção, e o Fradinho Baixinho sem entender a relação do Cumprido com a mãe, que era diametralmente oposta à que ele vivia.

4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?

Acho que me deixou mais atenta ao mundo e suas diferenças? E mais atenta ainda a mim, para respeitá-las. E, num outro nível, atenta às desigualdades. Embora não ganhe parcelas do orçamento secreto, estou sempre apoiando causas com as quais me identifico. Uma das minhas preferidas é o Pimp my Carroça.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical?

Sobre esse impacto eu sou totalmente Glórias Pires: não tenho condições de opinar. Mas acho que pelo menos um ou dois colegas de faculdade começaram a ler Pasquim e Henfil por minha causa. Até onde lembro, era a única a ter e ler essas publicações por lá.

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

Essa eu vou ficar devendo. Lembro pouquíssimo das entrevistas do Henfil, uns flashes de quando o irmão dele (Betinho) voltou do exílio.

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Amei a iniciativa, tanto que contribuí no Catarse. Em mim o efeito será de descoberta pois, como respondi acima, quase não acompanhei as entrevistas dele. E, para as novas gerações, será a oportunidade de conhecer alguém que pensava muito além de caixinhas e da sua época.

8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Homem e Tanga, deu no New York Times?

Eu assistia TV Homem sempre que possível, e gostava da maneira como ele provocava as pessoas a pensarem além do óbvio. Mas não assisti Tanga.

9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

Neste deserto em que querem nos transformar, ele faz uma falta imensa. Pensar e provocar está cada vez mais raro aqui.

10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil e ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

O livro pode ajudar, desde que divulgado de modo a atrair essa moçada. Investir o máximo possível nas redes que eles mais usam, tipo TikTok, de maneira tão anárquica quanto o próprio Henfil, deve ajudar.

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

Está sick, está puto, está farto… ou sou somente eu? Ou a prioridade máxima, colocar alguma coisa, qualquer coisa, no prato da família está deixando a reação no final da fila? Sinceramente, não sei o que ou como responder.

12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Estaria usando seu talento monstro para denunciar, apontar, ridicularizar. E certamente estaria colecionando processinhos baseados na (ainda bem!) falecida LSN movidos pelos capachos daquele um que obraram no Planalto.

13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

Do meu lado do balcão, de simples consumidora apaixonada de artes gráficas, humor é termômetro da época em que é feito, e pode ser um registro claro, crítico e apaixonado do que se vive e do que se vê que pode alimentar nas pessoas o desejo de mudança. Mas o humor como “guia” de mudança eu acho mais complicado. Já temos líderes, salvadores, pais e mães da pátria demais, todos vendo as pessoas como criancinhas incompetentes que precisam ser levadas pela mão até a verdade redentora. Prefiro uma arte instigante, que faça pensar, que abale certezas, ao invés de uma que mostre um único caminho que é verdadeiro apenas para quem o indica.

CONTATO COM MARIA LUIZA NERY

mlnery@uol.com.br

Psicóloga que também tem graduação em Música porque tinha uns planos que mudaram depois. Tem mestrado em Saúde Pública, mas não fez doutorado porque bateu de frente com a orientadora. Foi psicóloga no hoje HFASP (Hospital de Força Aérea da Aeronáutica de São Paulo) desde uns anos depois de se formar até 2012, quando foi para a reserva, e desde então trabalha como tradutora. Sempre foi apaixonada por aprender, estudar e descobrir, e pretende continuar aprendendo, estudando e descobrindo pelos próximos milênios. Sobre a Aeronáutica, esqueçam os estereótipos; durante aqueles anos desenvolvi com as outras psicólogas (grandes amigas até hoje) vários projetos e trabalhos que nem de longe envolveram pintar árvores e guias de calçada mas que, dentre outros resultados práticos e diretos, inclusive para não militares, ofereceram chances reais de crescimento aos recrutas que, eles sim, estavam sempre retocando a pintura debaixo do sol quente.

https://www.instagram.com/nerymarialuiza/

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AQC ENTREVISTA: CRAU DA ILHA SOBRE HENFIL

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

A primeira vez que li aquele nome estranho (Ênfil? Rênfil? Enfíu?) no livro Dez em Humor eu, era criança ainda. Depois descobri que estava também no Pasquim, que a passava de mão em mão, assim como o tablóide Grilo, que pirateava todos os gringos do underground. Isso acontecia no colégio técnico Iadê (de desenho de comunicação) e arredores, onde prolongávamos o expediente estudantil, o bar Riviera. O Iadê por sinal produziu vários profissionais engajados. Eram nossos contemporâneos e colegas os cartunistas Sizenando, João Zero (fanzine Boca), Patrícia (revista Crás), Grillo (Notícias Populares), e a Crau aqui. Todos a seu modo tiveram influência do Henfil. A gente fazia curso extracurricular de teatro e eles encenavam os Fradins. Muito legal, aquele jeitinho sádico do Baixim, tudo feito ao vivo, isto me marcou bastante. Também vieram do Iadê o articulador da classe Alfredo Nastari (AGRAF), os jornalistas Silvia Poppovic e o Luiz Fernando Silva Pinto. Era muito forte a expectativa de você ser atuante. Dentro do colégio tinha um pensamento único e geral de que aquela situação de ditadura não podia persistir. Todo mundo tinha visão de esquerda, na vida mesmo, na forma de se relacionar e na arte. Era um publico adolescente aberto à influência da esquerda e de todos os movimentos modernos, de Jean Paul Sartre, da escola de Frankfurt, aos tropicalistas e a turma do Pasquim. A gente tinha uma visão muito avançada para época, se dizia vanguardeira. Vale lembrar que era a época da ditadura bem fechada e que a gente tangenciou o perigo em várias circunstâncias. Mas nesse contexto sombrio também brotavam movimentos nacionalistas libertários como o dos Secos e Molhados, dos baianos, de Milton Nascimento. Boa parte da juventude da época se sentia alinhada a todo esse movimento.

2. E qual era sua proximidade dos movimentos de cartunistas na época e depois?

Você sabe que, exceto nas ocasiões em que participei de projetos específicos como O Bicho, As Periquitas, 2º Encontro Lady’s Comics (mesa “As Precursoras”) e agora na Revista Pirralha, grande parte da minha vida estive bastante periférica em relação a todos esses movimentos, o que não me impediu de acompanhar à distância. Como a categoria dos cartunistas foi a primeira que me acolheu profissionalmente, em idade pouca, quase saindo das fraldas, sempre me senti parte da turma e, talvez por isso, acabei estando presente em outros momentos pontuais, específicos que se me gravaram indelevelmente na memória.

3. Qual foi o impacto dos Quadrinhos do Henfil que você sentiu?

Do ponto de vista profissional, não preciso dizer que o conhecia como qualquer um de nós: um mito sagrado. A princípio confesso que o sadismo do Fradim baixinho me chocava. Mais tarde me ocorreu que o cumprido seria o Betinho e Henfil o baixinho, com toda sua irreverência.

4. O que você mais lembra do Henfil?

O que eu consigo me lembrar do Henfil, além do seu programa de manhã na Globo. Lembro em especial de um no dia do casamento da Lady Di. Depois de sua morte, no primeiro Salão do Rio de Janeiro que levou seu nome. Este Salão ficava em algum lugar na Vieira Souto, em Ipanema. Parece que ele vivia em um apartamento, praticamente sem móveis, por ali também.

5. E você chegou a estar com Henfil?

Apesar de já ter estado perto dele algumas vezes (por alguns instantes) quando a redação do Bicho era n”O Pasquim, no segundo andar da casa da Saint Roman. Para mim, uma guria de 19 anos que tinha acabado de chegar, ele era uma entidade sagrada, além de muito bonito, mas que eu tinha vergonha de abordar.

6. Ele trabalhava junto com todo mundo no Pasquim?

Não, ele trabalhava incessantemente e sozinho numa sala vizinha à sala do Bicho, no segundo andar, e só entrava na nossa para usar a máquina copiadora Xerox. Me olhava com olhos prescutadores e profundos, se nos cruzávamos na escada, por exemplo. Eu arregalava os meus e uma vez ele perguntou se eu estava assustada. Foi a primeira vez que me dirigiu a palavra. Na hora do café, todo mundo -cartunistas, editores, secretarias, os moços do escritório, o vigia- ia para a cozinha, que tinha uma porta que abria para a vista do morro. Alguém sempre tinha comprado pãozinho fresco com manteiga e tomávamos com o copo de café com leite mais gostoso do mundo. Lembro de ser um momento de muita camaradagem -em que as diferenças se acabavam- e o que eu mais fazia era observá-los. Henfil tratava a todos com muita amizade e respeito, sobretudo os funcionários mais humildes.

7. E o reencontrou mais alguma vez?

Anos depois, ao voltar da China, encontrei-o em Piracicaba, Ele veio e sentou-se ao meu lado na platéia do anfieatro que ouvia o Nássara. Naquele ano, creio que 1977, eu ja não morava no Rio. O Henfil. me fez uma festa, como se já tivéssemos sido bastante íntimos. Me abriu um sorriso “Você por aqui?” Eu já mais desinibida, respondi: ” E você por aqui?” E eu quis saber sobre a China. Ele estava realmente impressionado. Mais um par de anos à frente vi-o num fim de semana na colônia de férias no sindicato dos metalúrgicos, na Praia Grande, durante um encontro com lideres sindicais para o qual que Laerte me convidou e me levou a participar. Henfil demorou a chegar porque havia tido um acidente e precisou receber uma transfusão de sangue no hospital. Mas veio, chegou com uma bengalinha e participou do encontro. Acho que cheguei a jogar ping pong com ele. Ao menos lembro dele no pátio, perto da mesa. A ideia que me passava é que ele era de uma humildade impar. Estava nessa reunião na posição de ouvinte. Só queria saber quais eram as reivindicações dos trabalhadores para ele poder desenhar o Ubaldo, o paranóico.

8. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

A entrevista que ele deu que mais me marcou foi a da revista O Bicho sobre sua estadia nos EUA, a relação dele com os Syndicates. Na época a gente estava na luta contra a dominação do Quadrinho estadunidense nas tiras de jornais brasileiros e em prol de publicar uma revista de cartuns e quadrinhos não-enlatados. Essa era a discussão que estava na pauta do dia pra gente. Então quando ele veio com aquela entrevista “Fiquei Sick da vida, meu irmão” e ele dizia que tinha ido lutar contra o Syndicate por dentro. Ele tinha muita consciência da luta contra o sistema e achava que ia romper com o capitalismo por dentro. Ele tinha muita fé neste poder do cartum e do desenho de humor em transformar consciências e mudar a realidade. E dizia “Eu indo nos EUA e sendo publicado lá por uma agência, eu conseguiria ser publicado no meu país”. Mas eu lia tudo que ele publicava no Pasquim e alguns dos livros que ele escreveu: Diário de um Cucaracha, Henfil na China. Ahhh e o livrinho pequeno “Como Se Faz Humor Político” entrevista que ele deu ao jornalista e crítico musical Tárik de Souza. Lá ele falava que a inspiração dele era um cachorro preto atrás das costas: o prazo do fechamento do jornal. Ele falava da experência dele em produzir charges e quadrinhos. A gente sempre tem aquele complexo de fazer as coisas de última hora. E chargista de jornal é de fazer as coisas em cima do prazo, em cima da última notícia, na hora que está pra ir pra gráfica. Às vezes dá uma sensação de inadequação, de deixar pra última hora. Isso faz parte do processo do cartunista, então dá bem pra imaginar que a hora do ‘fechamento’, o ‘dead line’ é um baita de um cachorrão nas tuas costas -pronto pra te devorar- tem uma plaquinha na coleira escrito ‘PRAZO’. E você faz o desenho naquela tensão, e acaba dando uma característica no traço, mais rápido e mais espontâneo. Isso me marcou muito. Em outra entrevista que ele deu, não lembro aonde, ele reclamava de pessoas que faziam gestos por reflexo condicionado, automáticos. Ele se irritava muito com isso, achava que cada gesto tinha de ser pensado.

9. Qual é o tamanho da falta que o Henfil faz?

É o tamanho da falta que faz um luzeiro, um clarão de muito brilho. Henfil foi um dos luzeiros das nossas gerações. Ele marca uma época. Representou a cara do Pasquim e continua muito atual. É uma falta enorme. Senti sua perda como a perda de uma amizade querida que eu não teria mais chance de desenvolver. Enfim. HENFIL é referência, era e continua a ser aquela sumidade a quem os cartunistas recorrem tentando imaginar o que ele faria se estivesse aqui. O Henfil era muito alerta pra vida, acho que tinha a ver com a condição de hemofilia dele, como se a vida estivesse sempre escorrendo por entre os dedos e tivesse que estar muito atento pra não deixá-la escapar. Isso fazia dele um cartunista único, com otraço completamente caligráfico de quem escreve rápido, que influenciou gerações de cartunistas. O que seria de nós sem Henfil?

10. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Home e Tanga, deu no New York Times?

Não vi nada dele no cinema. Eu já estava fora de São Paulo. Mas via TV Homem, dentro do programa TV Mulher da Marília Gabriela. Eu assistia todo dia e achava bem legal. Ficava feliz de vê-lo na TV, de ver o que estava fazendo. Lembro que encenavam uns quadros praticamente sem palavras. O quadro que me lembro era o do casamento da Lady Di, tinha uns caras todos vestidos de operários, começava a passar o casamento da Diana e príncipe Charles na TV, daí cada um pegava um companheiro e começavam a dançar uma valsa. Achei aquilo o maior barato. Fiquei refletindo como ele mostrava essa realeza no imaginário da população, que lhe chamava tanta atenção e desviava o foco de assuntos mais importantes e vitais. Mostrava um encantamento e alienação. Eram coisas que faziam a gente pensar. Henfil é isso: faz a gente pensar. Quem cumpre este papel hoje em dia é a cartunista Laerte. A charge dela não se esgota ali, você acaba sacando mais alguma coisinha. O Henfil, de outra forma, era mais panfletário mesmo! Todos trazendo isso da sua forma. É como se fosse a mola do pensamento que desperta. Isso não pode morrer jamais.

11. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil e ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

A gente tem de compartilhar, compartilhar e compartilhar! Eu confesso que não sou uma pessoa muito compartilhadeira não, fico muito cansada com estas coisas de redes sociais, mas o sticker da Graúna com o coraçãozinho é o que mais uso quando quero enviar um coração pra alguém. Este livro editado pelo Gonçalo Jr e Editora Noir pode ajudar muito. A gente divulgado este livro, vai colocando as pessoas em contato com o Henfil. Não sei se o livro tem ilustrações, deve ter né? Mas é bem importante sim pra conhecer tudo que ele fez, pensou e disse. É desses autores que a gente tem que mergulhar e conhecer tudo que fez pra entender uma parte da história, do Brasil. Eu gosto de mergulhar em autores, agora estou mergulhando na Isabela Allende, quero ler tudo que ela escreveu, e comecei a ter acesso a seus livros só recentemente. Henfil? A nova geração tem que abocanhar mesmo.

12. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

O Brasil tá doente sim. Tá puto da vida também. Mas eu acho também que os anticorpos estão em ação, né? Eu não tinha visto tanta juventude engajada como tenho vistohoje. E tá abrindo a cabeça para uma visão social. Eu acho que está ficando cada vez mais feio ser uma pessoa alienada. Por isso o Brasil tá sick da vida, tá puto, tá resistindo e tá reagindo, no sentido de responder a isso tudo. Existe o câncer e existe os combatentes ao câncer, estamos deste lado e não vamos largar mão!

13. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Imagine se ele estivesse aqui, agora. Ele estaria à toda, produzindo mais do que nunca. Estaria em campanha em todas as mídias. Estaria na rua, em tudo quanto é lugar. Estaria mais ativo do que nunca e formulando outras formas de agir, outras ideias, estratégias. Ele continuaria a ser um militante full-time. Temos chargistas geniais, criticando o que está acontecendo, a gente os vê toda hora, brilhantes. Mas este engajamento dele muito dirigido, uma pessoa que não tinha nem móvel na casa, vivia pro desenho e pra conscientizar as pessoas. Não sei se temos alguém com este engajamento que ele tinha. Lembro dele no Pasquim, ele não tinha tempo nem pra conversar. Era ele desenhando o tempo inteiro. Desenhando, desenhando, desenhando. A gente passava pela sala com a porta aberta e só via ele de costas. Todos nós estamos segmentados em nosso interesses. Não sei qual de nós é assim… Mas tenho uma certeza, se Henfil estivesse entre nós, em carne, osso, estaria na Revista Pirralha! https://www.facebook.com/RevistaPirralha

https://revistapirralha.com.br/

https://www.instagram.com/revistapirralha/

14. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima-quarta pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical?

O fato do Henfil ser um dos fundadores do PT é um ponto importante pra se levar em conta, principalmente os que falam mal do partido. É bom lembrar que as melhores cabeças estiveram neste início do processo de redemocratização. Vários operários, sindicalistas, intelectuais como Florestan Fernandes e vários artistas como Henfil e muitos cartunistas, gente de todas vertentes e alas, né? Vieram de caminhos distintos, articulações distintas. Uns mais à esquerda, mais revolucionários, outros mais conciliadores. O PT foi o celeiro onde foi colocada toda essa gente que estava descontente e queria mudança. Na época o PT era visto como uma grande promessa, o Lula já despontava como uma liderança naqueles comícios no estádio de S. Bernardo do Campo. Isso aí eu vi no comecinho, quando participei daquele encontro durante o fim de semana na colônia de férias na Praia Grande. A carga emocional de união que tinha ali era enorme, mesmo pra quem estava só observando, mostrava que você estava ali tomando partido. Eram jornalistas e cartunistas misturados aos sindicalistas, conversando junto sobre o que estava acontecendo, tomando café junto, comendo junto, bebendo junto, dormindo junto e formulando os materiais que iam ser produzidos nos jornais sindicais e grande imprensa. Acho super importante conhecer esta realidade e acordar esta turma que fica falando bobagem por aí. Aliás, eles nem pensam no que falam, só repetem as bobagens que alguém plantou. Existe tanto anti-petismo baseado em fatos duvidosos divulgados amplamente pela imprensa. Demonizar um partido que tem uma história dessa é, no mínimo, falta de bom senso.

Como foi a sua participação na administração petista da prefeitura de Ilha Bela?

Quando começaram as denúncias do Mensalão eu estava filiada ao PT aqui na Ilha Bela, ajudando a candidata do PT à prefeitura. Nós fizemos uma reunião pra todo mundo decidir o que ia fazer. Estava todo mundo chocado. Eu entendi que o mensalão tinha sido a única forma de garantir votação de pautas sociais, não entendi como corrupção individual. Penso que não é assim que tem de ser. Alguns pularam fora e a gente achou que não, a gente tinha entrado com o propósito de fazer uma coisa séria. O fato de algumas pessoas terem feito coisas erradas, não queria dizer que todos filiados fossem venais. Depois foi esvaziando e não elegemos mais ninguém. O povo aqui da Ilha sempre foi muito ligado à classe dominante, se sente bem assim, se enontra na praia, não gostam de confronto… O PT foi fundado duas vezes aqui na Ilha e participei das duas. Perguntaram para uma senhora da idade da minha mãe por que ela estava se filiando ao partido e ela respondeu: “Porque eu tenho vergonha na cara!” O PT era um baluarte de ética na época. Apesar da gete saber que nem todas pessoas que estavam lá pensavam da mesma maneira. Tem quem entre na política de forma individualista ou corporativista. E acho que um governo que represente o povo brasileiro não pode ser corporativista, tem que ver a sociedade como um todo, ver todas as forças, considerar a parte ambiental que sustenta tudo. Nós temos que pensar como construir este governo enquanto sociedade civil participativa, enquanto membros de partidos que tenham algum poder, a gente tem que ajudar a reconstruir, remendar este Brasil, ressuscitar este Brasil. A gente tem este dever, porque nossos netos estão aí, né? O que vamos deixar pra eles?Tem uma humanidadezinha aí pra sobreviver, né? E um planetinha azul… Tomara que a maioria deles seja bem educada, bem consciente.

QUEM É CRAU DA ILHA

Crau França é formada em Engenharia de Aquicultura na UFSC e Tecnologia em Produção Multimídia no Centro Universitário Módulo, estagiária na empresa Hellenic Centre for Marine Research, fez Mestrado em Aquicultura no Instituto de Pesca -APTA-SAA-SP, foi diretora da CooperAqua, Secretária da Prefeitura de Ilhabela. Publicou cartuns e foi editora na revista O Bicho. Foi idealizadora e editora de arte na empresa Revista As Periquitas. Faz parte do Conselho Editorial da Revista Pirralha. Recebeu o Troféu da AQC como Mestra do Quadrinho Nacional no 36.º Prêmio Angelo Agostini.

Perfil no FB:

https://www.facebook.com/crau.dailha

Crau no instagram:

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Entrevista:

https://ofolhademinas.com.br/materia/32285/coluna/crau-e-as-periquitas

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AQC ENTREVISTA: MILTON GURGEL (*) SOBRE HENFIL

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil? Lembra da ocasião (onde, quem apresentou e qual era a revista ou jornal)?

Lendo o Pasquim.

2. Do que você mais lembra de ver no jornal?

Lembro do Bode Francisco Orelana, de quando ele foi morar em Natal (RN). E quando ele dizia “O Rio tem uma Ipanema. São Paulo tem 200.

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

Os escritos, no visual sou meio retardo.

4. O trabalho do Henfil teve influência direta em você? De que forma?

Na PUC, no movimento estudantil… HENFIL era comentado em prosa e verso.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na esquerda? E entre seus amigos? Quais eram os comentários das pessoas?

Os trabalhos do Henfil eram elogiados, de forma quase unânime. Só teve uma vez que ele criticou o Caetano, por conta do movimento Odara… deu um tereré! Mas passou logo…

A música Odara (gravada no disco Bicho de 1977) foi um dos maiores sucessos de Caetano após sua passagem pela Nigéria. Parte da militância de esquerda na época não gostou da mensagem, pois a luta contra a ditadura estava no auge. De acordo com Caetano em seu site: “Nova polêmica se instaura. O termo odara acabara se tornando sinônimo de hippie, ou, para a ala dos esquerdistas, alienado; os odaras, por sua vez, responderão aos que lhe cobram posicionamentos políticos explícitos, chamando-os de patrulheiros ideológicos. Uma atualização da divisão entre os tropicalistas e os engajados da MPB, dez anos depois do movimento.” Já em 1978, Henfil reaqueceu as vendas do semanário ao abrir polêmica com os baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil e Glauber Rocha, aos quais acusava de “alienados” por externarem simpatias, em maior ou menor grau, com a abertura “lenta, gradual e segura” do general Geisel. Na contenda, Henfil cunhou a expressão “patrulha odara” como contraponto às “patrulhas ideológicas”, expressão usada pelo cineasta Cacá Diegues para definir o que ele considerava equívocos de esquerda patrocinados pelo sectarismo ideológico. Os patrulheiros odaras exigiam criações apolíticas e atitudes escapistas.

A palavra Odara vem do dialeto yourubá e quer dizer ‘estar bem, relaxado, tranquilo’.

6. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

INFINITA enquanto dure.

7.Como era a situação do tempo do Pasquim comparada com a de hoje?

No tempo do Henfil não tinha essa direitosa, as pessoas tinham vergonha de ser assim.

8. E a pressão da Ditadura?

O cineasta Glauber Rocha sofreu muito. Henfil também iria sofrer demais.

9. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tanto ataque deste atual governo. O Brasil tem saída além do aeroporto?

A História é circular, dizem alguns autores. Ver ai: Chile, Argentina, México, tudo voltando para esquerda. O difícil, mas muito difícil mesmo, é mudar a estrutura do capital.

10. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Sofrendo muito. Ele era hemofílico.

11. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas.

A produção de um artista representa o espírito de uma época. Nos anos 70, 80 tínhamos esperança. Hoje tenho certeza, o Brasil não tem amanhã.

MILTON GURGEL

Foi militante do movimento estudantil durante a ditadura. É advogado.

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AQC ENTREVISTA: MARIA DA PAZ (*) SOBRE HENFIL

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Conheci na grande mídia e comentado pelos profissionais do setor de imprensa do Sindicato dos Químicos de SP e companheiros da diretoria. A partir daí comecei admirar o jeito peculiar de se revoltar contra o autoritarismo, Adorava, em especial, a Graúna. Pra mim era a personagem que mais me revelava a firmeza de continuar a luta incansável.

2. Qual foi o impacto inicial?

De saber que um profissional daquele, no auge de sua carreira, se dedicava praticamente à linha de frente em defesa de uma sociedade. Trabalhando na intenção de organizar um povo através de seus traços.

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

O que mais me chamou atenção foram os traços. No meu entendimento quando uma história se mostra através de um desenho, ela se torna mais marcante, pois o artista se transporta de corpo e alma e se faz entender muito mais.

4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?

A influência dele no meu trabalho foi de absorver as determinações, a coragem de lutar por um objetivo. Aprendi que não se pode fraquejar diante de um obstáculo, mesmo que ele nos assuste.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?

Como disse, o pessoal que fazia o Sindiluta (jornalistas e chargistas) mostrava e comentava os Quadrinhos do Henfil. Eles produziam um boletim diário que tinha 15.000 exemplares diários distribuídos nas fábricas químicas e farmacêuticas do departamento de imprensa do Sindicato, sempre com charges e o personagens Chico Ácido e Maria dos Remédios. Ahhh, e pelos companheiros da diretoria também.

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

Não lembro de uma entrevista em especial.

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

A iniciativa da Editora Noir foi uma decisão acertadissima, corajosa. Pois, diante da confusão que vivemos nos dias de hoje com desinformacões absurdas, precisamos ter um norte. E quem não viveu a época do Henfil e das sua -nossa- Graúna, terá a oportunidade de saber como foi uma parte dessa história de luta e resistência.

8. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

A falta que o Henfil faz é exatamente do tamanho dele. Com idéias que foram abraçadas por quem precisava seguir a lógica daquele momento.

9. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil e ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

Pode ajudar sim, no sentido de mostrar para a sociedade o que esta é uma luta de classe esquecida por muitos. Pois diante do que estamos presenciando, é preciso voltar a conscientizar as pessoas com um trabalho incansável. Incansável! Exposições me parecem o ideal, acompanhadas de rede social. Me veio à mente, o trabalho de porta de fábrica que fazíamos. Hebfil precisa voltar às portas de fábricas.😊

10. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

O grande problema de uma sociedade é esperar acontecer o pior para entender o que acontece ao seu redor. O comodismo de uma sociedade muitas vezes traz sérias consequências.

11. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

A fundação do PT foi uma necessidade fundamental naquele momento pra sociedade. Ainda mais contando com uma mente transformadora de idéias como Henfil. Iniciei na luta sindical através de contato com companheiros Nilza, Domingos Galante, Zé Domingos e Margarida… Não tive dúvidas ao receber o convite para participar das reuniões da Chapa 2 de Oposição dos Químicos SP. A partir dali, fui trabalhando o meu consciente para adquirir mais conhecimento, pois os meus companheiros precisavam de apoio. O que mais me encantou foi a participação das mulheres naquela diretoria. Seis mulheres dando suporte na luta daquela categoria. Aprendi, participando daquela diretoria, o suficiente para não aceitar certos tipos de imposições. Uma sociedade não pode aceitar o autoritarismo. Já passamos por isso lá atrás na Ditadura. Estamos em outros tempos, mas a luta continua e não é nem um pouco diferente. Estamos às margens do absurdo, com pessoas desprovidas de conteúdo, a celebrar os fins dos direitos dos trabalhadores, tentando escravizar ainda mais este povo sofrido. Não permitiremos, CHEGA!! Estamos com a Graúna!

(*) CONTATO COM MARIA DA PAZ

https://www.instagram.com/dapazze4/

Maria da Paz foi membro da Cipa na indústria Farmacêutica Laffi. Diretora do Sindicato dos Químicos e Farmacêuticos de SP por várias gestões, se aposentou e mudou para São Luiz, no Maranhão. Continua na luta por um Brasil melhor.

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AQC ENTREVISTA: FAUSTO (*) SOBRE HENFIL

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

A primeira vez que tive contato com o trabalho do Henfil, foi de uma maneira um tanto especial, como um estopim, para o começo de minha carreira. No ano de 1972, aconteceu algo incrível. Eu trabalhava no jornal Diário de Guarulhos (um tabloide de 4 e às vezes 8 páginas), uma espécie de Diário Oficial da cidade, embora não fosse. O jornal era produzido na base do clichê (nas fotos e artes) e chumbo (nos linotipos). Foi meu primeiro emprego. Fui contratado para ser desenhista, mas como não havia espaço para isso, acabei sendo um “faz tudo” na redação. Em um desses compromissos, de levar foto e desenho para virar clichê, fui até a na Clichearia Guarani (que ficava na Rua Três Rios, no Bom Retiro, em São Paulo), que acabei me deparando com um desenho do Henfil: um desenho simples, de um cara com um porrete, correndo atrás de um monte de gente. Bem simples: estilo Henfil.

2. Qual foi o impacto inicial?

Foi o estopim que faltava para meu desejo e oportunidade de virar cartunista. Isso acabou se realizando a partir de 1974, em um outro jornal da cidade, o Guaru-News, já com uma pegada mais profissional, com uma boa equipe. Logo em seguida, conheci o O Pasquim, com o Henfil e outros grandes nomes do desenho de humor: Jaguar, Fortuna, Millôr, Ziraldo, Cláudius… daí, aconteceu a grande guinada. Fui aprendendo de tudo, aos poucos, com a força dos amigos já profissionais, consagrados na redação do Guaru-News.

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

O impacto inicial foi como explosão! Apesar de ser uma reprodução muito simples, me impressionou muito a estética e o grafismo do Henfil. Depois disso, passei a procurar e curtir tudo do Henfil, inclusive no O Pasquim. Entre todos os grandes do jornal, já conhecia o trabalho do Ziraldo, por conta da leitura da ” Turma do Pererê”, quando eu era criança em minha cidade natal, Reginópolis ( SP ). Foi também muito importante para minha formação de cartunista, esse reencontro com o Ziraldo.

4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?

Minhas primeiras influências nos desenhos vieram por conta da leitura dos gibis (Disney, Ziraldo, entre outros) desde os tempos de criança. Mas com toda a certeza, o diferencial foi o contato com o desenho do Henfil, que passei a ler mais e estudar seus traços, sua abordagem e observação de sua estética bem avançada.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?

Como homem de esquerda, o Henfil era extremamente preocupado com as questões sociais e as lutas pelos direitos trabalhistas naqueles momentos de plena ditadura nos anos 1970. Por conta disso, a atuação firme dos Sindicatos se fazia necessária. Pelo fato de ser agregador, Henfil conseguiu juntar grandes colegas cartunistas que, através das artes dos cartuns, cartazes, charges e quadrinhos, aumentaram essa atuação na Imprensa Sindical (especialmente pela agência Oboré), Sindicatos e imprensa no geral. As repercussões foram muitas e positivas: a comunicação através do cartum, mostrou sua força.

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

A atuação do Henfil repercutiu muito e muitas entrevistas foram concedidas em todas as mídias. O Henfil (para além do cartum) tinha uma capacidade incrível de comunicação. Foram tantas, muitas e boas que até fica difícil citar a melhor. Ele consegui se tornar popular, pois soube lidar muito bem com isso: levando seu trabalho para a TV e trazendo para o Teatro, além de inúmeras publicações. Na época, eu era chargista do jornal Ultima Hora (do Grupo Folhas) e tive a honra de ser vizinho de página com o Henfil (ele publicava as Cartas ao Primo Figueiredo).

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Parabéns à Editora Noir por reunir, em livro, as entrevistas sobre o Henfil. Será um documento importante sobre uma figura incrível e marcante do cartum, das artes e das conquistas sociais. Com certeza cada admirador, cada colega, cada amigo, terá muito o que contar desse personagem de uma época marcante para o país.

8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Homem e Tanga, deu no New York Times?

Ser multimídia nas circunstâncias da censura e dos perigos da ditadura, não era fácil, mas o Henfil com seu enorme talento, tirava sempre de letra e… de cartum. E para ir adiante com seus inconformismos foi até os States fazer cinema. Uma coisa nada fácil. Não posso mensurar como foi o sucesso de “Tanga deu no New York Times”, mas TV Homem foi marcante, com boa repercussão sobre as abordagens dos temas.

9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

Um cara tão brilhante e genial como Henfil, faz muita falta nesse momento horroroso e em tempos de pandemia. Com certeza, sua postura firme e crítica, iria contribuir muito para o debate.

10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil e ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

É verdade, infelizmente as novas gerações conhecem pouco mesmo sobre o Henfil. Apesar de todas as exposições, publicações, documentários, livros e do bom trabalho do Insituto Henfil. Louve-se o esforço do filho Ivan Cosenza. Nesse momento de desvalorização da cultura, fica um tanto difícil chegar ao público. Mas acho que cada esforço dos admiradores podem fazer a diferença. De minha parte, como grande fã e até por me inspirado nos traços do Henfil, sempre apresento sua arte aos amigos.

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

O momento que país esta vivenciando certamente é um dos piores da história da Republica. Por conta do negacionismo nas questões de saúde. É certo que a pandemia é universal, mas pelo fato do governo de plantão ter contrariado as questões da ciência, as consequências são desastrosas, com centenas de milhares de vidas perdidas. A luta pela preservação da democracia é questão principal. Certamente a presença do Henfil em tempos assim, faria diferença.

12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Certamente o inconformismo do Henfil falaria mais alto: seu poder de comunicação estaria mais presente em favor da democracia. Novos tempos, novas dificuldades e por outo lado, mais facilidade por conta das redes sociais. As lutas contra a sanha fascista seria um de seus grande motes!

13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

Ainda é possível transformar o país, é claro, os desafios estão todos aí. Como um dos fundadores do PT, pelas transformações sociais seu empenho e desafios passaram a ser maiores. Ficou muito marcada a imagem da Graúna (personagem feminina do Henfil) olhando para a frente e exclamando “Tô vendo uma esperança”. Outras criações suas também acabaram por se tansformar em ícones: como a imagem do senador Teotônio Vilela, seu aliado importante nas batalhas políticas. Considerações finais. Tenho um agradecimento eterno ao Henfil, pelo fato dele ter sido meu grande inspirador e estopim para minha carreira de cartunista. Tive a honra de compartilhar alguns momentos pessoais com ele, ser seu vizinho de página no jornal Última Hora (edição de São Paulo), ser parceiro nas páginas do Folhetim (Folha de S. Paulo) e na Imprensa Sindical, através da Oboré Editorial. Em 1981, por conta do lançamento do livro “Macambúzios e Sorumbáticos” do cartunista Luis Gê, tivemos um encontro muito agradável no bar Espazio Pirandelo, de bom papo e de muitas histórias. O Henfil (com seu gênio indomável), nos faz muita falta.

(*) CONTATO COM FAUSTO

faube@uol.com.br https://www.facebook.com/fausto.bergocce

Fausto Bergocce é natural de Reginópolis (SP), da safra de 1952. Iniciou sua carreira de cartunista em 1974 no jornal Guaru-News (depois Folha Metropolitana e Metro-News), como caricaturista e ilustrador. Em 1976, foi atuar na imprensa de São Paulo nos jornais Última Hora, Folha de S. Paulo, O São Paulo (jornal da Cúria Metropolitana), Diário Popular, Diário de S.Paulo, Imprensa Sindical (em especial na Oboré Editorial, onde produziu o Gibi do trabalhador com a Laerte), entre outros. No ano 2000, produziu para a Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo, o painel de 200 anos do Jardim da Luz. Premio HQ Mix como melhor livro de caricaturas pela edição do “Sem Perder a Linha”. Na TV Cultura, produziu charges animadas para os programas Vídeo Esporte e Jornal 60 Minutos. Como cartunista free lancer mantém atuação em palestras, exposições, publicações nas redes sociais e outros projetos. Fausto é autor de 14 livros.

https://www.editoracriativo.com.br/produtos/exibir/187/fausto-bergocce-sketchbook-custom#.YbzJNpLP3IU

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AQC ENTREVISTA: NEY MORAES (*) SOBRE HENFIL

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Em casa, com meus pais. Líamos o Pasquim desde os anos sessenta e o Henfil era dos meus desenhistas favoritos, com um humor extremamente crítico. Eu adorava o Fradim e a turma da caatinga (Zeferino, Graúna e Bode Orellana) e Ubaldo, o paranóico. Lia as cartas para a mãe, numa revista semanal (acho que era na Isto é…).

2. Qual foi o impacto inicial?

Henfil foi parte da minha formação política no final da infância e adolescência. Oferecia generosamente um olhar crítico sobre o cotidiano da ditadura e do processo de luta pela redemocratização do Brasil.

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

Os três aspectos se integravam com perfeição. Um traço leve, ligeiro, um humor ácido e tiradas geniais se combinavam na crônica diária.

4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?

A arte do Henfil contribuiu diretamente na minha crítica política, no jeito como vejo a realidade brasileira e como atuo sobre as questões sociais. Como minha profissão é centrada na organização comunitária e na mobilização, a influência é direta e muito importante.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?

Desde os anos sessenta, o movimento sindical de luta organizava jornais como instrumento de mobilização e formação política de suas bases. Nesses jornais, as charges do Henfil eram frequentes, pois a linguagem, o desenho e o humor eram muito fáceis de ler e compreender, sendo uma arma estratégica de comunicação rápida e eficiente. No início dos anos oitenta, Henfil era unanimidade (ou quase isso) tendo uma parte da sua produção virado uma peça de teatro, Revista do Henfil, que correu o país com muito sucesso. Muito dessa produção foi utilizada nos materiais educativos e militantes do PT e de outras organizações, como os centros de formação do movimento sindical. Nessa época, as páginas de humor do Henfil nas revistas semanais eram assunto das conversas entre amigos, sempre chamando atenção para a crônica política e social.

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

Lembro de ler algumas entrevistas e das conversas de bar com amigos, depois, comentando. Não lembro de alguma que tenha sido irrelevante. Todas traziam temas e abordagens comprometidas com a construção de outro país, em tempos de sonho e luta. E sempre muito contemporâneas.

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Nos tempos sombrios que vivemos, relembrar as falas de um personagem da resistência à ditadura que expressam a luta e as pautas visceralmente conectadas ao movimento, aos direitos humanos, às causas sociais, é um modo de prestar nossas homenagens a quem luta e lutou assim como serve para manter viva a esperança que vemos em “uma luz no fim do túnel”, como dizia a cena final da peça Revista do Henfil. É a oportunidade de relembrar e de apresentar as novas gerações um pouco mais dos tempos de vida, sonho e luta.

8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Homem e Tanga, deu no New York Times?

Não lembro da TV Homem, mas “Tanga” é uma paródia genial, muito adequada para tempos de Fake News.

9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

Henfil é uma daquelas pessoas que não devem ser esquecidas e que se mantêm vivas inspirando a gente. Impossível imaginar o que teria sido a produção dele nos governos Collor, Itamar, FHC, Lula… E hoje, com essa criatura abjeta. Vivemos, depois de sua morte prematura, um processo em que o humor político perdeu muito de sua graça e leveza; muitos humoristas penderam para o conservadorismo. O tipo de humor de artistas como Henfil, Quino, Angeli, Glauco, Bira entre outros é imprescindível para iluminar a crítica social e política.

10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil e ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

A imensa produção de Henfil precisa ser reeditada e esse livro das entrevistas, organizado pelo Gonçalo Júnior e um importante passo nessa direção.

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

O advento das redes sociais alterou a maneira como as pessoas acham que atuam socialmente. Há uma percepção de que clicar “joinha” ou um “vomitinho” é suficiente; os partidos profissionalizaram a política, abrindo mão da atividade dos militantes; a pandemia nos impôs um isolamento e a saída das ruas. Tudo isso afeta a maneira como “reagimos” à situação deplorável em que nossa sociedade está vivendo hoje.

12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Henfil teria criado dezenas de personagens e estaria produzindo intensamente, gritando aos quatro ventos a revolta e mobilizando os artistas para a disputa ideológica.

13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

Só o humor crítico social e políticamente comprometido com uma sociedade justa e igualitária possui o caráter antiautoritário necessário para manter acesa a esperança e o desejo de mudança. É assim que transmitimos às futuras gerações a certeza de que dá pra fazer diferente e que lutar por isso é o nosso legado. Sonhos não envelhecem.

(*) CONTATO COM NEY MORAES

https://www.facebook.com/neymf

Historiador e educador social, Ney Moraes é filho de uma família de intelectuais de esquerda, cresceu entre os livros e quadrinhos de seus pais. Foi dono do Clube Campineiro de Leitores, onde esses quadrinhos circulavam entre amigas e amigos apreciadores da leitura. Seu mestrado tem um capítulo dedicado à HQ, por influência dessa tradição familiar.

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AQC ENTREVISTA: TRILHO (*) SOBRE HENFIL

Esta série de entrevistas é uma iniciativa da AQC em apoio ao livro “Sick da Vida”, coletânea de entrevistas do cartunista Henfil organizadas pelo quadrinhista, jornalista, escritor e biógrafo Gonçalo Silva Jr. O livro foi lançado na plataforma Catarse pela Editora Noir. Por isso, pedimos que você apoie, compartilhe e comente. https://www.catarse.me/henfil

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Conheci o trabalho do Henfil num sebo aqui em Jundiaí. Tinha uns três números do Fradim, já tinha visto uma ou outra tira no jornal (não me lembro qual) mas foi no sebo que eu me encantei com os desenhos rápidos e soltos, como se o nanquim escorregasse no papel. Isso era diferente de tudo que eu já tinha visto!! Eu já estava aparecendo como cartunista. Tinha ganho o Salão de humor de jundiaí. O ano era 91.

2. Qual foi o impacto inicial?

Vi no desenho do Henfil algo que era mágico, o argumento e a crítica eram mais importantes que o desenho. O desenho só situava o leitor no ambiente seco da caatinga.

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

O que me chamou mais a atenção foi o texto rápido e inteligente, era um soco no estômago, coçava a inteligência e fazia rir e refletir ao mesmo tempo.

4. Seu trabalho teve influência direta? Se teve, em que sentido?

O trabalho do Henfil afetou minhas tirinhas diretamente, até o formato quadrado eu copiei (risos). Eu já estava negociando com o Jornal de Jundiaí, o ano era 96 e eu comprava todo quadrinho do Henfil que encontrava garimpando no sebo de semana em semana. Enfim, criei as tiras Brasil 2000 que se passava no País do futuro mas com problemas atuais, o texto era rápido e ágil, eu pegava um tema e discorria sobre ele. Às vezes produzia tiras para a semana inteira, outras vezes passava o dia inteiro para fazer uma única tira e assim era.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda?

Foi total.Eu colaborava para o sindicato dos bancários e volta e meia via uma charge do Henfil reproduzida nos boletins. O trabalho do Henfil na imprensa sindical não era de diversão, era de formação, ver um boletim sem os personagens do Henfil era chato…

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa?

Tudo o que via sobre o Henfil era nos gibis do Fradim, o baixim e o cumprido era demais, mas gostava mesmo da Graúna e as críticas sociais que ela fazia ao sul-maravilha.

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Acho ótimo, pois eu que conheci o henfil através da obra poderei conhecer mais a pessoa do grande Henrique de Souza Filho.

8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. O que achou das produções do cartunista em TV Home e Tanga, deu no New York Times?

Acho que a influência do Henfil marcou gerações, ele sabia usar os meios de informação. Isso era radical.

9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

Para mim faz muita falta, adoraria ver como ele trataria esse atual (des)governo em suas tiras, em seus textos e como ele iria lidar com a espécie de liberdade de expressão que temos nos dias atuais.

10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época, o trabalho dele ainda é pouco compartilhado nas redes. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

Pode muito, mas também a colaboração dos chargistas para levar o projeto adiante, penso eu.

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

O povo está amortecido, temos uma grande parcela que pensa: “Está pior mas é melhor”! Espero que a nova geração, a cultura e os cartunistas vejam a esperança.

12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Essa pergunta prefiro responder nas minhas tiras do Brasil 2000 que faço até hoje.

13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

O humor entra muito nisso. Não falo do humor pastelão (aquele de costumes), mas sim o humor que traz a reflexão. Temos ótimos chargistas, temos assunto, ainda nos falta mais alcance, pois as redes sociais ao mesmo tempo que são um bem e um ótimo veículo de comunicação, têm servido para embates sem compromisso, os jornais impressos fazem falta pois levam o conteúdo todo às casas onde o leitor pode formar sua opinião com calma. Mas usemos as armas que temos. É o que temos. Não vamos abandonar a trincheira ao canto da sereia, há muito a ser feito. VAMOS À LUTA!

CONTATO COM TRILHO

trilhocid55@gmail.com https://www.facebook.com/TrilhoCesar

Chargista no Sindicato dos Servidores Públicos, Sindicato dos Metalurgicos, Sindgraf e Sindicato dos Bancários (todos em Jundiaí). Prêmios: 1º lugar salão de humor de Jundiaí por 5 vezes. 1º lugar salão de humor de hortolândia. 1° lugar são de humor de cerquilho. 2º lugar salão de humor de campo limpo paulista. trabalhou por dez anos para o jornal de jundiai regional com charges e tiras diarias,também publica diversos trabalhos para entidades e sindicatos. Menção honrosa no 14 th Humor festival “AT CARAGIALE`S HOME/ ROMÊNIA.2016 Selecionado para o mapa cultural Paulista por 5 vezes. Nascido em Jundiaí. Lançou três revistas em quadrinhos: Brasil 2000 vol.1 e 2 Cartilha da Natália vol. 1.

http://www.bloggdotrilho.blogspot.com.br/

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AQC ENTREVISTA: JOÃO ANTONIO BUHRER SOBRE HENFIL

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil?

Venho de uma família pobre que não tinha muita leitura. Minhas irmãs, que trabalhavam na Prefeitura Municipal, traziam livros pra mim. Eram obras que sobravam das bibliotecas. Uma das irmãs começou a namorar um rapaz que morava numa grande cidade e um dia ele me mostrou a revista Fradim, que já era no formato horizontal, atípico nas revistas alternativas da época. Devo alertar que os dois primeiros números do Fradim foram no formato tablóide. A partir disso eu pedia a ele -sempre- que me trouxesse novos números, até que comecei a viajar pra grandes cidades e passei a comprar eu mesmo os números atrasados. No começo dos anos 1980 eu já sabia da existência da Imprensa Alternativa, acompanhava tudo desde 1976, mas não conseguia comprar porque não tinha um bom emprego. Quando comecei a trabalhar numa fábrica de cimento, um engenheiro da empresa me passava todos os Pasquins que comprava, ele lia e depois me dava de presente. Fiz uma amizade grande com este sujeito, chamado Antonio Carlos. Nesta altura, por causa do Fradim, que noticiava tudo que acontecia nas Imprensa Alternativa, já estava por dentro de tudo se publicava de importante.Na revista do Fradim havia de tudo; cartuns, quadrinhos cartas, textos do Henfil, de modo que a partir do pensamento dele começou a surgir em mim um pensamento político, que inclusive me levou a entrar para o Partido dos Trabalhadores. Me lembro perfeitamente de ter comprado no partido algumas cartilhas feitas por ele, uma delas era justamente informações sobre que era política. Na época eu acompanhava o Henfil pela sua revista como também pelo Pasquim. Seus livros ainda não tinham saído, demorou para aparecer o Henfil na China e o Cartas da Mãe. Seu primeiro “Hiroshima meu humor”, publicado ainda em Minas, anos 1960, na época era uma raridade, não havia como obter a edição original. Fui adquirir este livro só no final dos anos 1980, num sebo. Depois fizeram uma reedição. Um livro do Henfil que também foi importante no meu crescimento intelectual e político foi “Diário de um Cucaracha”. Na verdade o germe deste livro está na própria revista do Fradim, pois nela Henfil discutia tudo, até da própria profissão. Ou seja, Henfil na sua revista tentava organizar a esquerda, e a mim organizou o pensamento e me formou como um cidadão. Dali em diante passei a acompanhar as entrevistas dele, onde brilhava com idéias novas e muito próprias, pra não dizer atrevidas. Suas entrevistas me levaram a colecionar entrevistas de outras pessoas, tenho hoje um arquivo enorme, em casa, dos mais diversos artistas e intelectuais. Uma papelada bem grande, pois na era gutembergueana eram os impressos que aprofundavam as idéias… Acabo de saber que a Folha de São Paulo não mais circula em papel…

2. Qual foi o impacto inicial?

O impacto da obra e do pensamento de Henfil foi enorme. Naquele momento (metade dos anos 1970), eu não tinha formação intelectual alguma. Pelos seus desenhos, suas idéias, pude começar a compreender o mundo. E aí fui para a literatura, cinema e pela cultura de uma maneira geral.

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

No caso do Henfil foi um combo, tudo que ele falava e criava eram novas para mim.O desenho e a forma de diagramar as idéias, a maneira de se utilizar dos mais diversos meios de comunicação. O traço então nem se fala, um desenho que não terminava, … Eu gosto muito da tipologia também do Henfil, muito própria, suas letras são lindas.

4. Seu trabalho teve influência direta em você?

Não sou cartunista mas jornalista, digamos que o lado jornalista de Henfil também me tocou, aprendi também a conhecer a Imprensa pelos seus olhos.Nas suas revistas e nos seus depoimentos, ele divulgava tudo que havia de interessante, dava dicas de leituras de jornais, gibis, revistas e livros.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda? E entre seus amigos? Quais eram os comentários das pessoas?

Pelo que li sobre o assunto, o impacto de Henfil sobre a Imprensa Sindical foi enorme, acredito que os desenhos de humor que começaram a aparecer nestas publicações sofreram e sofrem influencia direta dele, não conheço como eram antes da era em que ele apareceu mas o depois é flagrante até no traço dos artistas.

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa? O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Reunir o pensamento político e artístico de Henfil é mais que importante, é necessário. Num momento em que a mídia imprensa está declinando acho que é imperativo mostrar que ela já foi mais profunda, acredito que se Henfil fosse vivo e tivesse falando suas verdades não teria mais espaço na grande imprensa. Não interessa mais para esta chamada Grande Imprensa ouvir o Henfil organizar a política e a cabeça das pessoas, porque ele fazia isto,organizava as idéias. A maioria das entrevistas de Henfil que possuo foram da grande imprensa, excetuando uma ou outra da Imprensa Nanica, o que prova o quanto ela já foi melhor. Henfil também deu boas entrevistas para TV, como por exemplo ao programa Vox Populi, e deve estar no youtube na integra. Rever a inteligência e a ética dele em forma de livro acho valoroso, afinal a nova geração mal sabe quem foi Henfil. Tenho que confessar que foi uma idéia que tive há muitos anos, quando comecei a colecionar também estes depoimentos,e fico feliz que esteja sendo realizado agora de uma forma tão profissional.

7. O que achou do Henfil na telinha e na telona? Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

Sim, Henfil não tinha limites, como todo artista e intelectual de peso , era capaz de fazer uso dos mais variados suportes. No caso da TV Homem, um quadro que fazia parte da TV Mulher, na Globo, foi feito quando estava no auge da sua criatividade. Seus quadros são históricos,fazem parte da história do humor na Tv brasileira. Acho que apenas a TV Pirata, Juarez Machado e o quadro do Glauber no programa Abertura ombreiam com este trabalho dele. Eu trabalhava e na época não tinha VHS para gravar, de modo que acompanhei o programa uma vez ou outra, o que foi uma pena. Será que alguém compilou todos os quadros e fez um DVD? Mas o que vi achei fantástico, uma inovação no humor da TV, que era muito ligado no humor radiofônico, e Henfil como Juarez Machado por exemplo modernizaram a linguagem. Quanto ao filme do Henfil, acho que não deu muito certo, ele não estava bem de saúde, não conseguiu fazer um grande filme, foi na fase final de sua vida. Estava visivelmente envelhecido, falo naturalmente no físico não na criação. Não lembro bem mas acho que já estava infectado pela Aids.

8. O trabalho de Henfil é pouco compartilhado nas redes. O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode melhorar isso?

Acho que sim, trazer o pensamento de Henfil para hoje, num país mergulhado numa crise sem precedentes, só pode ajudar a esclarecer as coisas. É um pensamento límpido, direto, sem frescuras, vai ajudar sim as pessoas a compreenderem o que estamos vivendo. Henfil tinha lado, junto ao povo..

9. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

O povo não reage porque não tem emprego e quem tem não se mexe porque tem medo de perdê-lo. Esta é a nossa tragédia. Não sei se é possível piorar mais, não sei, acho que não temos mais Imprensa, a grande Imprensa mente, pior ainda que as chamadas fake news, e no tempo de Henfil ele tinha até um relativo espaço nessa grande mídia. Hoje não teria mais. O capital se apossou da Imprensa, hoje quem edita um jornal é o próprio capital. O povo não consegue se informar. Mudou a imprensa, o pensamento de Henfil circulava também pela grande mídia, hoje seria impossível.

10. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Acho que Henfil estaria nas trincheiras democráticas, não acredito que seria um anarquista. Acredito que estaria organizando a esquerda, que está sob ataque. Será que estaria em busca de um novo Teotônio Villela?

11. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical?

Como transformar um país tão desigual, sem sangue ou revoluções? Nossa elite deu mostras de que não cederá nem um centímetro, resta a esperança que um dia o povo caia em si e dê a volta por cima. O partido que Henfil ajudou a fundar continua na crista da onda, e tudo leva a crer que é o único capaz de enfrentar a direita, a ultra direita e este projeto anti Brasil.

JOÃO ANTONIO BUHRER DE ALMEIDA

É jornalista e pesquisador de Caricaturas e Histórias em Quadrinhos. Foi um dos primeiros blogueiros a explorar o mundo dos discos, livros e quadrinhos (Grapholalia). Através de seus “Arquivos Incríveis” tem compartilhado jornais, revistas e publicações de arte e quadrinhos por email e pelo facebook. Organizou várias exposições no CCLA (Centro de Cultura Letras e Artes de Campinas). Tem roteiros de HQs desenhados por Bira Dantas. Nasceu em Itapeva (SP), onde viveu até 1984, quando se mudou pra Campinas pra estudar jornalismo. Trabalhou como bancário e se aposentou como tal. Como jornalista atuou como pesquisador na edição em livro da “Senhor, uma Senhora Revista”, organizada por Ruy Castro.

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AQC ENTREVISTA: MOUZAR BENEDITO (*) SOBRE HENFIL

1. Como você conheceu o trabalho do Henfil? E o próprio cartunista em carne, osso e tiração de sarro? Lembra da ocasião?

Conheci o trabalho do Henfil pelo Pasquim. Os Fradinhos causaram um impacto enorme, não só em mim, acho que em tudo quanto é leitor. Depois veio a Graúna, o Zeferino, o bode Francisco Orellana… a gente se deliciava. Quando comecei a colaborar no Pasquim, em 1976, se me lembro bem, o Henfil morava no Rio Grande do Norte, não o conheci pessoalmente. Eu mandava meus textos para o Pasquim pelo correio, algumas vezes que fui ao Rio de Janeiro dei uma chegada à redação do jornal. Na primeira vez, me surpreendi: achava que ia encontrar todo mundo farreando na redação, mas não era nada disso. Estavam trabalhando em silêncio, cada um ocupando uma mesa, só o Jaguar destoava, era mais anárquico. Como eu trabalhava também no Versus, um jornal “sério”, achava gozado. Algumas pessoas achavam que no Versus a gente era tudo sério, só fazia discussões intelectuais e que no Pasquim era uma gandaia. E era quase que o inverso. Na redação do Versus, sim era uma quase farra, com gente bebendo, namorando no quintal ou no porão… Lá por 1980, conheci o Henfil “em carne e osso”. Foi quando a Global Editora propôs ao Quino a publicação da Mafalda aqui, o Quino disse que só toparia se o Henfil fosse o tradutor. Mas o Henfil não tinha tempo pra isso. O Paulo Schilling tinha acabado de voltar do exílio e publicou uns livros pela Global, e ficou sabendo disso. Sugeriu ao Zé Carlos, dono da editora, que eu fizesse a versão para o português e o Henfil desse um tapa, para sair de acordo com o que o Quino queria. Todo mundo topou e marcaram um almoço num restaurante em forma de caravela que tinha perto da avenida 23 de Maio. E nesse almoço me vi diante de dois dos meus maiores ídolos, o Henfil e o Quino, além do dono da editora.

2. Qual foi o impacto ao ver seus Quadrinhos?

O impacto, como já disse, foi enorme. Com traços quase minimalistas e uma certa agressividade, atraía demais. Seus quadrinhos tornaram-se referência, eram deglutidos com ânsia. Tanto que uma vez o Henfil se sentia cansado de fazer os Fradinhos e os “matou” atropelamento. Publicou isso no Pasquim, mas teve que ressuscitar os dois. E depois veio o Cabôco Mamadô, que não perdoava ninguém que flertasse com os ditadores. Chupava o cérebro deles. Chupou o cérebro de muita gente, até da Elis Regina, que fez uma concessão uma época, não me lembro qual. Depois, soube-se que ela foi chantageada pela ditadura e ela e o Henfil se tornaram amigos.

3. O que chamou mais atenção o humor escrito, as gags visuais ou o traço?

Seus quadrinhos chamavam a atenção pelo traço, inicialmente. Mas depois a gente era pego pelo conteúdo. O sadismo do fradinho Baixinho e a “bondade” do Cumprido faziam a cabeça da gente. O Cumprido sempre se ferrava. Depois, morando no Nordeste, ele usou a Graúna, o bode Francisco Orellana e o Zeferino para mostrar a realidade da região de uma forma lúdica mas muito crítica.

4. Como foi trabalhar com Henfil na versão em português da Mafalda? Como a editora Global procurou vocês? Ele mudava alguma coisa da sua tradução? E os prazos? Tem alguma história pitoresca?

Já contei sobre nosso primeiro contato na primeira pergunta. O Henfil propôs ao Quino que a gente fizesse uma versão meio em portunhol, na edição brasileira. Argumentou – e eu pensava isso também – que a Mafalda era totalmente argentina, as versões da revista que tentaram naturalizá-la perdiam a força. Vi versões de Portugal e da Itália e achava isso. Não era a mesma coisa. O Quino acabou topando e fizemos a versão mantendo a acentuação em espanhol, com ponto de exclamação e de interrogação de cabeça pra baixo no começo de frases em que esses pontos entravam no fim, e mantivemos algumas palavras originais, quando eram inteligíveis para o leitor comum. Levava a tradução para o Henfil, que morava num apartamento em Higienópolis, ele dava uma geral e mandava para a editora. Eu tinha argumentado com o Zé Carlos, dono da Global, que o tipo de letra faz parte do desenho, que era preciso que o letrista fizesse igualzinho às letras originais do Quino, mas ele resolveu economizar nisso, saiu com letras diferentes das que o Quino fazia e acho que isso diminuiu um pouco o impacto da nossa Mafalda em portunhol. Na contracapa da revista saía um quadrinho com os créditos: “Versão brasileira de Herbert Richt… Não!… Epa… É isso… Versão brasileira de Henfil e Mouzar”. Era uma brincadeira porque a Herbert Richers era responsável por muitas versões de filmes.

5. Qual foi a impacto dos Quadrinhos e Charges do Henfil na Imprensa Sindical? E na esquerda? E entre seus amigos? Quais eram os comentários das pessoas?

Em todos os meios, era pura admiração. Tanto pelo humor ácido quanto pelo compromisso com a democracia, com a visão de esquerda que tínhamos. Quando saiu a Mafalda e meus amigos viram que eu tinha feito a versão junto com o Henfil, ficaram pasmos, admirados, passei até a ter mais “crédito” com eles… rê-rê…

6. Acompanhava as entrevistas do Henfil na Imprensa? E as cartas?

De entrevistas, eu não me lembro. Lembro-me bem de suas cartas aos amigos, quando foi fazer tratamento médico nos Estados Unidos e morou lá uns tempos, muitas delas publicadas no Pasquim e depois incluídas no livro Diário de um Cucaracha. De volta ao Brasil, ele procurou as pessoas para quem tinha escrito e elas lhe entregaram as cartas, menos o Jaguar, que tinha lido e jogado fora. O Henfil ficou surpreso e acho que até meio brabo com isso, e o Jaguar lhe respondeu: “Pensei que você tinha escrito pra mim, e não pra posteridade”.

7. O que achou da iniciativa da Editora Noir em reunir estas entrevistas em um livro? Que efeito acha que este livro terá em você e nos demais leitores?

Acho a ideia ótima. Para a geração que conviveu com o Henfil, será uma ótima lembrança, e para os que vieram depois uma descoberta, uma revelação. Li a Guerra dos Gibis, do Gonçalo Júnior e fiz a revisão do Maria Erótica. Gostei muito dos dois e acredito que o livro sobre o Henfil vai ser igualmente ótimo e com muito conteúdo. O Gonçalo Junior é craque.

8. Henfil era um profissional multimídia, atuando na TV e no Cinema. Como foi atuar nas produções do cartunista em TV Homem?

Trabalhei com o Henfil na TV, dei uma de ator. Ele tinha aquele programa diário de um minuto, chamado TV Homem, dentro do programa TV Mulher, da Marta Suplicy. Uma época, a Editora Abril comprou 4 horas diárias da TV Gazeta, para programas jornalísticos e alguns outros, e levou o Henfil para lá. Nessa época, início dos anos 1980, o Pasquim estava em crise financeira e pediu aos antigos colaboradores que topassem colaborar de graça. Voltei a escrever pro Pasquim e me orientaram a, em vez de mandar os textos pelo correio, levar para o Henfil, que mandava por malote para o Rio de Janeiro. Aí passei a ter contato semanal com ele. Eu me lembro que no primeiro encontro demos muitas risadas, e o Henfil ficou meio impressionado com o meu cabelão crespo e minha barbona preta. Então me convidou para participar do programa dele na TV Gazeta. Eu ia à casa dele na segunda-feira de cada semana e seguíamos juntos para o estúdio da Gazeta, na avenida Paulista. Lá encontrava o resto da turma. Ele levava os textos de cinco programas, para passar de segunda a sexta-feira. Não tinha ensaio nenhum, Ele lia o texto, dividia as funções e a gente improvisava. Do jeito que saísse, saía… não repetia nada. Eu era péssimo ator. Um dia fiz o papel de defunto e falei pra minha namorada, a Célia: “Desta vez você não pode reclamar, fiz bem o papel de defunto”, e ela respondeu: “Fez nada. Cada vez que caía um pingo de vela na sua mão, você piscava”. Nem para fazer papel de defunto fui bom ator. Depois de poucos meses lá, a Abril tentou censurar um desses programas, o Henfil brigou, parou com o programa, fomos pra casa dele e ele me deu o livro Diário de um Cucaracha, em que fez uma dedicatória me desenhando com o corpo de uma barata, que é cucaracha em espanhol. Tenho o maior orgulho dessa dedicatória, em que me chama de bom companheiro e outras coisas. E nesse dia ele me disse que estava terminando o roteiro do filme Deu no New York Times e queria que eu fosse ator, que me levou para a TV porque queria me acostumar a ficar diante das câmaras. No filme, haveria guerrilheiros e eu tinha cara de guerrilheiro. Mas com a mudança dele pro Rio de Janeiro acabei não participando do filme. Na TV, o programa dele era tão impactante quanto nos quadrinhos. O filme acabou sendo relativamente pouco visto, mas é muito bom.

Como foi a saída de Sampa e como ele contraiu o vírus da AIDS?

Lembro aqui uma coisa… Apesar de pertencer ao governo paulista, sempre de direita, a TV Cultura tinha uma certa independência, tanto que Vladimir Herzog era diretor de jornalismo lá. Por incrível que pareça, isso mudou com a vitória do MDB nas eleições de 1982. O partido passou a controlar mais a TV Cultura. Antes da posse de Franco Montoro, o Henfil tinha proposto criar lá um programa de entrevistas, um “talk show”, como viria a ser chamado depois. Toparam. Mas no governo Montoro a TV Cultura foi entregue a uma ala do MDB que depois viria a ser o PSDB, e o Henfil foi lá para acertar o início do programa. Disseram a ele: “Como você, do PT, acha que vai ter um programa numa TV do MDB?”. Ele ficou indignado. Estive na casa dele e ele me falou que não queria ficar em nenhum lugar governado pelo PDS, partido que antes se chamava Arena e era a base política da ditadura, nem em estados governados pelo MDB, que se revelava horrível também. O único lugar não governado por esses dois partidos era o Rio de Janeiro, onde Leonel Brizola tinha vencido e o governo era do PDT. Foi um azar. Em São Paulo, Henfil tinha uma rede de amigos que lhe doava sangue quando precisava de transfusão, o que precisava muito porque era hemofílico.. No Rio, não tinha. Quando precisou, foi a um hospital e recebeu plasma contaminado com HIV, já que na época não havia tanto controle. Sempre digo que se não fosse a sacanagem que o então MDB fez com o Henfil aqui, talvez ele estivesse vivo até hoje, produzindo coisas maravilhosas.

9. Pra você, qual é o tamanho da falta que Henfil faz?

De vez em quando penso na indignação que o Henfil teria se vivesse nos tempos atuais. E também na sua produção. Acredito que acharia caminhos para produzir trabalhos demolidores. Com certeza, não estaria quieto, improdutivo. Não era o estilo dele. Ficava o tempo todo em ação, procurando sarna pra se coçar.

10. As novas gerações conhecem pouco do trabalho do Henfil. Apesar de uma exposição de originais no Centro Cultural Banco do Brasil (2005) no Rio e em SP ter tido público recorde na época, o trabalho dele ainda é pouco compartilhado nas redes e os mais jovens desconhecem. O que fazer pra melhorar isso? O livro organizado pelo Gonçalo Jr pode ajudar?

Está difícil chamar parte das novas gerações para conhecer muitas coisas e muita gente que teve muita importância para nós. Mas tem uma parte da juventude que está muito boa, muito interessada, politizada, comprometida. As chamadas mídias alternativas são um caminho para chegar aos jovens, mas parece que a esquerda não está tendo tanta competência quanto a direita para trabalhar com isso. Mas vamos tentando. O Gonçalo Jr. é um escritor de primeiríssima qualidade e seus livros são muito bons. Precisamos achar uma maneira de fazer com que eles cheguem mais aos jovens. Não sei como, pois nem meus próprios livros consigo divulgar.

11. O Brasil hoje está ‘sick da vida’ com tantos ataques à democracia, à inclusão social, racial e de gênero, à distribuição de renda? Ou a coisa precisa piorar mais pro povo reagir?

Não acredito que chegando ao fundo do poço o povo reaja necessariamente para algo que preste. Com a manipulação das mídias sociais por uma direita truculenta mas hábil no uso delas, a gente já viu o que aconteceu em 2013, nas manifestações de maio; no impeachment da Dilma em 2016 e nas eleições de 2018, que alçou a besta do Bolsonaro à presidência. Eles sabem produzir fake news e boa parte do povo parece predisposta a acreditar mais nelas do que nas notícias verdadeiras. É bem possível que acabem atribuindo toda a desgraça produzida por essa canalha empoderada à esquerda. Não é novidade. A situação extrema de ruindade acabou gerando o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha. E naquele tempo eles nem tinham internet, Facebook, essas coisas que agora facilitam em muito a difusão de ódio, racismo, rejeição a direitos…

12. Como Henfil estaria reagindo à sanha fascista, totalitária e anti-democrática que abocanhou os três poderes?

Não sei que canal ele teria para combater isso, talvez tivesse espaço em algum jornal, como a Folha de S. Paulo, onde tem gente como a Laerte, por exemplo, que faz um trabalho excelente, avassalador às vezes. Mas seria por aí. Na TV, com certeza Henfil não teria espaço nenhum, já que está tudo ou quase tudo nas mãos de uma direita explícita. Acredito que ele criaria novos personagens de quadrinhos que provocariam a mente das pessoas, além de produzir textos também provocadores.

13. Henfil foi um dos fundadores do PT, que se propunha a transformar radicalmente a sociedade. Esta décima terceira pergunta é o espaço pra suas considerações, não finais, mas futuristas. É possível ainda transformar o país de forma radical? O humor entra nisso?

Há muito o PT parou de propor transformação radical da sociedade. Por causa disso, me desfiliei do partido no final de 1994. Hoje, se propõe em melhorar as coisas, sem transformar. Foi o que fez nos governos Lula e Dilma, que melhoraram bastante a vida dos pobres, deram acesso a universidades, a viagens de avião, à um mínimo de comida, com a Bolsa Família, ao tão proclamado churrasco com cerveja, a moradias… Mas os ricos continuaram cada vez mais ricos. Se foram bons governos? Claro que sim, mas minimizando os efeitos do capitalismo na vida da população mais pobre. Veja que mesmo assim muita gente passou a odiar o PT por causa disso. Parece exagero, mas não é: um pessoal de classe média que se sente de classe alta não suportava viajar de avião ao lado de pobres de sandália havaiana. Transformações radicais para um lado, digamos, positivo, estão difíceis, mas a gente não desiste, né? Vamos sonhando, com utopia, porque a vida sem utopia é muito ruim. E humor também. Sempre tento colocar humor em tudo o que faço, seja em livros ou matérias jornalísticas. O que essa gente cheia de ódio e esse governo negacionista querem é que a gente se sinta mal, triste, sem humor. Se a gente ficar assim, é uma alegria pra eles. Então, acho que o humor é revolucionário, nestas circunstâncias. Um humor comprometido com a evolução, com a dignidade humana, contrário à ditadura, ao pensamento terraplanista dominante….

14. E sobre a pronúncia do nome. Voce o chamava de Henfil ou Rênfil, como uns e outros?

A pronúncia do nome dele é Enfil. Havia já naquela época, e há mais hoje, uma tendência a “americanizar” a pronúncia de nomes e alguns falavam dele como o Rênfil. Umas pessoas que queriam mostrar uma certa intimidade com ele o chamavam como Henriquinho, pois seu nome era Henrique de Souza Filho, e a família o chamava de Henriquinho. Acho gozado essa tendência de dar pronúncia gringa aos nomes e a objetos, canais de TV… HBO, por exemplo, eu falo Agá Bê Ó, mas vejo muita gente falando Eigi Bi Ôu… Tenho uma parceria com o cartunista e ilustrador Ohi em muitos trabalhos e muita gente não sabe como pronunciar o nome dele, que é Ói. Já vi gente pronunciando Órri, e uma vez o chamaram de Orrai. Pois é…

CONTATO DO MOUZAR

mouzarbenedito@yahoo.com.br

https://www.facebook.com/mouzar.benedito.3

https://blogdaboitempo.com.br/category/colunas/mouzar-benedito-colunas/ Geógrafo e jornalista, mineiro de Nova Resende, Mouzar Benedito é o quinto entre os dez filhos de um barbeiro e uma dona de casa. Trabalhou ou colaborou em mais de trinta jornais e cerca de trinta revistas. Na imprensa alternativa participou do Versus, Em Tempo, Pasquim, Mulherio, Brasil Mulher e vários outros jornais. Na grande imprensa, trabalhou no Guia Rural Abril, Gazeta de Pinheiros (não tão grande mas muito influente), DCI… Na TV, foi editor regional do Jornal do SBT em Brasília e trabalhou na coordenação de rede da TV Record, em São Paulo. Publicou 52 livros, o primeiro deles, de causos, “Santa Rita Velha safada”, em 1987, com apresentação do Henfil. Os temas de seus livros são variados, como causos (5 livros), romances (entre eles, “O voo da canoa – aventura e mistério no caminho do Peabiru”, em parceria com Ohi; “Pobres, porém perversos”; “Chegou a tua vez, moleque!”…), cultura popular (entre eles, “Saci, o guardião da floresta” e “Palavra de Caipira”; em parceria com Ditão Virgílio e Ohi), minibiografias de Luiz Gama, Barão de Itararé e Gino Meneghetti, a ditadura (“1968, por aí… Memórias burlescas da ditadura”, “Ousar Lutar – memórias da guerrilha que vivi”, em parceria com José Roberto Rezende, besteirol (entre eles, “Pequena enciclopédia sanitária”) e uma série policial, com pseudônimo Saphira Mind, tendo como personagem principal o detetive Bill Ferrer, Considera maiores glórias do seu currículo ter sido jurado do Festival de Cachaça de Sabará, em 1987 e ser um dos fundadores da Sosaci – Sociedade dos Observadores de Saci (2003), com sede em São Luiz do Paraitinga. Atualmente colabora no blog da Boitempo Editorial e no site da revista Fórum e é colunista da Rádio Brasil de Fato e na revista literária Conhece-te.